Em carta divulgada na edição de janeiro da revista Science, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) alerta para consequências não intencionais de projeto de lei que está em fase final de consideração na União Europeia (UE). A legislação proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento da Amazônia, mas abre brechas para estimular o desgaste de outros biomas de igual importância na região.
“É importante que a Europa tome medidas como essa, mas precisa haver uma discussão mais ampla, envolvendo outros biomas, de forma que as medidas para proteger a Amazônia não estimule a degradação de outros biomas”, explica o professor Domingos Rodrigues, do Instituto de Ciências Naturais, Humanas e Sociais (ICNHS) do Câmpus de Sinop e do Observatório Brasileiro de Biodiversidade (OBB), que assina a carta.
Entre os argumentos apresentados, o texto levanta a possibilidade das produções que agridem a Amazônia hoje simplesmente se mudarem para regiões próximas, que não são afetadas pela lei, como o Cerrado.
“(…) mais de 46% da terra na região foi coberta por pasto (6, 7), e fontes de água locais foram esgotadas. Se o agronegócio se mudar para o Cerrado, eles transformariam mais terra em agricultura e pasto, aumentando a perda de vegetação (3-5)”, afirma o documento, e conclui: “Causando, indiretamente, mais degradação do solo no Cerrado, a lei pode perturbar as dinâmicas atmosféricas que dão suporte para a biodiversidade na Amazônia. Para proteger outros ecossistemas e o espectro completo de necessidades de florestas, a UE deveria expandir sua política”.
A carta foi publicada junto de outros três textos sobre o assunto, de pesquisadores diferentes.
A edição completa da revista está disponível na internet.
Confira a íntegra da carta
Custos escondidos da política europeia de desmatamento
A União Europeia (UE) planeja implementar uma lei que limitaria a importação de produtos que sabidamente estimulam o desmatamento (1), incluindo produtos brasileiros originários de áreas de desflorestamento na Amazônia. O objetivo da lei de remover incentivos que levam à degradação das florestas é louvável, dada a taxa de desmatamento (2). Contudo, ao focar apenas em florestas, a lei está potencialmente colocando outros ecossistemas em um risco maior, bem como negligenciando a dependência que a floresta tem das regiões adjacentes. Para prevenir consequências indesejadas, a UE deveria expandir a lei para incluir ecossistemas além das florestas.
Em resposta à lei, o agronegócio na Amazônia vai provavelmente procurar por um caminho para continuar exportando seus produtos para a UE. Uma estratégia poderia ser mover suas operações para regiões próximas que não são florestas de forma primária, como o Cerrado. Locado adjacente à Amazônia, o Cerrado alcança mais de 2 milhões de quilômetros quadrados e é a Savana mais diversa do planeta (6). Entretanto, mas de 46% da terra na região foi convertida em pasto (6, 7), e fontes locais de água foram esgotadas (8). Se o agronegócio se mudar para o Cerrado, eles converteriam mais terra para a agricultura ou pasto, aumentando a perda de vegetação (3-5). As faltas de água e energia resultantes (5, 6, 8) afetariam todos na região, incluindo o agronegócio (9), e potencialmente perturbando a cadeia de produção do Cerrado, que inclui nozes e pequi (10).
Além de prover a necessária proteção a ecossistemas além das florestas, expandir a lei da UE poderia fornecer uma proteção melhor para estas. A Amazônia e o Cerrado interagem através da circulação atmosférica de água (10, 11). Ao causar mais degradação da terra no Cerrado indiretamente, a lei poderia atrapalhar a dinâmica atmosférica que dá suporte para a biodiversidade na Amazônia. Para proteger outros ecossistemas e todo o espectro de necessidades das florestas, a UE deve expandir sua política assim que possível, e a legislação em todo o globo deve almejar a proteção de todo tipo de ecossistema vulnerável.
Fonte: ufmt