‘O momento é agora’: para analistas, pressão econômica cria bases para a liberação dos jogos de azar


Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na semana passada, o Projeto de Lei nº 2.234/2022, que autoriza a exploração de jogos de azar em todo o Brasil, tornou-se a grande aposta para trazer equilíbrio para as contas públicas.
A expectativa é de que a aprovação do projeto injete nos cofres públicos uma arrecadação anual de R$ 22 bilhões, com investimentos de R$ 100 bilhões, fomentando o crescimento social e econômico, além de estimular o fluxo de turistas.
O texto da proposta aprovada pela CCJ traça diretrizes para o funcionamento de cassinos e bingos no Brasil, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalos. A matéria vem na esteira de outros temas polêmicos, como aborto e porte de drogas, tratados pelo Legislativo nos últimos meses, e a aprovação do texto foi apertada, com um placar de 14 votos a 12.
Por conta da divisão que o tema causa, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e líderes partidários da Casa decidiram que o texto não seguirá imediatamente para votação no Plenário, mas será debatido com mais cautela em uma sessão especial da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já afirmou que não pretende vetar a proposta, caso seja aprovada pelo Congresso.

“Eu não sou favorável a jogo não, mas também não acho crime”, disse Lula em entrevista recente.

Apoiadores da proposta veem momento oportuno para a legalização

Favorável ao projeto de lei, o deputado federal Bacelar (PV-BA) votou a favor da matéria quando foi analisada pela Câmara em 2022. Em entrevista à Sputnik Brasil, ele afirma que a regulamentação da atividade tem potencial para “gerar cerca de 700 mil empregos diretos e indiretos, dinamizando setores como hotelaria, gastronomia, entretenimento e serviços”, além de gerar recursos “que podem ser destinados a áreas prioritárias como saúde, educação e segurança pública”.
“Em paralelo, a regulamentação ajudará a combater a clandestinidade e a lavagem de dinheiro, trazendo maior segurança e transparência para a atividade. O verdadeiro desafio do Poder Legislativo é a criação e o estabelecimento de leis e regulamentos que permitam aos cidadãos exercerem seu desejo de jogar sob os olhos atentos de regras claramente definidas pelo Estado e sua efetiva aplicação”, diz o deputado.
Bacelar sublinha que a discussão em torno da legalização dos jogos e apostas é antiga e já gerou amplos debates em comissões e audiências públicas. Porém, ele afirma que a aprovação na CCJ “é um claro indicativo de que já existe um entendimento robusto sobre a questão”.

“É crucial votar logo este projeto em Plenário, pois a regulamentação dos jogos tem o potencial de trazer inúmeros benefícios econômicos e sociais para o país. Com um projeto de lei bem estruturado, que inclui mecanismos rigorosos de fiscalização e proteção ao consumidor, podemos avançar de forma segura. Portanto, o momento é agora. Precisamos aproveitar o trabalho já realizado e avançar com a votação em Plenário para começar a colher os benefícios dessa importante medida.”

André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), também considera o momento oportuno para a legalização dos jogos de azar no Brasil.
Ele argumenta que “os jogos de azar são tão antigos quanto o Brasil e, há séculos, vistos com maus olhos pelos políticos mais conservadores e setores religiosos”. E destaca que a decisão de Eurico Gaspar Dutra de proibir a prática em 1946 levou “milhares de pessoas a perderem seus empregos, gerando um impacto negativo na economia, visto que o governo abdicou de uma fonte significativa de receita”.

“Nas décadas de 60 e 90, o governo tentou legalizar e regulamentar os jogos de azar e as apostas no Brasil, mas sem sucesso. Agora, tendo em vista a pressão econômica a que o governo está exposto e sua busca por novas fontes de receita, a legalização de todos os jogos de azar está sendo cogitada mais uma vez. E tudo indica que ela pode ser regulamentada oficialmente, como as apostas esportivas e iGaming, em um futuro próximo.”

Por sua vez, Fabiano Jantalia, sócio-fundador do escritório Jantalia Advogados e especialista em direito de jogos, destaca que o que está em discussão no Congresso não é apenas “pegar uma coisa que é ilegal e tornar ela legal”, mas a criação de um marco regulatório, “com a instituição de regras bem definidas, de acesso, de permanência e de saída ou expulsão de agentes desse mercado”.
“Um marco regulatório que contemple também um conjunto de regras que dê proteção aos apostadores, que dê garantia de jogo responsável, de prevenção à lavagem de dinheiro e todo esse conjunto de regras que um setor como esse precisa para operar bem.”
Quanto às críticas relativas ao incentivo ao vício ou à criminalidade, Jantalia afirma que a experiência internacional mostra que são questões razoavelmente bem endereçadas quando se tem uma política de jogo responsável e fiscalização do Estado. Ele destaca que o balanço de forças “parece apontar muito mais na direção de os benefícios superarem os malefícios, e que isso talvez seja a convicção que está prevalecendo até agora no Congresso”.
“Nós precisamos ver o fato de que grandes centros como Las Vegas, Reino Unido, por exemplo, têm uma atividade pujante de jogos e nem por isso têm uma taxa de criminalidade ou índice de criminalidade mais elevadas do que outros locais onde o jogo não está estabelecido.”

Jogos de azar podem beneficiar o crime organizado ou induzir ao vício?

