Alguns movimentos — que não fazem parte da rotina da indústria automobilística no Brasil — chamaram a atenção nos últimos dias. Um deles foi a iniciativa de um empresário brasileiro, que fundou uma nova marca, a Lecar, para produzir carros elétricos nacionais. Outra novidade foi a Ford transferir a antiga fábrica da Troller para o governo do Ceará que, por sua vez, assinou acordo com uma empresa de comércio exterior, a Comexport, para instalar uma fábrica de carros híbridos e elétricos de várias marcas.
Essa não é a primeira vez que surgem iniciativas para mudar a dinâmica da atividade que desde os anos 1950 está sob o domínio de poderosas multinacionais. A mais conhecida e ousada foi a do engenheiro brasileiro João Conrado do Amaral Gurgel. A fábrica de carros da marca que levava seu nome funcionou durante 25 anos, até que, em 1994, foi decretada a sua falência.
Para os defensores do empresário, Gurgel foi prejudicado ao não receber apoio governamental. Ao perceber a necessidade de ampliar a produção de carros compactos e populares, que concorriam com produtos das gigantes do setor, Gurgel tentou, sem sucesso, obter linhas de crédito especiais do BNDES.
Pode ser que o dono da nova Lecar, o empresário Flávio Figueiredo de Assis, que ganhou o apelido de “Elon Musk brasileiro”, não seja bem-sucedido no audacioso plano de uma fábrica com capacidade anual de 120 mil veículos — maior do que muitas das fábricas de montadoras instaladas no país. É possível, ainda, que ele não consiga a demanda inicial esperada.
Assis pede um sinal de R$ 1,3 mil a quem entrar na fila para comprar o primeiro híbrido da Lecar, que, conforme seus planos, só chegará ao mercado na segunda metade de 2026. Mas, de alguma forma, iniciativas como essa mexem com um setor que não se via ameaçado desde a falência da Gurgel.
Não se pode, também, desprezar o projeto que promete fazer do Ceará um polo de produção de carros híbridos e elétricos. O governo cearense assinou acordo com a Comexport, brasileira especializada em comércio exterior responsável pela importação de carros de diversas marcas. O entendimento abre caminho para a trading brasileira transformar a antiga fábrica da Troller, em Horizonte, em um centro de montagem multimarcas.
A estratégia faz sentido. Além de usufruir do regime automotivo do Nordeste, que até 2032 garante incentivos fiscais a empresas do setor instaladas na região, a montagem local terceirizada livra marcas que querem entrar no mercado brasileiro da alta gradativa do Imposto de Importação para híbridos e elétricos.
O modelo de manufatura planejado para o Ceará não é novidade. Há um igual no Uruguai, onde a empresa local Nordex produz veículos de diferentes marcas, como a van Ford Transit e o caminhão Kia Bongo.
É factível imaginar que a estrutura da indústria automobilística no Brasil pode ganhar novas formas e mais participantes. O tamanho do mercado atrai investidores e o consumidor brasileiro mostra que fidelidade a uma marca não é um critério tão importante assim ao escolher o carro novo. Basta acompanhar o sucesso das chinesas.
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Fonte: direitonews