‘Interessadas nos nossos bens’, diz Aldo Rebelo sobre ONGs que tentam ‘sabotar’ soberania nacional


Durante sua presidência na França, de 1981 a 1995, François Mitterrand defendeu a ideia de que o bioma amazônico era um “patrimônio da humanidade”. Tal visão foi posteriormente retomada pelo atual presidente francês, Emmanuel Macron, que ao criticar os incêndios na floresta recentemente, descreveu-a como “nosso bem comum”.
Macron também já destacou a ligação da França com a Amazônia através da Guiana Francesa, território francês que faz fronteira com o Brasil, ainda que tenha dito respeitar a soberania dos países amazônicos.
O ex-ministro da Defesa brasileiro Aldo Rebelo, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, destaca a necessidade de distinguir os diferentes tipos de ONGs.
Por um lado, para ele, há aquelas que realizam um trabalho filantrópico e humanitário, muitas vezes preenchendo lacunas deixadas pelo Estado na prestação de serviços básicos a comunidades carentes.
Segundo o atual secretário municipal de Relações Internacionais de São Paulo, tais organizações devem ser “protegidas, devem ser acolhidas, porque são um bem para a sociedade e para o país”.

“Quando falamos de organizações não governamentais, se faz necessário que separemos o joio do trigo, porque há organizações não governamentais filantrópicas, humanitárias, que muitas vezes subsidiam o seu trabalho no atendimento a comunidades pobres, diante da omissão ou da ausência do Estado.”

Por outro lado, Rebelo levanta preocupações sobre as ONGs que recebem financiamento estrangeiro com o objetivo de minar os interesses nacionais, especialmente no contexto ambiental. “Elas são distintas daquelas organizações não governamentais que recebem financiamento do exterior para sabotar o interesse nacional, que praticam a verdadeira guerra híbrida contra o Brasil e contra a soberania brasileira.”

“Essas são pagas para sabotar o desenvolvimento do Brasil. E elas atuam principalmente na Amazônia. Você não encontra uma organização não governamental dessa preocupada com a poluição do rio Tietê, com a situação quase que de desastre que alcança o rio São Francisco, por exemplo. Elas estão na Amazônia. E na Amazônia elas não estão interessadas no nosso bem. Elas estão interessadas nos nossos bens.”

Ele argumenta que tais organizações, muitas vezes concentradas na Amazônia, não estão preocupadas com o desenvolvimento sustentável do país, mas sim com seus próprios interesses econômicos.
Segundo ele, essas ONGs atuam dentro das próprias instituições governamentais, como Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), para minar os esforços de desenvolvimento e explorar os recursos naturais da região.
Rebelo destaca as contradições na região amazônica, que apesar de possuir vastas riquezas naturais, enfrenta altos níveis de pobreza e negligência, especialmente entre as populações indígenas.
Ele atribui parte dessa situação ao que chama de “Estado paralelo” das ONGs na Amazônia, que coexiste com o narcotráfico e exerce influência crescente na região, muitas vezes em detrimento das políticas oficiais do Estado.
O Greenpeace, conhecido como uma das maiores organizações ecologistas do planeta e que possui ações em território amazônico, afirma ser financiado por doações voluntárias, feitas anualmente. E, segundo seus estatutos, a fim de “manter sua total independência”, “não aceita dinheiro procedente de empresas, governos ou partidos políticos”.

“Levamos isso muito a sério e controlamos e devolvemos os cheques quando são provenientes de uma conta corporativa. Dependemos das doações de nossos simpatizantes para levar a cabo nossas campanhas não violentas para proteger o meio ambiente”, diz a entidade.

No entanto, segundo dados do projeto Activist Cash, divulgados pelo Center for Consumer Freedom em 2010, entre as principais fontes de financiamento do Greenpeace estavam pessoas ligadas ao Rockefeller Brothers Fund, que à época havia doado à ONG cerca de US$ 1,15 milhão (cerca de R$ 6,04 milhões), além das americanas Marisla Foundation e Turner Foundation.
A fortuna dos Rockefeller, por exemplo, vem de negócios petrolíferos — da Standard Oil, que foi dividida em 34 empresas, com participação da família, incluindo a Exxon Mobil Corporation, uma das maiores multinacionais petrolíferas do mundo.

Soberania no Brasil ameaçada?

