Primeiro submarino nuclear do Brasil deve provocar mudanças em cadeia no país, afirma pesquisador


Segundo ele, é importante que o governo brasileiro invista em tais embarcações, não se limitando à que se iniciou em outubro de 2023.
Para o doutorando em relações internacionais na Universidade de São Petersburgo, o país, como líder regional com aspirações globais, deve considerar produzir outras estruturas, por meio da capacitação tecnológica adquirida com a construção do primeiro submarino nuclear.
A visão do pesquisador vai além do aspecto militar, considerando também a possível aplicação civil. “Será necessário também docas especializadas para esse tipo de submarino e é possível, sim, que aconteça aplicação dessa tecnologia para outros modelos de embarcação, outros setores militares ou até mesmo outros setores econômicos.”

“Elas podem ser utilizadas por outras áreas industriais que podem gerar vantagens competitivas para a economia brasileira no geral. O setor militar em si, pelos empregos e capacitação tecnológica, também já se solidariza nesse quesito.”

Quando vai ficar pronto o submarino nuclear brasileiro?

A primeira etapa de construção ainda faz parte da fase de testes — a Itaguaí Construções Navais deverá confeccionar segmento de cem toneladas. Caso a competência técnica da empresa seja comprovada por engenheiros, técnicos e operários, a produção se inicia, com previsão inicial de término em 2029.
O projeto começou em 1979 e a embarcação foi batizada de Álvaro Alberto, em homenagem ao ex-vice-almirante da Marinha e cientista brasileiro que faleceu em 1976. Ele foi professor de química e explosivos da Escola Naval e defendia que o desenvolvimento científico e tecnológico estava ligado à prosperidade do país.
© Foto / Marinha do Brasil – DivulgaçãoEspecificações do submarino nuclear brasileiro

Especificações do submarino nuclear brasileiro - Sputnik Brasil, 1920, 12.12.2023

Especificações do submarino nuclear brasileiro

Como funciona um navio nuclear?

Submarinos nucleares empregam uso de reatores nucleares que geram eletricidade aos motores elétricos. O calor do reator também pode ser utilizado para produzir vapor e movimentar turbinas.
A embarcação produzida em território brasileiro desde 4 de outubro, primeira das Forças Armadas, deverá usar propulsão nuclear — que gera energia pela quebra de núcleos atômicos e dispensa o oxigênio necessário para a queima do diesel.
De Paula explica que isso traz vantagem de operar por períodos mais longos sem necessidade frequente de reabastecimento de combustível. Além disso, ocupam menos espaço para armazenamento, conferindo vantagens táticas e estratégicas.

“É muito mais difícil você rastrear um submarino nuclear que passa meses submergido do que um submarino comercial que necessita atracar constantemente para se abastecer”, exemplifica.

Entretanto, de Paula ressalta que para haver expansão de tais tecnologias em território brasileiro, é necessário investimento e paciência, devido à complexidade tecnológica envolvida. “Não vai ser uma expansão rápida. Um segmento com uma tecnologia muito sensível é custoso. Cientificamente também, é um caminho a ser trilhado para as instituições brasileiras.”
“Há essa necessidade de uma paciência estratégica no desenvolvimento dessa tecnologia, uma perspectiva de domínio do ciclo produtivo, que vai desde a extração dos materiais, matéria-prima, até a formação de materiais avançados tecnologicamente.”
Por exemplo, o casco do navio deve ser revestido de material resistente, já que as pressões impõem uma tensão muito forte, e que traga um grau de “invisibilidade“, para dificultar a detecção, “já que é uma nave de guerra, uma belonave”.
“Além disso, tem a questão dos torpedos, armamentos submarinos, sistemas de comunicação, a questão eletrônica. Tudo é uma cadeia produtiva muito intensa em tecnologia, muito intensa em mão de obra, que requer muito investimento, então há essa necessidade de uma paciência estratégica para o desenvolvimento disso.”
Vale ressaltar que no cenário internacional, segundo o pesquisador Pérsio Glória de Paula, poucos países têm capacidade de produzir submarinos de propulsão nuclear.
Ele menciona Rússia, EUA, Reino Unido, França, China e Índia como membros desse “clube seleto”, observando que o Brasil e a Austrália estão em processo de adesão. “É uma conotação das capacidades da projeção do país como uma potência.”
O entendimento é que o Brasil, ao apostar na construção de embarcações nucleares diversificadas, não apenas fortalecerá suas capacidades militares, mas também consolidará sua presença no cenário internacional como uma potência capaz de liderar inovações no campo da propulsão nuclear para embarcações, o que ainda não é.

