Ela fez o ensino médio em escola pública com processo seletivo e prestou vestibular por quatro anos seguidos até conseguir a aprovação em um dos cursos mais disputados do País. Já na graduação, vinha se envolvendo em grupos de pesquisa da instituição.
Moradora da região do Ipiranga, na zona sul da capital paulista, Alicia cursou o ensino médio na Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas. Para ingressar no colégio, teve que passar por um vestibulinho, como costuma ser exigido pelas escolas técnicas de São Paulo.
Concluiu o ensino médio em 2014, quando passou a prestar o vestibular da Fuvest, que seleciona os alunos para os cursos da USP. Foram quatro anos de tentativas e três anos de estudo em cursinho pré-vestibular até que, em 2018, a aprovação veio na segunda chamada.
O curso de Medicina da USP da capital é o mais concorrido da universidade. No ano em que Alicia foi admitida, foram 135 candidatos para cada uma das 125 vagas abertas. Para entrar na melhor instituição de ensino do País, a jovem teve que superar mais de 16 mil concorrentes.
Carreira
No dia da matrícula, ela disse em entrevista ao Jornal da USP que pretendia seguir carreira como cirurgiã, mas sua trajetória acadêmica dos últimos cinco anos de graduação apontam caminho diferente.
Ela vinha participando de pesquisas no Laboratório de Emergências Clínicas e atuou como voluntária em uma força-tarefa de pesquisadores durante a pandemia de covid-19.
Na ocasião, com os professores e pesquisadores mais experientes da universidade envolvidos nas atividades de assistência e pesquisa relacionadas à emergência sanitária, alguns estudantes se ofereceram para fazer parte do trabalho mais operacional dos estudos – coletar dados dos prontuários de pacientes internados e passarem as informações para planilhas estruturadas para posterior análise epidemiológica e estatística.
Por causa do trabalho no laboratório e na força-tarefa de pesquisa, Alicia aparece como uma das autoras de pelo menos seis trabalhos científicos, entre artigos e capítulos de livros.
O único episódio mais próximo de um conflito protagonizado por Alicia na universidade aconteceu quando, durante uma das disciplinas de estágio, a estudante teria “passado na frente” de estudantes veteranos no aprendizado e prática de procedimentos médicos, como a inserção de um tubo traqueal em pacientes. De acordo com alguns estudantes, o caso gerou desentendimento pontual.
Aluna ‘normal’
A conduta dedicada e participativa em atividades acadêmicas e sociais da faculdade fez com que outros alunos não desconfiassem de nenhuma irregularidade cometida por Alicia como presidente da comissão de formatura da turma 106.
O suposto desvio dos R$ 927 mil da verba para a festa começou em 2021, quando a jovem solicitou a transferência da quantia da empresa contratada para fazer a arrecadação para sua conta pessoal. Mas a estudante seguiu frequentando as aulas e demais compromissos universitários até a semana passada, quando o caso veio à tona e ela se isolou.
“A nossa impressão dela era de aluna normal. Desconheço qualquer problema que ela tivesse. Na formação da comissão (de formatura) não haviam outros interessados em ocupar o cargo da presidência e ela se dispôs”, conta um dos membros do grupo, que não quer ser identificado.
Outro estudante descreveu o momento em que todos os 110 alunos participantes do rateio da formatura foram comunicados sobre o sumiço do dinheiro, na última sexta-feira. “Os eventos parecem de filme. Sempre vou lembrar do estarrecimento de todos os alunos presentes no teatro da faculdade quando o comunicado da comissão foi lido”, disse.
Ele conta que a turma chegou a cogitar atrasar a formatura, prevista para janeiro de 2024, para possibilitar que os alunos comecem a trabalhar e arrecadem fundos para uma nova festa.
Alicia é investigada pela Polícia Civil por apropriação indébita do valor. Ela alega ter aplicado o dinheiro em uma corretora que sumiu com a quantia. A estudante é alvo de outro inquérito por suspeita de lavagem de dinheiro e estelionato após ter dado um suposto golpe em uma lotérica. A reportagem tentou contato com Alicia, mas não obteve resposta.
Comissão pode adotar medidas de prevenção, apontam especialistas
Bruno Boris, advogado e professor de Direito da Empresa e do Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, destaca que não sabe como foi montada a estrutura da comissão dos estudantes, porém, destacou o fato de a aluna ter supostamente movimentado sozinha uma grande quantidade de dinheiro. “No banco, é só você colocar que é obrigatório movimentar a conta com duas assinaturas”, diz.
Também professor do Mackenzie, de Direito do Consumidor e Inovação, o advogado Brunno Giancoli avalia que, se a estudante tiver de fato feito um investimento com o dinheiro da formatura, a atitude é “inadmissível”. “Porque ela pegar aquele dinheiro e investir, ainda que seja com a melhor das intenções, precisava de autorização de todos os alunos.”
Para haver imputação penal, seja por estelionato ou apropriação indébita, é preciso que o Ministério Público decida fazer a denúncia contra a suspeita. Em paralelo, afirma Giancoli, muitas vezes os estudantes buscam uma ação indenizatória, de perdas e danos. A chave para evitar esse tipo de situação, orienta o especialista, é “prevenção e acompanhamento”, contando com um contrato bem formatado, uma conta conjunta bem definida e transparência nas movimentações.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.