Análise: Brasil mostra que atua por solução negociada na Venezuela e diplomacia impõe ter cautela


Realizadas em 28 de julho, as eleições presidenciais venezuelanas consumaram as preocupações de uma crise política na região.
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE), órgão independente máximo do processo eleitoral venezuelano, atestou a vitória do atual presidente do país, Nicolás Maduro, com aproximadamente 52% dos votos válidos, enquanto seu opositor, Edmundo González, alcançou apenas 44%. Líderes globais como a Rússia e a China reconheceram o resultado do pleito divulgado pelo CNE, ainda que o órgão não tenha apresentado as atas oficiais.
No entanto, o resultado foi contestado pela oposição, que afirmou, com base em uma contagem paralela, que a vitória teria sido de González com 67% dos votos.
A ausência das atas deu munição para a resposta internacional, na qual Argentina, Equador, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana, Peru e Uruguai reconheceram a vitória de González, o que levou a quebra de relações diplomáticas entre a Venezuela e esses países.
Na sua posição de líder regional e garantidor do processo eleitoral venezuelano, segundo o Tratado de Barbados, o Brasil foi alçado ao cargo de mediador entre as partes, servindo também de conselheiro para os Estados Unidos e para a Europa sobre a situação.
Mais urgente do que tudo, afirmou Amorim em sua fala ao Senado, é a apresentação das atas pelo governo venezuelano. No entanto, o assessor especial afirmou que não vai determinar um prazo para que Maduro apresente esses documentos.

“Colocar uma data fixa, um ultimato, não é produtivo […] O ultimato, se você cumpre, é um desastre e, se você não cumpre, você perde a credibilidade.”

Entretanto, após ser perguntado pelos parlamentares, Celso Amorim destacou que a apresentação das atas é essencial para o reconhecimento do governo venezuelano pelo Brasil. “O Brasil não reconhecerá um presidente que não esteja fundado nas atas.”
“Tem que lembrar um princípio do direito internacional que não há reconhecimento de governos, há reconhecimento de Estados […] Agora, creio que se não houver algum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se essas atas não aparecerem”, disse Amorim.
À Sputnik Brasil, a professora de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Fernanda Nanci destaca que essa posição brasileira realiza duas coisas ao mesmo tempo: exerce pressão ao governo venezuelano e “sinaliza que tem atuado para solucionar a crise de forma negociada”.
De fato, durante as respostas, Amorim afirmou que se encontrou com González no dia posterior ao das eleições e admitiu que o governo brasileiro mantém “contatos em nível muito alto” com María Corina Machado, líder da oposição.
Heitor Erthal, doutorando em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e pesquisador do Observatório do Regionalismo (ODR), explica que “o Brasil tem uma tradição de solução pacífica dos conflitos”.

“O Brasil é muito a favor da negociação e da diplomacia dentro de conflitos sejam eles quais forem e sempre fugiu de um papel que remete a um imperialismo. Ou seja, ele tenta não impor sua vontade aos países da região.”

Junto da Colômbia e, até recentemente, do México, países da América Latina que possuem uma proximidade ideológica com a Venezuela, os diplomatas brasileiros buscam uma solução pacífica para o impasse.
Dentre o que está sendo discutido, a proposta de um novo turno eleitoral foi a que mais chamou atenção da mídia brasileira. Enquanto Amorim estava falando aos senadores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou à mídia que o presidente venezuelano poderia “quem sabe, até convocar novas eleições”.
Um novo pleito poderia ser realizado conforme dita a legislação venezuelana, lembrou o assessor especial da presidência. “A legislação diz que a Sala Eleitoral [do Tribunal Supremo de Justiça] permite considerar [um novo turno] se ela verificar que a vontade popular não está sendo respeitada e pode anular a eleição.”
Contudo, ao Senado, Amorim ressaltou que essa solução não é a fórmula brasileira e que existem várias hipóteses em discussão. “Mas qual delas é ao mesmo tempo a mais eficaz e a mais pacífica?”, questionou o embaixador.
Nem Maduro nem a oposição consideram a possibilidade de novas eleições. E estas, de acordo com Nanci, realmente “não parecem ser o ideal”, uma vez que as acusações de falta de transparência podem ressurgir. “Além de passar por uma ideia de possível ingerência em assuntos internos.”

“Lula aventou a possibilidade de um governo de coalizão no país, que convoque a oposição, [o presidente da Colômbia, Gustavo] Petro mencionou a possibilidade de estabelecer um governo de transição. Na verdade, ainda não há alternativas fechadas.”

O mais importante, destaca Nanci, é a manutenção do diálogo entre ambas as partes e não tomar decisões precipitadas. “Celso Amorim fez um comentário interessante na CRE, onde afirmou que a impaciência não é boa conselheira.”
E esta é, de fato, a posição do Brasil frente a situação, sublinha Nanci: “A realidade da diplomacia e de um país que busca mediar uma crise desse tamanho muitas vezes impõe ter cautela e não assumir lados para manter abertos canais de diálogo.”
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Fonte: sputniknewsbrasil

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