O que importa para a defesa brasileira não é quanto se gasta, mas como, dizem analistas


A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) anunciou, no fim de junho, o compromisso dos países-membros de desembolsar ao menos 5% do produto interno bruto (PIB) em gastos militares anualmente — das 32 nações da aliança, apenas a Espanha não se comprometeu com a meta.
O objetivo ambicioso da OTAN, que via os aliados sofrendo para conseguir despender 2% do PIB em defesa anteriormente, levantou a discussão: o Brasil deve pensar em uma meta parecida com a da aliança militar?
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas acreditam que a grande questão não é quanto o Brasil deve atrelar do PIB à defesa, mas sim como desembolsar valores de maneira estrategicamente apropriada.
O pesquisador Jorge Oliveira Rodrigues, ligado ao Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e ao Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), explicou que os gastos militares devem ser feitos em um contexto que faça sentido com outras políticas públicas, para garantir “segurança e soberania” ao país, e não priorizados a ponto de favorecer a economia a partir da indústria bélica, por exemplo.

“A decisão, portanto, não pode se basear em supostos retornos que o investimento em defesa traria para a economia nacional. É uma decisão política, que, justamente por isso, não pode se restringir aos quartéis.”

Segundo Rodrigues, atrelar os gastos em defesa ao PIB é um “erro de concepção grotesco” que “reflete o colonialismo epistêmico que grassa em nosso país, sendo inclusive fortemente presente” nas Forças Armadas do Brasil.

“Defesa não é receita de bolo, onde juntamos X% do PIB com um número Y de efetivos e temos como resultado uma política. Seguir o exemplo da OTAN como realidade absoluta é fruto de uma dificuldade em pensar a defesa brasileira a partir da nossa própria realidade.”

Fabricio Ávila, presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), declarou que, atualmente, o gasto do Brasil em questões militares gira em torno de 1% do PIB — uma redução de cerca de 3 pontos percentuais desde o fim da década de 1950. Sendo assim, para o especialista seria exagero investir 5% do PIB do Brasil em defesa.
“Se a gente for gastar os 5% do PIB, cerca de R$ 100 bilhões, é um exagero na nossa realidade”, comenta Ávila. “O gasto é relativo e tem que atender às necessidades de cada força armada.”
Para o presidente do ISAPE, o ideal é que o Brasil invista pelo menos US$ 200 (cerca de R$ 1,1 mil) por habitante em defesa, patamar alcançado no início dos anos 2000, contra os US$ 100 (por volta de R$ 550) atuais. Embora o assunto do momento seja o quanto investir em artigos militares ou como remunerar tropas, a discussão para o especialista passa por essas instituições estarem prontas para lutar ou não quando solicitadas.
Nesta quinta-feira (10), a Câmara dos Deputados aprovou uma medida provisória (MP) que reajusta o salário-base de militares das Forças Armadas em 9%, incluindo ativa, reserva e pensionistas, informou o g1. A MP, agora, segue para o Senado, onde pode ganhar caráter definitivo.

“Geralmente as pessoas falam em orçamento militar e pensam muito na questão de salários, muito na questão de pensões, muito na questão de aprisionamento de recursos, e menos na prontidão. O grande problema das Forças Armadas modernas, não só as brasileiras, mas as do mundo inteiro, é a questão da prontidão. Ou seja, se elas estão prontas ou não para entrar em combate.”

Quem é o inimigo do Brasil?

Ao estabelecer uma meta de 5% do PIB para gastos militares, a OTAN faz uma declaração velada de que tem um inimigo a combater. Caso contrário, não faria sentido os Estados da aliança militar desembolsarem tamanho recurso em defesa.
Rodrigues ressalta que, antes de pensar em grandes gastos bélicos, é preciso responder: quem é o inimigo do Brasil? Como exemplo da importância de entender quem pode ser um rival brasileiro, o especialista cita a quase venda da Embraer para a Boeing, uma empresa norte-americana, e o risco de o país perder soberania em projetos militares importantes.

“Faz sentido investir em projetos como o KC-390, da Embraer, quando, há pouco tempo, a empresa esteve ameaçada de ser vendida à Boeing? Para que tal resposta seja apresentada, é preciso que o governo federal, o Congresso, a academia e a sociedade civil sentem à mesa para discutir.”

Para Ávila, o aumento do orçamento militar da OTAN sinaliza a preparação para uma nova guerra, nomeada por ele como “convencional” e, em seguida, classificada como “preocupante”.
“Esse aumento [de investimento] é preocupante, porque mostra que a Europa sobe o tom e já se prepara para o retorno da guerra convencional. Sem criar alarmismos, mas é algo muito preocupante.”
Já Rodrigues alerta para o conceito do “dilema de segurança”, que acontece quando o aumento de gastos militares de um país é percebido como fonte de ameaça por outro, ocasionando uma bola de neve em investimento militar regional.
Dessa forma, Rodrigues entende que faz muito mais sentido para o Brasil se aliar aos países da América do Sul e gastar em uma “estrutura de segurança coletiva”, mas sem seguir o modelo da OTAN.

“Isso não quer dizer que a saída é uma aliança militar sul-americana, aos moldes da OTAN, mas sim a construção de um arcabouço de confiança mútua onde os vizinhos e demais parceiros não fossem encarados como ameaças e, em conjunto, pudessem apresentar suficiente potencial dissuasório a ponto de mitigar ameaças externas.”

Ávila destaca que há paz na América do Sul desde a Guerra do Paraguai e não vê nenhum tipo de conflito iminente na região. Ainda assim, entende que há uma questão coletiva nos países do continente sobre qual deve ser o investimento militar.

“Talvez seja um grande dilema das Forças Armadas brasileiras, argentinas, entre outras, que é justamente no que investir, onde investir e qual vai ser o melhor investimento. […] Todo mundo compara forças armadas a um seguro. E seguro, geralmente, ele é caro pensando em nunca usar.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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