Prelúdio de uma nova crise? Superfederação do centrão muda as ‘regras do jogo’, dizem analistas


A superfederação, lançada na semana passada pelos partidos União Brasil e Progressistas, se tornará um desafio para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com um discurso de oposição e críticas veladas ao governo federal em seu manifesto de lançamento, a federação, intitulada União Progressista, contará com a maior bancada do Congresso, com 109 deputados, 14 senadores e cerca de R$ 1 bilhão no fundo eleitoral.
Ela também tem quatro ministros no governo Lula. O Progressistas conta com o titular dos Esportes, André Fufuca, enquanto o União Brasil dispõe de Celso Sabino (Turismo), Frederico de Siqueira (Comunicações) e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional).
No entanto, apesar de fazer parte do governo, a nova União Progressista tem divergências ideológicas com o governo Lula. O projeto de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro, por exemplo, é descartado pelo governo, mas apoiado por 68% dos deputados do União Brasil e 73% dos representantes do Progressistas na Câmara, segundo um balanço divulgado pela Casa legislativa.
A federação também conta com um potencial presidenciável nas próximas eleições, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União-GO). Antes crítico da federação, Caiado aceitou participar diante da promessa de candidatura em 2026, caso ele obtenha pelo menos 10% das intenções de voto.
À Sputnik Brasil, o professor titular de ciência política e coordenador do Programa de Pós-Graduação Profissional em Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho, afirma que as federações foram implantadas na reforma eleitoral de 2021 com o objetivo de preservar partidos pequenos com linhas ideológicas específicas, mas sem desenvoltura eleitoral para ter vida política longeva.
Como exemplo estão o PCdoB, mais à esquerda, e o Novo, mais à direita. “A federação permite o consórcio de vários partidos em torno de uma plataforma comum.”

“Essa união entre o União Brasil e o Progressistas, ao que tudo indica, vai nessa linha de capitanear com a regra do jogo e trazer para si um capital político fora do comum.”

Para Carvalho, a federação não é um indício de que o centrão está se distanciando do governo Lula, mas apenas se aproveitando dos incentivos.
Desde 2015, quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo da então presidente da República, Dilma Rousseff, e realizou o impeachment, o Legislativo percebeu que era necessária uma maior autonomia, principalmente orçamentária, em relação ao governo. “E foi se começando a delinear ali já os primeiros passos para criar esse sistema atual de emendas parlamentares.”
Esse mecanismo orçamentário criou uma “grande independência” do Congresso em relação às propostas do Planalto. “Um suporte do governo às suas propostas já deixa de ser algo tão importante”, explica o professor, visto que o Legislativo passa a assegurar recursos para atender às suas próprias demandas locais, regionais e até mesmo nacionais. “E isso, obviamente, muda um pouco a regra do jogo.”
Antes, o Executivo conseguia apoio do Legislativo através de medidas provisórias, indicações para cargos no governo e até mesmo por mecanismos irregulares, como o petrolão e o mensalão.
“Isso era o ‘cimento’ que fazia com que os parlamentares se alinhassem com o governo. Agora, com as emendas parlamentares transferindo recursos significativos para os parlamentares, esse modelo não está rodando mais.”

“Na verdade, o que a gente está vendo é o processo de consolidação de uma nova ordem de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo.”

Ele afirma ainda que todo governo e toda faixa do espectro político, seja de esquerda, direita ou centro, que governar o país terá de dialogar com o centrão, que ele afirma ter como matriz ideológica o pragmatismo. “Isso já acontecia no governo Bolsonaro e já acontecia no governo Dilma, lá atrás.”
“Então não há possibilidade de um presidente ou de uma presidente eleita avançar com suas propostas de governo sem um alinhamento com os partidos de centro”, diz. “Principalmente para compor votações importantes no Congresso.”
Carvalho destaca que há uma aliança entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar neutralizar esse modelo que vem sendo institucionalizado. Segundo ele, essa aliança é liderada pelo ministro Flávio Dino e mira sobretudo o uso das emendas parlamentares como “mola propulsora da independência do Legislativo frente ao Executivo”.

“Tem sido a estratégia principal [do governo], recorrer ao STF, onde o PT, sob o presidente Lula e a ex-presidente Dilma, indicou grande parte dos ministros. Isso lhe dá uma capacidade de interlocução, de composição e de lobby judicial muito forte.”

‘Centrão não tem nada de centro’

Mateus Mendes, mestre em ciência política e autor de “Guerra híbrida e neogolpismo” e de “É a ideologia, estúpido!”, afirma quea partir da revolução colorida de 2013, o Brasil entrou em uma crise, marcada pela instabilidade institucional e pelos avanços da agenda da direita”.
A retirada da presidente Dilma do poder foi capitaneada por um consórcio de partidos e parlamentares “que são extremamente reacionários e fisiológicos”, diz Mendes, os mesmos que desde 2015 vêm impondo seu poder sobre o Orçamento.
“O aspecto reacionário se vê pelas pautas misóginas, racistas e antipopulares: PEC do Teto de Gastos, contrarreforma trabalhista, estatuto do nascituro e projetos que naturalizam o racismo”, afirma.

“Assim, esses setores se impuseram aos governos Dilma, Temer, Bolsonaro e, agora, Lula. Então, hoje, o que temos é que o governo em geral — não apenas o governo Lula — não tem instrumentos eficazes para barganhar com o Legislativo.”

A recusa do deputado Pedro Lucas (União-MA) ao convite para assumir o Ministério das Comunicações ilustra como hoje “é melhor ser líder de bancada no Congresso do que assumir um ministério”.

“Estamos em um círculo vicioso, de forma que a criação dessa federação é tanto resultado do que a crise acumulou até aqui quanto é o prelúdio de uma nova crise.”

Segundo Mendes, a estratégia do governo de conciliação com o centrão acaba alimentando a oposição e cria dificuldades para o público geral entender a dificuldade que o governo tem de entregar resultados sociais.
Para o especialista, o centrão “não tem nada de centro”, sendo chamado dessa forma por “preguiça, concessão e licença poética”, e o bloco é “um consórcio de direita e reacionário”. É difícil afirmar que o centrão fica ao lado de “quem dá mais”, crava.
“Antes, os parlamentares [do centrão] aceitavam determinados avanços sociais e econômicos porque poderiam ganhar visibilidade na sua base e porque poderiam negociar esses avanços sociais com o atendimento de outras pautas.”

“E hoje? Com orçamento secreto, um parlamentar de direita manda recurso diretamente para os prefeitos aliados em maior volume, com maior liberdade e sem controles, comparado a um ministro, que, para aprovar a melhoria de uma instalação pública, precisa de licitações que demoram meses, senão anos, e ainda está sujeito à fiscalização de órgãos de controle, da mídia e da sociedade.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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