O Brasil precisa investir R$ 295 bilhões até 2042 em infraestruturas de mobilidade urbana nas 15 principais regiões metropolitanas do país. Essa é a quantia necessária para equiparar a infraestrutura de transportes desses municípios ao padrão da Cidade do México e Santiago, cidades referência na oferta de transportes urbanos na América Latina. A estimativa está no estudo inédito da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Mobilidade Urbana no Brasil: marco institucional e propostas de modernização. Confira:
O caminho para que essas regiões metropolitanas brasileiras cheguem a um nível de excelência, no entanto, é longo. É preciso superar a falta de financiamento, fator apontado pelo estudo como o maior gargalo para a expansão dos transportes urbanos no Brasil. A CNI defende que sejam viabilizadas fontes de investimentos, com recursos nacionais e estrangeiros, além de participação pública e privada.
“É importante ampliar o número de Parcerias Público-Privadas em um modelo de PPP que agrupe a construção do sistema, da operação e da manutenção, em contratos de concessão de duração relativamente longas, em torno de 30 anos”, destaca o gerente-executivo de Infraestrutura da CNI, Wagner Cardoso.
“Pode-se afirmar que o país subinveste e subfinancia o transporte coletivo e inversamente privilegia e subsidia o transporte individual motorizado, inclusive na precificação dos combustíveis fósseis utilizados por automóveis e veículos individuais”, acrescenta.
De acordo com o estudo, as evidências apontam que o Brasil não apenas diverge de experiências internacionais de sucesso na mobilidade urbana sustentável, como também deteriorou sua posição de referência na América Latina. Exemplo disso é que o país aparece entre as economias com a menor parcela de veículos elétricos – somente as cidades de Santiago e Bogotá têm três vezes mais ônibus elétricos em operação que em todo território brasileiro.
Alocação dos investimentos e expansão das malhas
Dos R$ 295 bilhões estimados para a modernização da mobilidade urbana no país, R$ 271 bilhões precisariam ser destinados para expansão de linhas de metrô. Conforme destaca o estudo, esse montante equivale ao necessário para mais do que dobrar a extensão da malha vigente. Em seguida, estão os investimentos para ampliação das estruturas de rede de trens (R$ 15 bilhões) e de BRTs (R$ 9 bilhões).
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Lei de Mobilidade Urbana
O estudo aponta que 74% dos 116 municípios brasileiros com mais de 250 mil habitantes cumpriram os prazos estipulados pela Lei de Mobilidade Urbana, que estabeleceu que essas cidades elaborassem e aprovassem um Plano de Mobilidade Urbana (PMU) até abril do ano passado. A mesma lei determinou que todos os municípios com população entre 20 mil e 250 mil pessoas apresentassem um PMU até o dia 12 de abril de 2023.
Entre as 1.908 cidades nessa situação, apenas 13% atestaram – até setembro do ano passado – ter um plano de mobilidade, de forma que cerca de 87% desses municípios teriam um horizonte pequeno (até abril deste ano) para elaborar e aprovar um plano municipal e, portanto, garantir o financiamento de projetos do setor.
“É importante assegurar que municípios sem plano não recebam financiamento federal per capita superior a cidades com planejamento aprovado”, enfatiza Wagner Cardoso.
O diagnóstico referente às maiores regiões metropolitanas brasileiras é de que as cidades cresceram, foram amplamente urbanizadas, mas os transportes não acompanharam o ritmo de crescimento dessas metrópoles. Entre as recomendações estão investir em transporte coletivo e transporte individual não motorizado. As 15 regiões metropolitanas avaliadas no trabalho são: Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, Belém, Fortaleza, Natal, Salvador, João Pessoa, Maceió, Porto Alegre, Recife e Teresina.
“A urbanização não foi acompanhada por um planejamento voltado à redução das distâncias percorridas pelos cidadãos, para a qual o adensamento das cidades e a melhor distribuição de suas principais funções – moradia, trabalho, serviços e lazer – constituiriam seu alicerce”, diz o estudo.
Um dado relevante é que, em geral, as cidades com maiores níveis de renda têm maior demanda por transporte individual. Isso pode explicar por que em Curitiba 49% das viagens são feitas de carro ou moto, apesar do reconhecido sistema de BRT (Bus Rapid Transit) e de a cidade apresentar uma boa infraestrutura de transportes para os padrões brasileiros.
