São mais de 900 trabalhadores em greve há mais de dois anos e salários atrasados há quase 30 meses.
Entre as alternativas para a crise, estão a possibilidade de fusões com empresas como a Akaer, uma eventual estatização ou, mesmo, a venda para companhias estrangeiras — o que é visto com maus olhos por especialistas da área ouvidos pela Sputnik Brasil, que entendem que isso pode gerar fissuras na soberania nacional brasileira.
Hélio Augusto de Souza Lima, funcionário da Avibras, está há 30 meses com salário atrasado, sem convênio. “Não temos mais uma cesta básica, acabou. Não tem mais nada, estamos parados e sem salário, sem dinheiro. Complicado.”
Ele explica que os funcionários afetados têm buscado a empresa para uma solução e espera que o novo presidente, Fábio Guimarães Leite, eleito em 14 de agosto de 2025, possa resolver a situação.
Em junho, a homologação do plano de pagamento prometia regularizar salários e benefícios, mas isso não se concretizou até agora, após o Banco Fibra entrar com recurso judicial que resultou na suspensão do plano. A decisão, concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), atendeu ao pedido da instituição financeira, que cobrava dívida de R$ 4,8 milhões da Avibras.
“Eu peço encarecidamente a todos os governos estaduais e federal, mais o Banco Fibra, que retire essas suspensões. Porque, a partir do momento que voltarmos a trabalhar para receber nossos salários em dia, a empresa vai gerar recursos e vai pagar essas dívidas.”
O deputado estadual Carlos Giannazi (Psol-SP), que tem feito audiências públicas para tratar da situação, cobrou atuação dos Poderes para “entrar na luta em defesa da dignidade humana e dos salários dos trabalhadores”. Segundo ele, a principal preocupação é a falta de amparo trabalhista. “Isso acontece dentro do estado de São Paulo, que está vivendo uma crise hoje por conta do tarifaço, com mais desemprego. Então nós temos que resolver essa situação.”
“São mais de 1.400 famílias praticamente abandonadas a deus-dará por conta dessa irresponsabilidade, dessa inconsequência da empresa e dos poderes constituídos que nada fizeram para proteger os direitos trabalhistas dessas pessoas.”
Quem protege o Brasil em caso de guerra?
No Brasil, a defesa em caso de guerra é garantida pelas Forças Armadas — Exército, Marinha e Força Aérea, coordenada pelo Ministério da Defesa. O fortalecimento dessas forças depende também de companhias estratégicas como a Avibras, segundo José Alexandre Altahyde Hage, professor de geopolítica da Universidade de São Paulo (USP).
À Sputnik Brasil, ele criticou a falta de planejamento estratégico do país nas últimas décadas. “Há uma impressão, que não é só minha, de que nós deixamos de pensar a partir de planos de ação, a partir de cenários, a partir de uma visão longa daquilo que o Brasil gostaria de ser ou de evitar os problemas que sempre surgem.”
“Nesse aspecto, essa negligência, falta de atenção com a Avibras, é muito marcante. E temos que levar também em conta que a possível perda da Avibras não é apenas a perda de uma empresa. É também a perda de um fundamento estratégico de suma importância.”
O professor explicou que a Avibras integra um sistema de tecnologia e defesa iniciado no governo Getúlio Vargas, centrado no Vale do Paraíba, com companhias como Engesa e Embraer, e fundamentado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “A Avibras era uma das peças de algo que eu chamo de placa-mãe.”
Ele narra que, durante o governo João Figueiredo, último do período da ditadura militar, iniciou-se um processo de sucateamento das Forças Armadas, intensificado pelas crises do embargo de petróleo de 1979 devido à guerra Irã-Iraque, além da moratória do México, e por um descrédito crescente dos militares. “Não havia mais tanta gordura para queimar assim na proteção do sistema.”
O professor também comenta que os governos Fernando Collor (então PRN), Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não implementaram políticas consistentes para fortalecer a indústria de defesa. “Essa infraestrutura de tecnologia militar foi colocada um pouco de lado.”
Segundo ele, a falta de visão estratégica afeta não apenas a defesa, mas também a posição internacional do Brasil.
Como ficou a venda da Avibras?
O professor da USP José Alexandre Altahyde Hage critica a possibilidade de vender a Avibras para o capital estrangeiro. Segundo ele, a estatização da empresa pode injetar recursos e tentar manter o patrimônio de conhecimento já existente.
“A maior preocupação seria a continuidade da Avibras. Por isso, já é um ataque, digamos, à soberania brasileira, ao setor de defesa. […] Quando eu falo gasto, não é econômico. É conhecimento mesmo, de você alienar o que você fez durante 50 anos, tudo por água abaixo.”
O professor de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC) Annibal Hetem Junior comenta que a nacionalização poderia resolver problemas fiscais e contábeis, mas não resolveria a limitação tecnológica da companhia. “A estatização não resolveria o problema de criar novos produtos. O principal produto deles, o lançador de foguetes, mantém o mesmo desenho há mais de 40 anos. Isso é bom, mas outros concorrentes avançaram tecnologicamente.”
Segundo ele, também há risco de venda para grupos estrangeiros: “Se for uma empresa estrangeira a controlar, a equação não fecha. São segredos e contratos exclusivos do Ministério da Defesa. A solução ideal é que a empresa permaneça sob controle nacional.”
“Quando um grande cai, aparecem oportunidades. Talvez uma solução seja vender a Avibras em partes para pequenos fabricantes que possam crescer em seus nichos. O mercado existe e funciona.”
O que a Avibras fabrica?
O professor da UFABC explica que a Avibras fabrica equipamentos para defesa “em todos os sentidos”, o que inclui armas de ar e terra, além de equipamentos pequenos e, também, os complexos.
“A Avibras é uma das mais importantes empresas de defesa que a gente tem no país. Não tem muitas outras não. […] Uma eventual falência dela geraria vácuo nos nichos em que ela trabalha, e a gente teria que importar esse equipamento”, alerta, mencionando que o equipamento já existente também ficaria sem manutenção.
Hetem Junior observa que a Avibras ficou atrás de concorrentes internacionais em termos tecnológicos. “Eles inovaram no passado, mas nos últimos anos focaram mais em contratos e vendas de produtos existentes do que em desenvolver novas soluções. Hoje, existem tecnologias de defesa muito mais avançadas fora da empresa”, explica.
Ele atribui parte disso à estrutura familiar da companhia, fundada e mantida pela família Carvalho Leite, e que é preciso evoluir para se manter competitiva.
Hage traça um paralelo com a trajetória da Embraer, cujo sucesso se deu por motivos comerciais de encontrar mercados como a aviação civil para poder crescer, ainda que haja projetos ligados ao âmbito militar. “A Avibras não, ela trabalha com nichos. Trabalha com um setor muito específico.”
Fonte: sputniknewsbrasil