A preocupação com a soberania é compartilhada por alguns militares brasileiros, que se veem como sucessores dos colonizadores na Amazônia, de acordo com a visão da pesquisadora Adriana Aparecido Marques em sua tese de doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No texto, ela observou que tais grupos acreditam que a região precisa ser ocupada por não indígenas para evitar que o Brasil a perca.
No entanto essa ocupação histórica, marcada pela abertura de estradas, construção de hidrelétricas e expansão da agropecuária e mineração, tem alimentado a controvérsia internacional sobre o status da Amazônia, segundo ela.
A controvérsia remonta ao século XX, quando várias comissões parlamentares foram criadas para investigar o tema, conforme publicou o cientista social João Roberto Martins em artigo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
O potencial econômico da região, segundo ele, especialmente na produção de borracha, atraiu o interesse de governos estrangeiros e investidores. Projetos como Fordlândia e Jari, liderados por empresários americanos, receberam apoio governamental, por exemplo.
A sensibilidade da questão amazônica é evidente até mesmo em registros diplomáticos, como um telegrama revelado pelo WikiLeaks em 2009 que descreve a preocupação dos militares brasileiros com as atividades de ONGs na região. Nesse ano, o governo dos Estados Unidos tratou a política brasileira como “paranoica”, conforme outros vazamentos.
Tais organizações são vistas como uma ameaça à soberania nacional, alimentando a percepção de que a Amazônia deve ser protegida como um “bem comum” da humanidade, segundo a tese de doutorado de Marques.
Seu estudo descreve como os militares brasileiros temem a desnacionalização da Amazônia e veem os indígenas como potenciais instrumentos da influência estrangeira.
Além disso, há o receio de que reservas minerais em terras indígenas demarcadas possam atrair a exploração de empresas estrangeiras.
No entanto, conforme descrito por Manuela Carneiro da Cunha no livro “Os índios na Constituição”, houve uma aliança entre geólogos e indígenas durante a Constituinte de 1987 para garantir que as terras demarcadas coincidissem com as reservas minerais, visando proteger o meio ambiente e os direitos indígenas.
© Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência BrasilA ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante seminário que discute estratégias para a Amazônia Azul. Brasília (DF), 25 de setembro de 2023

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante seminário que discute estratégias para a Amazônia Azul. Brasília (DF), 25 de setembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 18.04.2024

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante seminário que discute estratégias para a Amazônia Azul. Brasília (DF), 25 de setembro de 2023

Agenda internacional brasileira

A recente visita de Emmanuel Macron ao Brasil colocou em destaque a agenda internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para além de questões domésticas, como a economia e a segurança pública.
Questionado sobre a possibilidade de o Brasil mudar o cenário de dependência de ONGs e garantir sua soberania, Aldo Rebelo entende que “o governo brasileiro está imobilizado pelos seus compromissos internacionais”.

“Por que é que o governo brasileiro colocou no Ministério do Meio Ambiente uma ministra cujo partido não tem nenhum deputado federal e nenhum senador? Com toda a autoridade e com todo o poder que tem. De onde vem esse poder? Do Congresso não é. Da política não é. Vem do exterior. Esse poder é legitimado exatamente por aqueles que não querem o desenvolvimento do Brasil e que não querem o desenvolvimento da Amazônia”, afirma.

O secretário critica a atual política externa brasileira, descrevendo-a como “ornamental” e “para efeito de propaganda”, em contraste com o papel de liderança que o país deveria desempenhar na defesa de seus interesses nacionais.
Ele aponta a necessidade de uma abordagem mais assertiva, semelhante à adotada pelo embaixador Araújo Castro na década de 1970, que defendeu o direito ao desenvolvimento como precondição para a proteção do meio ambiente. “Proteção do meio ambiente? Sim, mas com direito ao desenvolvimento. Porque o direito ao desenvolvimento é uma precondição para a própria proteção do meio ambiente.”

“Você precisa de prova, de testemunha do fracasso dessa agenda? O fracasso dessa agenda, dos organismos internacionais, das ONGs e do governo brasileiro para a Amazônia está retratado na situação da população da Amazônia. Essa agenda não conseguiu gerar nenhuma esperança para a população da Amazônia. Nenhuma melhoria da sua condição de vida.”

Rebelo afirma que grupos do Sul e do Sudeste brasileiros questionam “se a Amazônia é brasileira ou deve ser internacionalizada”.

“A Amazônia é brasileira antes de a Califórnia ser americana. Quando a Califórnia, o Novo México ou o Texas ainda pertenciam ao México, a Amazônia já era brasileira. A Amazônia já estava como parte do Brasil desde a nossa independência.”

Por fim, ele defende o direito ao desenvolvimento, à soberania, à proteção da natureza e à proteção das populações indígenas, por meio da garantia de “infraestrutura, saúde e educação”. “Nós temos na Amazônia muito mais do que a Europa inteira consegue proteger para o meio ambiente.”
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Fonte: sputniknewsbrasil

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