Por outro lado, em Salvador e Recife – que possuem uma rede de transporte público menos estruturada –, esse modal representa somente 22,1% e 16,7%, respectivamente. Já no Rio de Janeiro, a baixa participação dos transportes individuais (19,5%) pode estar associada a uma confluência de fatores ligados tanto a um menor nível de renda de amplos setores da população metropolitana, quanto à existência de uma extensa – ainda que precária – rede de transportes na metrópole.
Chama a atenção o subaproveitamento nas nossas metrópoles da bicicleta como um modal de transportes. De fato, em todas as RMs brasileiras, a participação da bicicleta oscilava entre 0,8% e 2,4%, em contraposição a cerca de 4% em Santiago, 7% em Bogotá e 13% na capital da Alemanha.
Transporte de qualidade impacta na produtividade do trabalhador
Para o setor industrial, um sistema eficiente de mobilidade urbana é relevante em múltiplos sentidos, na medida em que o tempo de deslocamento dos trabalhadores, o conforto do usuário, além dos custos diretos envolvidos no movimento casa-trabalho-casa, afeta diretamente a produtividade e os gastos associados ao transporte.
“Esse desgaste diário afeta não apenas a concentração e capacidade do funcionário, mas sua assiduidade e probabilidade de afastamento por doenças. Nesse sentido, a modernização do sistema seria essencial para melhorar a competitividade da indústria, além de estimular a cadeia produtiva voltada ao transporte público de média e alta capacidade”, pontua o estudo.
Ao longo das últimas décadas, o Brasil empreendeu importantes avanços de natureza institucional no aperfeiçoamento da mobilidade urbana, de modo que o país dispõe de um moderno ordenamento jurídico que disciplina não apenas o planejamento, mas também a execução de políticas no setor.
No entanto, uma mudança mais profunda da estrutura e organização das cidades brasileiras deve caminhar paralelamente ao desenvolvimento de um sistema de transportes capaz de encurtar o tempo de deslocamento, prover maior conforto aos usuários e integrar os diversos modais de forma a não penalizar aqueles que, por falta de alternativas, vieram forçados a residir distantes dos centros de serviços e empregos.
País priorizou transporte privado
Os dados analisados pelo estudo mostram que o preço da gasolina é um balizador da escolha modal. Nos últimos 15 anos, excluindo o período mais recente, o aumento do preço da gasolina foi inferior ao aumento das tarifas de transporte público coletivo, o que, na prática, sinaliza um barateamento relativo das viagens com transporte privado em detrimento das viagens com meios de transporte públicos.
Home office reduziu demanda
O estudo aponta também que mudanças significativas nos padrões de deslocamento urbano estão em andamento, particularmente com o aumento do trabalho sob a forma de home office e do comércio digital – processo que foi acelerado com a pandemia de Covid-19 –, e do advento do transporte por aplicativo – ainda não captado em sua magnitude por boa parte das pesquisas.
Nas duas maiores metrópoles brasileiras, por exemplo, a demanda por transportes coletivos ainda se encontra bastante abaixo ao último ano pré-pandemia: em São Paulo, as viagens de metrô e de ônibus em 2022 estão cerca de 25% abaixo dos níveis de 2019; no Rio de Janeiro, a queda da demanda por metrô é de mais de 30% e a de ônibus, da ordem de 15%.
Recomendações para a ampliação e modernização dos sistemas de mobilidade urbana
- Assegurar instrumentos mais efetivos para a modernização dos sistemas de mobilidade, com o aperfeiçoamento institucional e de governança no âmbito dos municípios, e uma lei municipal como ferramenta de efetivação dos planos de mobilidade;
- Dotar as regiões metropolitanas de estruturas de governança mais efetivas, transferindo as atribuições da gestão da mobilidade urbana para uma instituição de natureza metropolitana voltada exclusivamente à mobilidade;
- Viabilizar fontes para o financiamento de investimentos de infraestrutura de mobilidade urbana, estimados para as 15 maiores regiões metropolitanas em R$ 295 bilhões até 2042. Nesse sentido, é importante ampliar o número de Parcerias Público-Privadas em um modelo de PPP que agrupe a construção do sistema, operação e manutenção, em contratos de concessão de duração relativamente longas (em torno de 30 anos); e
- Ampliar as fontes de financiamento para investimentos em mobilidade, inclusive pela criação de “fundos de equilíbrio econômico-financeiro das operadoras de transporte coletivo”, administrados em âmbito das regiões metropolitanas e alimentando com recursos arrecadados de receitas não tarifárias diversas.
Fonte: portaldaindustria