Brasil e Caribe sem intermediários: Rota das Guianas, de integração regional, sairá do papel?


Para visitar o país sul-americano, o único trajeto terrestre disponível leva mais de 12 horas, entre estradas de terra, pontes de alvenaria e cruzamentos de rios. Já entre as duas capitais nordestinas, o percurso leva cerca de nove horas.
Lançada em 2023, a Rota 1, ou Rota Ilha das Guianas, promete facilitar a conexão física com essa parte da América do Sul e, consequentemente, com o Caribe, ao ligar Roraima ao novo porto de águas profundas da Guiana.
Parte de um projeto maior de integração sul-americana que está sendo tocado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, o empreendimento foi um dos temas da Cúpula Brasil-Caribe, realizada na última sexta-feira (13), em Brasília, com líderes dos 16 países da região.
No evento, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, salientou a urgência da integração regional para incrementar o comércio e a cooperação com os 16 países da região, cujo PIB combinado é de US$ 120 bilhões (R$ 596 bilhões), maior do que o de alguns países sul-americanos.
Atualmente as mercadorias que saem do Brasil para o Caribe, e vice-versa, passam majoritariamente pelos EUA, o que trava uma série de transações comerciais devido aos altos custos do transporte e da logística.
Com isso, apesar da proximidade e do potencial, os estados do Norte representam apenas 5% das exportações totais para a Comunidade do Caribe (Caricom), que importam mais de 80% dos alimentos que consomem, um dos maiores percentuais do mundo, segundo o Itamaraty.
Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil foram uníssonos ao reconhecer a essencialidade e urgência da iniciativa para o Brasil no contexto atual de mudanças na geopolítica mundial, que exige cada vez mais variedade de parcerias e alternativas comerciais.
Outro ponto destacado pelos entrevistados é a variedade e complexidade dos desafios que envolvem a iniciativa.
O coordenador do Núcleo de Estudos Atores e Agendas de Política Externa (NEAAPE) e cientista político, Ghaio Nicodemos, lembrou que vários projetos de infraestrutura para integrar o norte do Brasil à região do Caribe foram propostos na última década, sem, contudo, saírem do papel.

“A tentativa de projetar poder em direção ao Caribe — inclusive nos primeiros governos Lula, projetar a presença brasileira em direção ao Caribe — não é recente. A gente teve vários projetos de cooperação internacional, através da missão de paz no Haiti, da construção de infraestrutura em Cuba, vários projetos diferentes onde o Brasil tentou marcar e consolidar uma presença no Caribe, mas que não frutificaram, não deram os resultados esperados”, disse.

No caso da Rota 1, afirmou, os desafios envolvem obras dispendiosas, que demandam tempo e têm riscos de impactos ambientais e sociais:
“Quanto mais rasgada de estradas a mata da região amazônica fica, mais essas pequenas regiões florestais que ficam entre as estradas se tornam suscetíveis ao desmatamento, à erosão, à degradação. Obviamente tem um custo ambiental alto.”
Ele elencou ainda a crise orçamentária e a pressão de setores econômicos, sobretudo o financeiro, como outro empecilho para a conclusão da rota, devido ao contingenciamento cada vez maior dos gastos em busca de um superávit na questão da dívida pública.
O especialista frisou, porém, que o bônus é maior que o ônus com a nova rota, que sanaria uma série de demandas e necessidades internas, ajudaria o Brasil a se projetar no Caribe e a enfrentar problemas crônicos da região, como o narcogarimpo e as facções criminosas.

“Um dos maiores problemas dessa região, e que permite a presença desse crime organizado, é a falta de opções econômicas legais que integrem as populações dessa região, para que elas não sejam aliciadas por essas facções criminosas”, comentou. “Essa infraestrutura acaba trazendo outros ganhos de integração para aquela região.”

O professor de teoria da história na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Iuri Cavlak também endossou que a iniciativa é benéfica para o desenvolvimento da região Norte, após “secular atraso e timidez das relações comerciais e políticas dos países da região”.

“Inclusive para uma melhora no emprego e na renda da população nortista brasileira, se de fato houver uma dinamização que impulsione a economia local. Por muitas décadas, embora já existindo na região Norte mão de obra qualificada e potencialidade de expansão econômica, as relações se deram muito mais a partir de Brasília e das mercadorias exportáveis de outros estados da Federação.”

