Previsto pela Lei federal 11.738/2008 e atualizado todos os anos, o Piso Nacional do Magistério é de cumprimento obrigatório por todos os entes federados. A lei, entretanto, não prevê uma punição específica para os gestores que não seguirem a determinação, fato que incentiva um sem-número de desculpas para seu inadimplemento total ou parcial, especialmente por prefeitos de pequenos municípios.
Para sanar definitivamente essa questão, a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL) apresentou na Câmara, em 7/3, o Projeto de Lei 961/2023, que acrescenta dois incisos à Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), tipificando taxativamente como ato de improbidade o descumprimento de normas que regulamentam o piso salarial profissional de qualquer categoria, especialmente o do magistério.
“Nós recebemos quase 3 mil denúncias de cidades e Estados que não cumprem a lei do piso”, afirmou a congressista durante audiência pública virtual realizada em conjunto com o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) em 9/3, no ambiente virtual da Alesp. Luciene destacou que a Lei do Piso não trata apenas do pagamento mínimo – que deve repercutir por todos os níveis da carreira -, mas também da jornada do magistério, que deve reservar um terço da carga horária para atividades extra-classe (formação e planejamento).
Luciene frisou ainda que o valor do piso – atualmente de R$ 4.420,55 – não é arbitrário. Ele é estipulado com base na arrecadação e no número de alunos matriculados. “O dinheiro repassado pelo Fundeb aos municípios e aos Estados é suficiente para pagar o piso, então, quando o prefeito ou o governador não o faz, ou o faz através dos abonos para evitar a incorporação na carreira, ele está recebendo esse dinheiro carimbado e o utilizando para fazer outras coisas”, acusou.
Por fim, Luciene lembrou o caso das professoras de educação infantil que são classificadas por muitos municípios como pagens, auxiliares de classe, monitoras etc. “O não enquadramento dessas professoras é outro instrumento de burla à legislação porque, para o governo federal, os repasses relativos àquelas crianças são calculados contando-se um valor de um professor em cada classe”, salientou.
Perda de cargo e inabilitação
Uma regra jurídica sem sanção seria uma contradição em si, “um fogo que não queima, uma luz que não ilumina”, ensinou o jurista alemão Rudolf von Ihering (1818-1892). Não é o caso da Lei do Piso. Conforme o advogado André Faria, da equipe jurídica do gabinete de Giannazi, está em vigor o Decreto-Lei 201/1967, que trata dos crimes de responsabilidade dos prefeitos. Recepcionado pela Constituição de 1988, o diploma define como crime o ato de negar execução a lei federal, a ser julgado pelo Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores, com punição de perda de cargo, inabilitação para o exercício de cargo ou função pública pelo prazo de cinco anos, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.
Além dessa responsabilização criminal, que pode ser promovida mediante provocação do Ministério Público, o gestor também está sujeito ao julgamento da Câmara Municipal e, principalmente, dos Tribunais de Contas, cujas manifestações até o momento foram todas a favor da obrigatoriedade do pagamento do piso. Por isso, Faria considera importante reunir o maior número possível de informações dos municípios paulistas para que o mandato faça uma representação bem fundamentada ao Tribunal de Contas do Estado esperando que a corte siga o exemplo dos TCEs de Santa Catarina, Paraná e Piauí e passe a orientar os municípios ao cumprimento integral da lei do piso.
Ação política
Para Carlos Giannazi, a ação política é primordial neste momento, uma vez que a obrigação dos prefeitos já está suficientemente clara do ponto de vista jurídico e também não há desculpas do ponto de vista econômico, já que nova lei do Fundeb de 2020 aumentou a participação da União no fundo, que também é formado por recursos de Estados e municípios. Assim, os recursos federais passaram dos 10% originais (vigentes de 2008 a 2020) para 12% em 2021, 15% em 2022 e 17% em 2023, 19% em 2024, 21% em 2025, até alcançar 23% em 2026.
“O prefeito tem que abrir as contas para vocês. Ele tem que colocar na educação 25% do Orçamento municipal, ou do que constar na Lei Orgânica, mais o repasse dos recursos do Fundeb. Caso não seja possível o pagamento do piso, aí ele tem que pedir para o MEC para suplementar os recursos, o que está previsto na lei”, explicou Giannazi, salientando que a participação dos professores no Conselho do Fundeb e no Conselho Municipal de Educação de cada cidade é muito importante para cobrar transparência e fiscalizar os recursos.
Mais de dez professores participaram da audiência, entre eles Jean Carlos Valente, da cidade de Elisário (região de São José do Rio Preto), onde também é vereador. Ele contou que para fazer com que o piso fosse minimamente respeitado no município, teve de acionar o Ministério Público (6ª Promotoria de Justiça da comarca de Catanduva). O prefeito, então, editou um decreto e passou a pagar o piso apenas aos professores em início de carreira, na forma de abono complementar, sem respeitar a tabela de escalonamento prevista no plano de carreira. Logicamente insatisfeito com a solução apresentada, Valente voltou ao MP, mas sua segunda representação foi indeferida. Agora ele recorreu ao Conselho Superior do Ministério Público e também ao Tribunal de Contas do Estado, e ainda aguarda resposta de ambos os órgãos.
De Jardinópolis, vizinha a Ribeirão Preto, os professores Amarildo e Daiane relataram que, dos cerca de 400 docentes da rede municipal, a metade entrou na Justiça para que o Piso de 2021 fosse cumprido e ganhou a causa, elevando o valor da hora-aula de R$ 10 para R$ 14. Em 2022, o reajuste do piso de 33% não foi aplicado, apenas a inflação do ano, o que fez com que o valor da hora-aula chegasse a R$ 16. Com relação aos 15% deste ano, a prefeitura nem abriu diálogo, apesar de os repasses do Fundeb terem sido reajustados. “O prefeito não paga porque não quer. Todo ano sobra dinheiro. No ano passado, ele disse que o teto para o gasto com pessoal estava estourando, em 51%. Fomos ver, e a folha de pagamento estava em 45%. Se fossem dados os 33%, o impacto seria de menos de 3%”, relatou Amarildo
Abaixo-assinado e denúncias
O assessor parlamentar Vítor Guerreiro apresentou parte do dossiê que está sendo elaborado para apresentação aos Tribunais de Contas. Com base no formulário aberto para que os professores possam enviar suas denúncias, junto com o abaixo-assinado eletrônico para o pagamento do piso (carlosgiannazi.com.br/piso-do-magisterio/), já foi apurado o descumprimento do piso em 322 cidades de 14 Estados.
“Nossos focos agora, pela Assembleia Legislativa, são o Tribunal de Contas e Ministério Público de São Paulo. Na Câmara dos Deputados, a professora Luciane Cavalcante vai acionar o Tribunal de Contas da União e também a PGR (Procuradoria-Geral da República), porque há o envolvimento de dinheiro federal e de leis federais. Mas as mobilizações também são muito importantes e devem ser feitas em cada cidade. No ano que vem tem eleição para prefeito e para vereador, então é importante que vocês pressionem os candidatos e também que vocês lancem candidaturas. Temos que ocupar esses espaços nas câmaras municipais, sendo vereadoras e vereadores da educação. Professor elege professor!”, conclamou Giannazi.
Também participaram com depoimentos os professores Ana Carina, de Salesópolis; Lucila, de Vargem Grande do Sul; Marcelo e Rafael, de Carapicuíba; Iara Costa, de Bauru; Ana Paula, de Paraguaçu Paulista; Tarles Regina, de Assis; Daniela Magro, de Severínia; Lídia Souza, de Casa Branca; e André, de Fartura.
Fonte: al.sp.gov