‘Só traria perdas’: romper com Israel descredenciaria o Brasil como país mediador, avaliam analistas


As ações israelenses na Palestina e agora no Irã desencadearam uma onda de pedidos para que o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, corte as relações do Brasil com Israel.
A demanda tem apoio sobretudo entre o eleitorado do presidente e em sua base de apoio. De parlamentares até o vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, os pedidos se fazem ver. Nas redes sociais, postagens de Lula são tomadas por comentários exigindo a ruptura, o que acaba por ofuscar o desejo do presidente de divulgar as ações do governo.
Embora tenha dado declarações incisivas sobre as operações de Israel, até o momento não há indício de que Lula pretende fechar o canal diplomático com o país. Em entrevistas recentes, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, frisou a necessidade de uma tomada de ação contra Israel, mas descartou o rompimento.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que a diplomacia é o principal motivo que leva o Brasil a não romper com Israel.
Bruno Hendler, professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que não é da tradição da política externa brasileira romper relações.

“A diplomacia brasileira é conhecida pela mediação, por prezar pelos princípios da soberania e da não intervenção entre os Estados. Então, ao contrário de romper relações, a política externa do Lula reflete esse caráter de mediação”, explica.

Segundo o especialista, a arena internacional é onde Lula e o Partido dos Trabalhadores conseguem exercer uma política que não é restringida por negociações com o Congresso e forças da oposição. “Lula nada de braçada”, comentou.
“A política externa é uma das plataformas em que o Lula mais pode ter protagonismo […]. Tudo que o Lula não consegue implantar [no cenário interno] de políticas de esquerda, proteção social, desenvolvimento e tudo mais, ele acaba levando para a política externa”, afirma.
Ele explica que a visão de mundo institucional da política externa do Brasil tem raiz na Conferência de Bandung, realizada em 1955, na Indonésia, embora o país não tenha participado da reunião, que tinha caráter anticolonial. Segundo ele, essa visão é refletida na política externa ativa e altiva implementada por Amorim nos dois primeiros mandatos de Lula, que retorna agora. “Mas ela retorna com um mundo totalmente diferente dos anos 2000, um mundo muito mais tenso, com guerras acontecendo em uma escala muito maior.”

“E, ainda que o Brasil não rompa relações com Israel, há uma série de esferas, de foros em que o Brasil deve, sim, pressionar, porque a gente precisa ter muito claro que Israel tem cometido uma série de crimes de guerra, crimes contra a humanidade.”

Dessa forma, Lula, enquanto líder de esquerda de um país em desenvolvimento, vai levar a cabo uma política externa muito mais simpática e solidária aos palestinos, uma vez que o Estado israelense “crônica e sistematicamente viola o direito internacional”, diz Hendler, baseado em entendimentos de juristas como Francisco Rezek, que atuou como representante brasileiro na Corte de Haia entre 1997 e 2006. “Israel é um Estado cronicamente criminoso”, enfatiza.
Arnaldo Francisco Cardoso, cientista político, afirma que “a política externa do Brasil é orientada pela defesa do diálogo e da paz” e que “apresentar-se como possível mediador em situações de conflito tem sido o papel buscado pela diplomacia brasileira”.

“Para isso, um rompimento de relações diplomáticas descredenciaria o país como mediador”, afirma.

Um rompimento de relações com Israel “só traria perdas ao Brasil”, tanto na esfera da política internacional quanto no comércio entre os países, ressalta o cientista político. “O Brasil mantém com Israel relações comerciais e de cooperação técnica em áreas complementares, incluindo setores como o de tecnologia e segurança.”
Segundo o especialista, não há apatia na posição da diplomacia brasileira diante dos conflitos envolvendo Israel, Palestina e Irã. Lula foi um dos primeiros líderesa chamar de genocídio o massacre de palestinos em Gaza empreendido pelos militares israelenses, sob comando de Benjamin Netanyahu”, e o Brasil “condenou o ataque terrorista de 7 de outubro [de 2023] realizado pelo Hamas”.
Cardoso aponta ainda que também é conhecida a posição brasileira a favor da solução de dois Estados, com o reconhecimento internacional do Estado da Palestina, e que Brasília, diante da iniciativa do governo israelense de bombardear o Irã sob o argumento de impedi-lo de continuar desenvolvendo seu programa nuclear, optou pela condenação de Tel Aviv.
“Invocando os tradicionais princípios da política externa brasileira, da não intervenção e da autodeterminação dos povos, além da defesa da multipolaridade. A diplomacia brasileira vem afirmando a necessidade do diálogo e da negociação entre as partes, tendo em perspectiva os sérios riscos, para todos, da atual escalada e do atual transbordamento dos conflitos no Oriente Médio”, afirma.
No entanto, ele afirma que, “embora a política externa não possa ser determinada pelos ânimos da opinião pública”, o fato de que haverá eleições presidenciais no ano que vem “deve estar no cálculo político de Lula”.

“Ao mesmo tempo em que setores progressistas da sociedade brasileira pressionam o governo Lula por um endurecimento da posição crítica do país em relação às ações do governo de Israel […], há também setores que defendem as políticas do governo de Benjamin Netanyahu. Vale lembrar que, desde o governo Bolsonaro, uma incorporação pela direita e extrema-direita das bandeiras de Israel passou a compor o quadro da polarização política no Brasil”, observa o especialista.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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