Por que o Brasil não pode produzir armas nucleares?

Segundo o artigo 21 da Constituição Federal, “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”. Além disso, no mundo, apenas cinco países têm o direito de ter armas nucleares, conforme o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), de 1970: EUA, Rússia, Reino Unido, França e China.
Desta forma, em meio a esforços para consolidar sua presença no campo naval nuclear, o Brasil se depara com limitações impostas pelo tratado de não proliferação nuclear, do qual é signatário, diz Pérsio.
O tratado proíbe explicitamente a fabricação de armamentos nucleares, incluindo as chamadas “bombas sujas” que podem ser produzidas a partir de rejeitos da geração de energia nuclear.

“Essa é uma tecnologia utilizada para a propulsão de navios ou geração de energia e poderia ser aplicada para outros projetos de embarcação. Atualmente, por exemplo, países possuem projetos para utilização de propulsão nuclear para a exploração espacial, como por exemplo o projeto Zeus da Roscosmos, agência espacial russa”, diz Pérsio.

O professor explica que, embora o país não possa utilizar essa tecnologia para fins militares nucleares, há vasto leque de aplicações civis e estratégicas que podem ser exploradas, como geração energética.
“Possuímos diversas aplicações estratégicas, científicas, militares e civis para a tecnologia nuclear. O domínio dessas capacidades e do ciclo produtivo associado tem um potencial estratégico significativo para o país.”

Vantagens do Brasil fazer parte do BRICS

Vale ressaltar a relevância da cooperação no âmbito do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e as possíveis vantagens e desafios dessa parceria.
“Acho que essa cooperação dos BRICS seria muito interessante para o Brasil, seriam iniciativas pela diversificação e possibilidade de desenvolvimento em âmbito global, em vez de uma ênfase somente em um dos polos de poder”, diz o pesquisador da Escola Naval.
Além do investimento chinês em um grande projeto de porta-contêineres movidos a energia nuclear, Rússia e Índia detêm expertise nessa tecnologia. “Esses países têm experiência em programas de cooperação militar internacional nesse âmbito.”

“No entanto, também há obstáculos por se tratar de um setor sensível. A construção de mecanismos, instituições e confiança para esse tipo de cooperação leva tempo, não é algo que dá para se criar da noite para o dia.”

De Paula acredita que a cooperação dentro do bloco é uma perspectiva interessante para o Brasil, por meio de menos restrições em políticas de transferência de tecnologia sensível. “Seria interessante para o Brasil cooperar com esses países, que são potências emergentes e possuem autonomia tecnológica.”

“Por mais que seja custoso, diria que é um desenvolvimento muito positivo ao Brasil no geral, para a economia e posicionamento internacional brasileiro, porque é um tipo de tecnologia que poucos países têm capacidade, e o Brasil está se inserindo em um clube seleto.”

O pesquisador destaca necessidade de processo demorado e articulação de longo prazo para superar obstáculos e estabelecer bons contatos, já que parcerias internacionais brasileiras nesse setor são tradicionalmente orientadas para países ocidentais.
Por fim, o especialista comenta desdobramentos internacionais, incluindo projetos russos na aplicação espacial e o desenvolvimento de reatores em miniatura. “São desdobramentos que requerem planejamento e paciência, mas que vão ter resultados muito positivos para o país como um todo.”

Fonte: sputniknewsbrasil

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