Descolonizando o multilateralismo: o jeito BRICS de fazer política internacional


Hoje a voz do BRICS tem um peso estratégico muito maior do que em 2009, quando foi criado, devido à recente expansão do grupo, acordado durante a 15ª cúpula, na África do Sul, que agora inclui Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã. Com isso, o BRICS inegavelmente ganha força em sua defesa do multilateralismo nas relações internacionais, conceito esse que tem sofrido um grande revés, sobretudo em função das crises atuais no Leste Europeu e no Oriente Médio. Mudanças na configuração do poder global, rivalidades geopolíticas entre a Eurásia e o eixo atlanticista, bem como a ressurgência de nacionalismos extremados em vários lugares do mundo, fizeram de nossos tempos contemporâneos um dos períodos mais imprevisíveis e perigosos de toda a história. É necessária, portanto, uma reforma urgente do sistema ONU, que já se mostrou ineficiente num contexto geopolítico em rápida evolução. Ora, tanto as Nações Unidas como seu Conselho de Segurança, responsável por manter a paz e a segurança internacionais, de fato não têm funcionado a contento. Aliás, muito longe disso. O BRICS, por sua vez, tem sido a principal voz da chamada “maioria global” a pedir mudanças nesses mecanismos, o que aumenta ainda mais a sua importância no contexto atual.
Broken Chair, escultura do artista suíço Daniel Berset, que fica na Praça das Nações, em frente à sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, capital da Suíça, em 16 de julho de 2009 - Sputnik Brasil, 1920, 27.02.2024

Nesse ínterim, o multilateralismo defendido pelo BRICS é justamente um dos pilares fundamentais para restabelecer a ordem do pós-guerra, além de outros conceitos importantes, como a indivisibilidade da segurança internacional, a não intervenção nos assuntos internos dos Estados, o respeito à integridade territorial e a solução pacífica dos conflitos.

No entanto, apesar de muitos outros países também defenderem esses ideais, o Ocidente e seu internacionalismo liberal manifestado pela famigerada “ordem mundial baseada em regras” tornou-se um grande impeditivo para a consolidação de um mundo mais justo e equitativo. Afinal, a própria rede ocidental de instituições multilaterais (como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) transformou-se em uma plataforma de chantagem política. Vide o sequestro dos ativos russos em 2022, ocorrido após o início da operação militar especial.
O perigo dessas atitudes, por sua vez, reside na perda de legitimidade dessas instituições multilaterais, algo que já vem acontecendo com a própria ONU, como já mencionado. O pior de tudo é que: se olharmos para a história, vemos que quando grandes organizações internacionais perdem legitimidade, vide o caso da antiga Liga das Nações no começo do século XX, o mundo fica cada vez mais próximo de uma guerra de grandes proporções. Nós ainda vivemos numa ordem que foi gerada a partir de um cenário de pós-guerra. Trata-se justamente de uma ordem que foi moldada pelas “potências vitoriosas” do conflito que, em comum acordo, levou à formação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas que também contribuiu para a criação das chamadas instituições de Bretton Woods. Entretanto quase 80 anos se passaram desde então, e hoje o BRICS busca reformas nesses mecanismos de governança global, de forma a torná-los mais inclusivos e a fim de dar maior voz aos países emergentes em seus processos de tomada de decisão. Em suma, a questão principal envolve fazer dessa ordem atual uma ordem mais representativa das realidades de nosso século XXI.
Presidentes dos países membros e amigos do BRICS durante a última cúpula do grupo. Joanesburgo, 24 de agosto de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 01.01.2024

Hoje muitos países em desenvolvimento ainda se sentem impotentes ao firmarem acordos econômicos com o G7, por exemplo, ou então quando tentam avançar suas demandas perante o Conselho de Segurança. Para além disso, a tal “ordem mundial baseada em regras” da qual o Ocidente tanto se orgulha trata-se apenas de uma cortina de fumaça para que esse mesmo Ocidente possa agir livremente dentro do sistema, intervindo (econômica, política e militarmente) nos assuntos internos dos Estados. Ao mesmo tempo, a única regra que é obedecida pelas potências ocidentais é a regra do atendimento de seus interesses egoístas, nem que para isso seja necessário desrespeitar o direito internacional ou mesmo a Carta da ONU. Essa é a fórmula do unilateralismo do Ocidente, agir sem consultar ninguém e sem considerar outros povos e civilizações como parceiros de igual importância.
A abordagem do BRICS, por outro lado, vai completamente na contramão dessa tendência, enfatizando o multilateralismo nas relações internacionais, ponto focal e a mais poderosa força motriz por trás da ampliação do grupo ao longo dos últimos anos. A política externa dos países do BRICS, ademais, sempre procurou priorizar relações de ganho mútuo, assim como a não imposição de agendas por parte de uma liderança hegemônica a todos os demais membros do grupo, como ocorre na relação dos Estados Unidos com os países do G7 e da OTAN, por exemplo. Uma das mais importantes funções do BRICS, portanto, é justamente dotar seus participantes de um maior senso de igualdade no âmbito do agrupamento, sem que um país necessariamente prevaleça sobre o restante.
Diante desse cenário, o mundo assiste à acelerada formação de uma ordem multipolar mais justa, ligada ao fortalecimento e à ampliação do BRICS e que promete mudar o quadro geopolítico internacional de forma significativa nas décadas seguintes. Esses avanços fazem do grupo um verdadeiro contrapeso à hegemonia dos Estados Unidos e de seus aliados ocidentais nas relações internacionais, o que se trata de um momento inédito para o mundo. Este momento, portanto, representa a celebração do reconhecimento que os países emergentes obtiveram ao longo dos últimos anos, em sua transição de “subalternos” ao Ocidente para a de atores cuja voz já não pode mais ser ignorada. Enquanto isso, o BRICS vai “descolonizando o multilateralismo“, tornando-o mais inclusivo e acolhendo de bom grado a valiosa contribuição de diversos povos e civilizações para esse processo.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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