Criminalização política e combate à corrupção inócuo: analistas listam falhas da lei das estatais


O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, nesta quarta-feira (6), a liminar concedida pelo ministro aposentado da corte Ricardo Lewandowski que flexibilizou as regras da Lei 13.303/16, popularmente conhecida como lei das estatais.
Promulgada em junho de 2016, no governo do ex-presidente Michel Temer, a lei é fruto da operação Lava Jato, e tem entre seus objetivos impedir o chamado aparelhamento das estatais. Para isso, ela estabelece um prazo de três anos de quarentena para que pessoas com vínculos políticos possam ser nomeadas para cargos dessa natureza.
Em dezembro de 2022, o PCdoB contestou a lei no STF, argumentando que seus dispositivos esvaziam o direito constitucional à isonomia, à liberdade de expressão e à autonomia partidária.
O partido afirmou ainda que a lei impede a nomeação para cargos em estatais de profissionais com experiência e habilidades necessárias para a função. Em março deste ano, Lewandowski atendeu ao pedido e concedeu a liminar flexibilizando o trecho da lei que determina a quarentena.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva compartilha da visão do PCdoB. Também em dezembro, a base aliada do governo federal liderou a articulação política no Congresso para conseguir nomear Aloísio Mercadante para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), contornando os dispositivos da lei. E nesta semana, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou a magistrados do STF um apelo final para que considerem inconstitucionais os trechos da lei que estabelecem quarentena para indicações políticas a cargos em estatais.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional e professor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, e Theófilo Rodrigues, cientista político, analisaram os impactos da lei no combate à corrupção, passados sete anos da promulgação do texto, e como a decisão a ser tomada pelo STF pode refletir na articulação política do governo Lula.
Theófilo Rodrigues avalia que é “impossível afirmar que a lei tenha resultado em algum benefício no combate à corrupção”. “A corrupção não tem nada a ver com a participação de atores políticos em estatais.”
Ele afirma que “o compartilhamento de recursos de poder entre os atores que conformam a base de governo não tem nada a ver com corrupção, mas sim com democracia”.
Acacio Miranda compartilha da opinião de Rodrigues a respeito da ineficiência da lei das estatais no combate à corrupção. Ele aponta dois fatores que fizeram com que a lei não trouxesse resultados práticos.
“Primeiro, o objetivo principal [da lei] era blindar, especialmente os conselhos e as direções das estatais de indicações políticas. Então ela trazia certas restrições, a pessoa deveria ter experiência, a pessoa não podia integrar direção de partido político. Mas nós sabemos que os políticos, no afã de indicarem pessoas, encontraram soluções a isso, encontraram alternativas. Então, obviamente, indicações políticas não deixaram de acontecer. E o objetivo principal e declarado da lei não foi alcançado.”
Somado a isso, ele acrescenta que a atuação do governo em relação à lei das estatais, no caso envolvendo Mercadante, “acabou mitigando por completo as finalidades da lei”.
“Acho até louvável que o Supremo esteja discutindo neste momento a legislação, mas confesso que a legislação foi inócua e os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal também serão inócuos”, afirma.

Lei das estatais resultou na criminalização da política?

Questionado se a lei pode ser entendida como inconstitucional ou como criminalização da política, como defendem alguns analistas, Acacio Miranda destaca que a lei foi motivada em um momento de forte pressão popular e midiática, o que resultou no atropelamento de normas constitucionais.

“‘Mensalão’, ‘Lava-Jato’ e ‘Inquérito do fim do mundo’: a única coisa que diferencia os três é o aspecto ideológico, porque, no final das contas, nos três foram praticados atropelos à nossa legislação. E essa legislação das estatais foi construída declaradamente com base na Lava-Jato. Então era um momento que no país, por pressão popular e por pressão da mídia, ninguém estava muito preocupado com constitucionalidade e com garantias processuais.”

Nesse contexto, ele afirma que a lei das estatais, “a rigor, é inconstitucional”, apesar das narrativas que existem para torná-la constitucional.
Rodrigues, por sua vez, afirma que “a lei das estatais é uma clara tentativa de criminalização da política”.
“Impedir que atores políticos possam atuar em empresas públicas é uma forma de discriminação, uma forma de criar cidadãos de segunda categoria com menos direitos que outros cidadãos”, diz o cientista político.
Um dos possíveis imbróglios que a derrubada da liminar pode causar é a perda de cargos de gestores de estatais indicados por Lula. Um deles seria Paulo Câmara, ex-governador de Pernambuco que atualmente é presidente do Banco do Nordeste. Miranda afirma que a perda de cargos seria o primeiro impacto, caso a liminar seja derrubada.
“Esse seria um impacto imediato. Mas conhecendo o Supremo, e conhecendo a posição política que o Supremo tem adotado nos últimos dez, quinze anos, eu acho que, caso derrubada essa liminar, eles vão criar uma regra intermediária, um prazo para que essas pessoas saiam ou só haverá aplicação dos efeitos dessa decisão após a sua vigência [no cargo]. Acho que será criada uma mitigação, uma regra intermediária.”
Ele destaca ainda que a derrubada da liminar pode trazer para o governo Lula a necessidade de reformulações, especialmente no que diz respeito à articulação com o centrão.
“O centrão tem um afã maior relacionado a essas estatais. Mas eu confesso que hoje essas negociações [relativas a nomeações] já estão bastante tumultuadas. Então seria um ingrediente a mais numa confusão que já existe. E aí, havendo habilidade do presidente da República, ele pode colher dividendos disso. Mas é só uma conjectura, a gente tem de aguardar as cenas dos próximos capítulos.”
Com relação ao centrão, Rodrigues argumenta que a decisão a ser tomada pelo do STF sobre a liminar não acarretará em uma mudança na articulação política calcada na indicação de nomes para estatais. Em sua avaliação, “atores políticos continuarão indicando nomes de seus grupos para esses postos”.
“Não acredito que a mudança seja muito grande. Na prática, o centrão continuará indicando nomes de seus grupos para esses postos.”

Decisão do STF é alvo de especulação

Analistas e veículos da mídia vêm especulando que dois fatores podem influenciar a decisão do STF em relação à liminar. Alguns levantam a possibilidade da corte decidir a favor da inconstitucionalidade da lei das estatais como forma de retribuição a Lula por ter indicado para a corte o ministro Flávio Dino, nome que teria uma boa aceitação entre os magistrados.
Por outro lado, também vem sendo levantada a hipótese do STF derrubar a liminar como forma de retaliação ao recente apoio de integrantes da base do governo Lula à proposta de emenda à constituição aprovada no Senado que limita a atuação da corte.
Miranda descarta a possibilidade de o STF manter liminar como forma de retribuição à indicação de Dino.

“Eu não tenho essa leitura política. Acho até, pensando no Flávio Dino, que o Supremo ficou agradado com a indicação do Flávio Dino, mas o governo Lula, o governo do PT, já percebeu também o protagonismo que o Supremo tem. Então eu acho que o Flávio Dino, com o perfil político e combativo, ele vai para o Supremo para fazer frente aos ministros que hoje são tidos como mais fortes, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Então, não acho que o Supremo vá retribuir essa indicação do Dino”, diz o especialista.

Já Rodrigues diz esperar que o STF tome sua decisão com base na Constituição, não em disputa política.
“O ideal seria o STF atuar baseado na Constituição e não nessa disputa política. Espero que o STF mantenha a decisão sensata do ministro Lewandowski”, conclui o cientista político.

Fonte: sputniknewsbrasil

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