Além dos ganhos regionais, ao desenvolver relações comerciais e diplomáticas no Caribe e aumentar o comércio externo, o Brasil aumentaria sua influência diplomática, frisou o professor da Unifesp, “ofertando novas rotas e possibilidades para os próprios países caribenhos, que assim podem tentar escapar da sua deletéria dependência frente aos norte-americanos e às antigas metrópoles europeias”, opinou.
Cavlak também se posicionou pouco otimista sobre uma conclusão da Rota 1 no médio prazo, devido a resistências e atritos sociais derivados dessa disputa política.
“Difícil uma resposta assertiva, pois essas obras de planejamento de médio a longo prazo dependem de muitos fatores, a começar pela continuidade do PT [Partido dos Trabalhadores] à frente do governo federal no ano que vem. E, caso essa continuidade ocorra, [essas obras dependem das] […] condições econômicas e [do] […] nível de negociação política com o Congresso Nacional, e mesmo com os governos estaduais envolvidos”, pontuou ele.
O professor da Unifesp também salientou que parte dos fracassos envolvendo projetos de infraestrutura de grande relevo deve-se ao fato de que as populações diretamente afetadas pelos empreendimentos são ignoradas no processo de elaboração e implementação da obras:
“As terras do Norte do Brasil e da América do Sul possuem muitas comunidades ameríndias que devem ser ouvidas e respeitadas em seus direitos, o que, via de regra, não se verifica quando o interesse envolvido é puramente comercial.”
Ambos os entrevistados frisaram que outra pedra no caminho para o êxito da integração pode ser a própria Guiana.

“Como se trata de uma interligação internacional, também depende das condições políticas dos vizinhos, que, nesse cenário global de incertezas e tensões, podem mudar bruscamente de uma hora para outra”, disse Cavlak.

Nicodemos ressaltou que a Guiana enfrenta instabilidades políticas em decorrência do próprio crescimento descoordenado na última década, a partir da descoberta de grande volume de petróleo offshore:

“É um país que enriqueceu muito rápido, não conseguiu distribuir essa renda, em termos de infraestrutura, para o restante do território. Então é um país que tem ali alguma turbulência latente, tem um risco político de que, mudando o governo, o projeto pode ficar arquivado. Então são várias coisas que a gente precisa pensar no longo prazo, até os dias de hoje.”

Sobre as obras

O Ministério do Planejamento e Orçamento informou à Sputnik Brasil que a Rota das Guianas foca a melhoria da conectividade rodoviária, marítima, elétrica e digital na parte norte da América do Sul e que os projetos têm prazos distintos, variando entre um e cinco anos.
“A segurança alimentar e o aumento dos preços no Caribe são um problema grave que pode ser enfrentado com melhor infraestrutura. Com relação a Guiana, Suriname e Guiana Francesa, há demanda reprimida por vários gêneros alimentícios que possuem acesso atual restrito em termos de infraestrutura física e/ou regulatória, como frutas, legumes e carnes”, explicou a pasta em nota.
O Planejamento também citou a exploração petrolífera nesses países, que tem aumentado a demanda por produtos brasileiros para a exploração, como torneiras, válvulas e tubos.
“A melhoria das rotas pode elevar as importações para o Brasil de cimento, petróleo e pescados”, acrescentou.
As obras englobam a melhoria da rodovia federal BR-174, importante via rodoviária em Roraima prevista no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), que vai facilitar o transporte da produção e bens do estado de Manaus (AM). A BR-174 recebeu obras de manutenção pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) em novembro de 2023.
Outra rodovia que está no escopo do projeto é a BR-401, que liga Boa Vista a Bonfim, na fronteira com a cidade de Lethem, na Guiana.
O Linhão de Tucuruí, projeto de linha de transmissão de energia elétrica que visa interligar o estado de Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN), também está contemplado no Novo PAC e tem previsão de entrega pela empresa Transnorte Energia (TNE) até o segundo semestre deste ano, segundo o ministério.
O trecho Rorainópolis-Boa Vista está contemplado na fase 1 do projeto; Boa vista-Bonfim, na fase 2; e Boa Vista-Pacaraima, na fase 3, até Lethem.
Em seguida, 480 quilômetros da rodovia de Lethem a Linden e, por fim, o trecho Linden-Mabura Hill, que está sendo construído com financiamento do Banco do Desenvolvimento do Caribe para ligar Roraima ao porto de águas profundas na Guiana. Com cerca de 121 km de extensão, tem inauguração prevista para 2026, informa a pasta.
Ainda segundo a pasta, o principal produto alimentício exportado para o Caribe é o milho, seguido pela carne de aves. Com a conclusão da rota, o governo espera ampliar a exportação desses e de outros produtos, como açúcar, carne suína, carne bovina, embutidos, arroz e óleo de soja, além de produtos industriais (semimanufaturados de ferro, torneiras, válvulas, tubos) e itens do Polo Industrial de Manaus.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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