Uma das principais críticas à liberação dos jogos de azar é o risco de a atividade se tornar um nicho explorado pelo crime organizado. Questionado se há formas de impedir que isso aconteça, Gelfi diz que é possível, “com uma regulamentação forte do setor, que crie regras claras que devem ser seguidas por operadores, assegurando, entre outras coisas, a transparência dos mecanismos de combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro”.
“A regulamentação é a forma mais efetiva para mitigar externalidades e gerar desenvolvimento econômico e social.”
Ele acrescenta que a autorização da atividade pode trazer para a sociedade “benefícios comuns a todo setor retirado da ilegalidade: a criação de diretrizes e regras de funcionamento, o recolhimento de impostos, a criação de empregos, a fiscalização dos órgãos públicos e a proteção da sociedade”.
“Mas vai muito além disso, porque a possível legalização desses jogos de azar também vai trazer discussões importantes à tona sobre as práticas de jogo responsável, saúde mental, tecnologia e inovação para o setor, assim como já acontece em outros países onde a prática é legalizada”, afirma Gelfi.
Por sua vez, Fabiano Jantalia afirma que é justamente a falta de um marco regulatório para o setor, que faz com que “quem eventualmente queira explorar esses jogos hoje esteja ou permaneça na clandestinidade”.
Ele afirma que a proposta em discussão “traz avanços importantes na medida em que estabelece bases para o jogo responsável, definindo, por exemplo, a necessidade de que o apostador seja previamente informado acerca dos riscos, acerca da ludopatia [vício em jogos]”.
“Para que o apostador disponha da possibilidade de períodos de pausa, de autoexclusão, que são mecanismos internacionalmente conhecidos de prevenção ao vício, à ludopatia e, portanto, também de jogo responsável. Então, acho que com a aprovação da lei, nós daríamos um passo decisivo nessa direção.”

Como garantir o jogo do bicho legal no Rio, onde a atividade é nicho de contraventores?

No caso do jogo do bicho, o projeto de lei determina que em cada estado e no Distrito Federal poderá ser credenciada para explorar o jogo do bicho uma pessoa jurídica a cada 700 mil habitantes. Pessoas jurídicas poderão ser autorizadas a explorar o jogo do bicho por 25 anos, renováveis por igual período. Para pleitear a autorização, precisarão comprovar capital social mínimo integralizado de R$ 10 milhões.
Questionado como garantir que essas regras sejam cumpridas em locais como o Rio de Janeiro, berço do jogo do bicho, onde a atividade é gerida por contraventores, Jantalia afirma que a única maneira é por meio de “um aparato de fiscalização eficiente e um aparato policial que dê conta também do apoio a essa ação de fiscalização”.

“Porque de nada adianta a gente legalizar ou estabelecer um marco regulatório para determinadas modalidades de jogo e continuarmos com a prática de jogo clandestino. É preciso inclusive deixar claro que, se por um lado esse projeto de lei abre a possibilidade de explorar licitamente os jogos, por outro ele eleva o nível de exigência e de punição quando transforma praticamente de contravenção a crime a exploração não autorizada de jogos, cassino, bingo.”

Projeto pode ser a solução para fechar as contas públicas?

Para Bacelar, “embora a legalização dos jogos de apostas não seja a única solução para fechar as contas públicas, ela certamente pode ser uma parte importante da estratégia de arrecadação do governo”.
“A expectativa é que a regulamentação traga uma nova fonte de receita significativa, ajudando a reduzir o déficit fiscal e a financiar políticas públicas essenciais. No entanto, é crucial que essa medida seja acompanhada de outras reformas estruturais e de uma gestão eficiente dos recursos arrecadados. A diversificação das fontes de receita é sempre positiva para a economia do país, e a legalização dos jogos pode contribuir de maneira relevante para esse objetivo, desde que feita de forma responsável e transparente.”
Gelfi também avalia que a legalização e a consequente arrecadação de impostos com os jogos de azar por si só não serão capazes de fechar as contas públicas.

“Porém, é inegável a importância dessa fonte de receita para que a União custeie serviços e programas importantes para o país. O relator do PL [projeto de lei] 2234/2022, deputado Irajá Silvestre [PSD-TO], afirmou que a arrecadação potencial com os jogos de azar pode atingir os R$ 22 bilhões por ano, criando 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos em estados e municípios.”

Já Fabiano Jantalia enfatiza que o propósito fundamental do projeto de lei “nunca foi o de fechar as contas públicas ou suprir lacunas fiscais”, mas sim trazer para o Brasil os benefícios sociais e a renda que é levada para outros países onde o jogo é legalizado.
“O que sempre determinou o avanço disso foi o reconhecimento de que o jogo é uma realidade e que, portanto, era preciso garantir a proteção para os jogadores e garantir que houvesse geração de emprego e renda para o nosso país. Porque o que estava acontecendo antes era o fato de as pessoas irem jogar on-line ou fisicamente em outros países onde há o desenvolvimento do turismo por força da questão do jogo, e nós não termos esse mesmo tipo de benefício, esse tipo de efeito econômico positivo.”
Ele acrescenta que “quando se fala em marco regulatório de jogos, a questão fiscal talvez seja uma questão secundária”.
“O mais importante é estruturar o funcionamento de um setor para gerar emprego e renda, desenvolvimento econômico e proteção, principalmente aos jogadores e aos consumidores. Mas é óbvio que trará uma arrecadação fiscal importante que precisa ser considerada”, conclui o advogado.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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