“Fica acordado que Executivo e Legislativo ajustarão o tema da vinculação das emendas parlamentares à receita corrente líquida, de modo que elas não cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias. O relator irá, oportunamente, reexaminar o processo”, diz a nota do Supremo.
Afinal, a decisão do STF distorceu o equilíbrio que deve haver entre os Poderes ou foi legítima?
“Para quem argumenta que boa parte dos retrocessos que se mantêm se deve ao fato de estar refém do Centrão e do Parlamento, acho que o presidente Lula demonstrou que segue refém. Acho que esse é o recado que está dado diante disso que estão chamando de acordo, mas que está mais para uma espécie de encerramento do assunto, como a gente tem visto que tem sido a solução encontrada constantemente por esse governo atualmente.”
“Assim como teve em outros enfrentamentos fundamentais para um mínimo de civilidade e um mínimo de democracia que o Brasil possui”, comentou. “Foi um enfrentamento fundamental a ser feito e que traz à tona para a sociedade civil um debate que não estava sendo feito em torno dessa execução orçamentária via Poder Legislativo”, defendeu Gurgel.
“Nesse cenário, o Judiciário entendeu que estaria havendo ‘crescimento’ da função legislativa sobre o Executivo, barrando tal crescimento. Sendo assim, não é possível dizer que o STF está distorcendo o equilíbrio entre os Poderes, que vinha sendo distorcido pela atuação do Legislativo.”
“A manutenção da impositividade das emendas individuais, inclusive as ‘emendas Pix’, é uma vitória dos parlamentares que provavelmente cederam no que diz respeito às emendas de bancada e de comissão, as quais agora devem ser voltadas a projetos mais amplos, inclusive em acordo com o Executivo. […] Pode-se dizer que, com a diminuição do controle dos congressistas sobre as emendas, o STF saiu ganhando esse embate.”
“O que acontecia até 2015? O deputado fazia a emenda. O Congresso, então, enviava as emendas para o governo, o governo executava as emendas se quisesse, eram autorizativas. Depois de 2015, aprovou-se uma mudança, e as emendas passaram a ser impositivas […]”, explicou.
“É o tipo de emenda que você não sabe quem mandou, para onde foi, para que serve. Aí é um escracho. Pegar bilhões de orçamento público e mandar para um deputado, sem que ninguém saiba quem mandou, para que e para onde”, comentou.
“O STF não está proibindo a emenda de ser impositiva. Está dizendo que, enquanto não se resolve o problema da transparência, que é o problema das emendas Pix, todas as emendas estão suspensas”, opinou ele.
“O governo da Dilma [Rousseff] era fraco, o [Michel] Temer era fraco, o [Jair] Bolsonaro era fraco. E agora o Legislativo se tornou muito poderoso. Mas isso é do jogo. É a relação Executivo-Legislativo. Acho que o Supremo não tinha que se meter nisso. Agora, falta de transparência, aí sim.”
“E o Estado faz um movimento […] de reter boa parte do seu orçamento para valorar o capital desse empresariado e, também, os seus serviços assumirem uma feição cada vez mais híbrida, em que o público e o privado ficam misturados a ponto de surgir figuras excêntricas, como a própria organização social, a OS, como uma figura que está associada também a essa categoria das emendas parlamentares.”
A falta de transparência beneficia quem? Beneficia o parlamentar. Ele não tem que prestar conta, ele pode mandar para onde quiser”, explicou.
“Se tivéssemos condição de fazer uma auditoria e fiscalizar a aplicação de emendas no Brasil, sairiam cobras e lagartos. O processo de emendas gera absurdos. Por exemplo, às vezes você tem uma cidade que recebe 20 ambulâncias, e as cidades vizinhas não recebem nenhuma. Por quê? Porque a cidade x votou no deputado. Isso não é critério de distribuição de recursos da União. Tem que ter explicação, tem que dizer qual é a prioridade, tem que apresentar projeto, tem que justificar.”
“Boa parte do dinheiro de um parlamentar vai para uma organização social que geralmente nem existe e que está vinculada a esse parlamentar, que não vai encaminhar nada que envolva melhoria do serviço público propriamente”, afirmou.
Presidencialismo de coalizão em crise
“É preciso que a classe política, mas especialmente a população, comece a discutir novas formas de sistema de governo, por exemplo, o parlamentarismo, que acho importante que seja discutido de maneira a permitir essa atuação do Congresso no orçamento e nas políticas públicas, mas também responsabilizá-los, colocando o primeiro-ministro formado por maioria com responsabilidade”, completou.
Fonte: sputniknewsbrasil