Via @jotaflash | A implementação da figura do juiz de garantias, que deverá atuar na fase da investigação criminal até que ocorra o oferecimento da denúncia, enfrenta problemas e segue em ritmos e padrões de qualidade distintos nos Tribunais de Justiça do país. Os dados foram coletados em estudo coordenado pelos ministros Luís Felipe Salomão e Messod Azulay Neto, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e publicado pela FGV Justiça.
De um total de 25 tribunais que participaram da pesquisa ‘Implementação do Juiz das Garantias no Judiciário brasileiro’, seis informaram que já regulamentaram e implementaram o instituto, o que corresponde a 24% do universo analisado. Cinco ainda não regulamentaram. Outras duas cortes regulamentaram e estão em fase de implementação e três regulamentaram e ainda não implementaram. Nove tribunais estão em fase de regulamentação.
Na análise qualitativa, foram observados desafios relacionados a dificuldades de adaptação à nova estrutura, deficiências na capacitação de magistrados e servidores e heterogeneidade na aplicação do modelo.
A figura do juiz de garantias foi instituída no Código de Processo Penal brasileiro pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019). Em agosto de 2023, no julgamento das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, que questionavam as novas normas, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a nova função e determinou o prazo máximo de 24 meses para que sua implementação ocorra em todo território nacional.
O estudo também analisou os modelos adotados, os critérios de regionalização e a substituição de magistrados, bem como as lacunas nas formações inicial e continuada de magistrados e servidores. A pesquisa coletou dados entre agosto e outubro de 2024.
Em comarcas com mais de uma vara, o estudo aponta que prevalecem a regionalização, a especialização por meio de Núcleos ou Centrais de Garantias ou por meio de Varas das Garantias. Em comarcas com vara única, a regionalização é a solução predominante.
Entre os 11 TJs que já regulamentaram, cinco deles optaram pela regionalização, que envolverá duas ou mais comarcas; três pela especialização por meio de Núcleo ou Central das Garantias e, outros três, pela substituição pré-definida entre juízos da comarca. Há ainda a opção pela especialização por meio de Vara das Garantias (3) e pela substituição regionalizada (1).
Em relação à capacitação para o exercício da função de juiz das garantias, a pesquisa revelou que a maioria dos tribunais ainda se encontra em fase de ideação ou implementação da capacitação para magistrados e servidores. Entre os tribunais que já regulamentaram, quase a metade (5) estão com a capacitação em fase de ideação; sendo que apenas quatro de 11 já fizeram a capacitação. Houve ainda um caso de capacitação não implementada e outro não respondeu.
O estudo também questionou os tribunais se a implementação do juiz de garantias contou com assessoramento técnico. Neste caso, quatro apontaram que a implementação foi feita pelo GT de magistrados.
Aspectos da análise qualitativa
A análise qualitativa dos dados ainda demonstra que a implementação do juiz das garantias nos Tribunais de Justiça entre três grandes grupos de desafios:
- Dificuldades de adaptação à nova estrutura: a falta de estrutura física e de pessoal adequadas, bem como a resistência de alguns magistrados e servidores, são obstáculos a serem superados;
- Heterogeneidade na aplicação do instituto: as diferentes realidades regionais e a diversidade de modelos de organização adotados pelos tribunais geram um panorama complexo e desigual em relação à efetivação do juiz das garantias;
- Deficiências na capacitação de magistrados e servidores: a ausência de cursos de formação específicos e a falta de materiais didáticos adequados comprometem a qualidade da atuação do juiz de garantias.
A pesquisa aponta, porém, um estágio mais avançado de implementação nos Tribunais Regionais Federais (TRFs), com todas as cortes tendo regulamentado o instituto. Entre os seis Tribunais Regionais Federais, cinco já regulamentaram e implementaram e só um está em fase de regulamentação.
O trabalho identifica ainda que a organização varia entre os TRFs. Em subseções judiciárias com mais de uma vara, predominam a regionalização e a substituição pré-definida entre juízos da mesma subseção. Já em subseções com vara única, a substituição pré-definida entre subseções contíguas ou próximas é a solução mais adotada.
Em relação aos critérios considerados para a regionalização, dois tribunais federais indicaram a estimativa de novos procedimentos investigatórios, inquéritos e autos de prisão em flagrante da base territorial da unidade regionalizada. Também houve respostas indicando a distância entre as subseções judiciárias em relação à sede e a facilidade de acesso à sede da unidade regionalizada por meio de rodovias ou outras vias de circulação célere.
Na análise qualitativa, o diagnóstico aponta maior agilidade na adaptação; experiência prévia com a especialização de varas; e uma estrutura administrativa mais consolidada dos TRFs que facilita a implementação do juiz das garantias.
A situação nos TREs
Ao analisar a implementação nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), a pesquisa revela um cenário similar ao observado nos TJs, com diferentes estágios de implementação e modelos de organização.
Entre os pesquisados, 21 TREs responderam que já regulamentaram o juiz de garantias, sendo que seis já implementaram e 11 estão em fase de implementação. Outros quatro ainda não iniciaram a implementação.
O estudo coordenado pelos ministros do STJ indica a inexistência de convênios entre os TREs e os TJs para a implementação do juiz das garantias, o que mostra a necessidade de maior diálogo e cooperação entre as instituições.
Ainda nos TREs, considerando a análise qualitativa, foram apontados desafios como a falta de estrutura e de pessoal; a resistência de alguns magistrados e servidores; e a necessidade de adaptação a novas rotinas de trabalho sob as novas regras, além dos desafios impostos pela natureza complexa da Justiça Eleitoral.
Instituto do juiz de garantias
Em 28 de maio do ano passado, o CNJ aprovou o ato normativo que regulamenta a atuação do juiz de garantias, a figura que atuará para garantir os direitos individuais de pessoas investigadas, bem como a legalidade das investigações criminais.
Com a resolução aprovada pelo CNJ, os tribunais passaram a ter os parâmetros para implementar a nova função. José Rotondano, relator do Ato Normativo, ressaltou que o texto permite que cada tribunal possa adotar o modelo mais adequado às necessidades locais, dentre três opções: por especialização, por regionalização ou por substituição, que só deve ser aplicada na impossibilidade da adoção dos outros dois modelos.
O texto também ressalta que, como o STF afastou o termo “vedado o emprego de videoconferência” no julgamento das ADIs, será permitido o uso desse meio em hipóteses excepcionais para as audiências de custódia.
Funções do juiz de garantias
De acordo com o estabelecido pelo STF, será de responsabilidade desse magistrado a comunicação imediata da prisão de suspeitos, com a realização de audiência de custódia em até 24 horas, inclusive nos processos criminais da Justiça Eleitoral. Depois dessa etapa, a competência passará a outro magistrado, o juiz de instrução e julgamento.
As normas não se aplicam a casos de violência doméstica e familiar, a processos de competência do Tribunal do Júri, a processos da competência dos Tribunais (regidos pela Lei 8.038/1990) e aos de competência dos juizados especiais criminais.
Foto: Fellipe Sampaio /STF/Flickr
Mirielle Carvalho
Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Formada em Jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi. E-mail: mirielle.carvalho@jota.info
Fonte: @jotaflash