Ao criticar Moraes, Musk traz para o STF o debate sobre a regulamentação das redes, dizem analistas


O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou no último domingo (7) a inclusão do bilionário do setor de tecnologia Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), na lista de investigados no inquérito que apura as atuações das milícias digitais no Brasil (INQ 4874).
A decisão foi tomada após Musk publicar uma série de postagens criticando o Judiciário brasileiro, em especial o ministro Alexandre de Moraes, e ao afirmar em uma das postagens que a plataforma não cumprirá as determinações da Justiça brasileira relativas ao bloqueio de perfis por difusão de notícias falsas.
Em sua decisão, Moraes destacou que “as redes sociais não são terra sem lei”, e sublinhou que “os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada devem absoluto respeito à Constituição Federal, à lei e à jurisdição brasileira”.

“A real, evidente e perigosa instrumentalização criminosa dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada para a mais ampla prática de atividades criminosas nas redes sociais, inclusive atentatórias ao regime democrático brasileiro, poderia configurar responsabilidade civil e administrativa das empresas, além da responsabilidade penal de seus administradores por instigação e participação criminosa nas condutas investigadas”, escreveu o ministro em sua decisão.

Moraes determinou ainda a instauração de um inquérito para apurar as condutas de Musk em relação aos crimes de obstrução de Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
Em entrevista ao podcast Jabuticaba sem Caroço, da Sputnik Brasil, especialistas analisam o embate entre Musk e a Justiça brasileira, quais impactos o episódio pode ter na política nacional, bem como na atuação da rede social no Brasil e se houve algum excesso por parte do STF na decisão de Moraes.

Disputa abre ‘novo round’ entre esquerda e direita no Brasil

Para Afonso de Albuquerque, cientista político e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a disputa entre Musk e Moraes não altera a disputa entre a esquerda e a direita, mas abre o que ele classifica como “um novo round na briga”.

“É um round importante, e eu diria que é uma briga que, do ponto de vista do governo brasileiro, é ótima. Você tem um magnata estrangeiro interferindo em assuntos internos. Isso já seria ruim o suficiente do ponto de vista dos interesses do país ou bom o suficiente para quem quer disputar com esses agentes. Acho que é um passo maior do que as pernas que o Elon Musk dá, em certo sentido. Esse é o primeiro aspecto. O segundo é o fato de que a briga é comprada não com o governo-presidência, mas com o Judiciário. E isso eu acho que também […] possibilita respostas que um presidente não poderia dar”, explica o professor.

Questionado sobre o motivo de Musk optar por abordar a questão via redes sociais em vez de contestar na Justiça, Albuquerque afirma que Musk “quer se transformar em uma pessoa pública do debate global”.
“É igual àquele menino que é o dono da bola, e aí todo jogo ele tem que jogar e ainda vai exigir que joguem a bola para ele para chutar para o gol. Tem essa vantagem estrutural.”
O entrevistado acrescenta que, para além da disputa entre esquerda e direita, há o elemento do crescente debate sobre a regulamentação das redes socais.
“Até 2015, 2016, havia certa ingenuidade. As pessoas imaginavam que as mídias sociais fossem como uma espécie de espaço neutro onde cada um podia dizer o que quer. Desde 2016, […] ficou patente que as mídias sociais exercem um poder político a partir de fora não controlado, não sujeito a controle nacional. Isso é uma grave ameaça à soberania nacional”, explica o especialista.

“E o que eu acho que o Elon Musk fez foi criar um pretexto, […] trazer um caso concreto que vai renovar o debate sobre a regulamentação das mídias sociais. E mais, como ele atacou o Judiciário, ele põe em xeque a autoridade do Judiciário, ele provoca que o Judiciário conduza esse debate”, complementa.

