Via @consultor_juridico | A tese da legítima defesa da honra, ainda usada por acusados de feminicídio, não é, tecnicamente, legítima defesa. Portanto, não exclui a ilicitude do ato. Além disso, tal argumento viola os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero, estimulando a violência contra mulheres.
Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta terça-feira (1º/8), por unanimidade, que é inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio, tanto na fase processual quanto pré-processual, bem como perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
O Supremo já havia formado maioria contra a tese em junho. Na sessão desta terça-feira, o julgamento foi finalizado e os ministros acompanharam uma alteração proposta por Dias Toffoli, relator do caso.
Toffoli incluiu em seu voto trecho segundo o qual não fere a soberania do Tribunal do Júri o provimento de apelação contra absolvições fundadas na tese da legítima defesa da honra.
Votaram na tarde desta terça as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, presidente do STF. Para Cármen, a tese da legítima defesa da honra admite como aceitável que se mate mulheres, sem que os agressores sejam punidos.
“É preciso que isso seja extirpado inteiramente. Mais que uma questão de constitucionalidade, que tem como base a dignidade humana, estamos falando de dignidade no sentido próprio, subjetivo e concreto de uma sociedade que ainda hoje é sexista, machista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são: mulheres donas de suas vidas”, disse a ministra.
Para Cármen, é um bom momento para que o Judiciário retire do cenário jurídico a “possibilidade de se ter como aceita a morte provocada por um homem, sem pena alguma [a ele imposta]”.
“A jurisprudência há de se fazer coerente com o tempo em que vivemos. Um tempo de dignidade humana descrita constitucionalmente, mas de indignidades desumanas que prevalecem, especialmente contra alguns grupos”.
Segunda a votar nesta terça-feira, a ministra Rosa Weber afirmou que a tese da legítima defesa da honra traduz expressão de uma sociedade “patriarcal, arcaica e autoritária”.
“Não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso por causa de uma ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina.”
“Atualmente, sob a égide da ordem constitucional de 1988, a sociedade brasileira comprometida com o princípio da dignidade da pessoa humana e com o repúdio à violência e à todas as formas de discriminação, já não mais tolera que nenhuma pessoa seja privada do direito à vida”, concluiu.
ADPF
A decisão foi tomada na ADPF 779, ajuizada pelo PDT. Na ação, a legenda pede para que seja afastando o entendimento da legitima defesa da honra e que se dê interpretação conforme a Constituição ao artigo 483, III, § 2º, do Código de Processo Penal.
Ao votar em junho, Toffoli afirmou que a tese não se enquadra na legítima defesa estabelecida pelo artigo 25 do Código Penal: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
O relator destacou que quem usa violência contra a mulher para reprimir um adultério não está protegido por essa excludente de ilicitude. Afinal, essa pessoa não está se defendendo de uma agressão injusta, mas atacando uma mulher “de forma desproporcional, covarde e criminosa”.
Ele também ressaltou que a honra é um atributo personalíssimo, que não pode ser abalada em virtude de ato atribuído a terceiro. Quem tiver sua honra lesada pode buscar compensação por outros meios, como ações cíveis, disse Toffoli.
“A legítima defesa da honra é recurso retórico odioso, desumano e cruel, usado por acusados de feminicídio para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no país”, disse.
- ADPF 779
Por Tiago Angelo
Fonte: @consultor_juridico