Polêmica facilita o debate sobre regulamentação das redes no STF

Albuquerque sublinha que as redes sociais atualmente “têm políticas de transparência zero”, o que traz “uma necessidade que se coloca de regulamentação”.
“Mas do ponto de vista de aprovação no Congresso e tudo mais, isso é difícil. E eis que o Elon Musk faz com que o debate sobre as mídias sociais chegue ao Judiciário. O Judiciário tem maneiras muito mais simples de resolver o problema. Então, para mim, foi um grande tiro no pé do Elon Musk.”
Albuquerque acrescenta que a regulamentação das redes, bem como o combate às fake news, são pautas urgentes, mas diz que “a composição do Congresso brasileiro inviabiliza que essa pauta seja conduzida nesse fórum”.

“O que o Elon Musk fez ao pedir o impeachment de um ministro do Supremo de um país soberano, falando do seu lugar de magnata global, é colocar uma ameaça externa ao Brasil […]. Então, dessa forma, o Elon Musk meio que obriga as instituições a se posicionarem, nem que seja como autodefesa.”

Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e especialista em direito digital, aponta que há possibilidade de as declarações de Musk servirem de “apito para cachorro”, ou seja, uma forma de tentar mobilizar o eleitorado radical em “um ano importante de eleições, inclusive nos Estados Unidos”.
Porém, ele destaca que a partir do momento em que Musk desafia as instituições brasileiras, afirmando que não vai cumprir as determinações do STF, momento em que a Corte já determinou a suspensão e o bloqueio de algumas contas, ele se coloca em posição de investigado natural.

“Não pela fala em si de dizer que o ministro está praticando censura, não pela fala em si de dizer que ele [Moraes] deveria sofrer um impeachment, mas por dizer que vai descumprir ordens judiciais brasileiras”, explica o especialista.

Ele afirma, no entanto, que Moraes tem levado suas decisões para serem analisadas em plenário do STF, e que é possível que faça o mesmo com a decisão de instaurar o inquérito contra Musk. Ademais, ele diz que “o inquérito por si só não atribui responsabilidade penal a Elon Musk”.
“Finalizado o inquérito, ele precisaria passar pela Procuradoria-Geral da República [PGR], que necessitaria apresentar uma denúncia que depois fosse recebida pelo Supremo Tribunal Federal. Então, existem muitos degraus ainda a serem percorridos no que a gente está observando. Inclusive o fato de Musk estar no polo passivo agora de um inquérito policial não quer dizer que necessariamente ele seja responsabilizado ou que, enfim, no final das contas ele seja proibido de ingressar no país.”

Há chances de o X ser bloqueado no Brasil?

Questionado sobre a possibilidade do bloqueio das atividades da plataforma de Musk, Crespo afirma que o risco existe, já que o momento é dinâmico e “há novas publicações de Elon Musk, que inclusive sugerem que o ministro Alexandre de Moraes teria matado o ministro Teori Zavascki”, do STF.
“A coisa está ganhando outros contornos. O ponto é: a plataforma por si só não deveria ser banida, bloqueada ou proibida em razão de comentários feitos pelo proprietário dela, até porque ela não se presta unicamente a que ele se comunique. É uma plataforma que serve a milhões de pessoas […]. A grande questão é que o próprio STF no passado chegou a julgar uma causa, e [como resultado] nós tivemos aqui no Brasil pelo menos três oportunidades em que o aplicativo WhatsApp foi bloqueado pela Justiça.”
Crespo acrescenta ainda considerar ingenuidade resumir o imbróglio à questão ideológica, e cita como exemplo os negócios de Musk na China.

“Por que ele [Musk] não critica o fato de o Twitter [X, atualmente] não funcionar na China? Porque ele tem negócios na China, especialmente com a Tesla. Ele ganhou e ganha muito dinheiro com a Tesla a partir das fábricas chinesas. Então é mais um motivo para a gente achar que o que está acontecendo tem muito mais um contexto político-econômico do que, de fato, alguém estar se achando injustiçado em razão de liberdade de expressão.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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