Pesquisa pode levar a menos impacto ambiental e mais lucro


O veredito sobre se o Agro é Pop ou se o Agro Mata ainda não é definitivo na opinião pública, mas independentemente de que lado desse espectro cada um está, é importante reconhecer alguns fatos sobre o assunto:

Se por um lado a produção agropecuária é – com certeza – uma importante atividade econômica, não só por possibilitar a alimentação da crescente população mundial, mas também por incentivar o crescimento do nosso estado e país;

Por outro, não há como negar o impacto ambiental que causa ou, pior, o impacto ambiental que pode causar quando conduzida sem nenhum tipo de responsabilidade ou consciência sobre a sustentabilidade da produção.

Como instituição de Pesquisa, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa em Mato Grosso (Fapemat), trabalha em diferentes frentes para trazer soluções neste sentido para os produtores do estado, sejam pequenos ou grandes.

Uma dessas iniciativas, coordenada pelo professor Alex Neves Júnior, está relacionada à valorização do biocarvão a partir de seu uso na construção civil.

Biocarvão

O carvão que usamos geralmente para fazer churrasco no final de semana é o vegetal, resultado da queima de madeira.

“O biocarvão é produzido a partir de um tratamento térmico de biomassa ou outros materiais orgânicos – como restos vegetais, resíduos da produção de animais e lixo urbano – que pode resultar em um material rico em carbono estável, como o carvão, mas com menor impacto ambiental na produção”, explica o professor Alex Neves Junior, da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia (Faet).

Em resumo,  ao invés de retirar madeira da natureza para queimar e produzir carvão, coloca-se o ‘resto’ da produção de alimentos em grandes fornos com temperatura e oxigênio controlados, para transformar essa ‘biomassa’ em um produto muito parecido com o carvão.

“Além disso, na agricultura, o biocarvão pode ser aplicado diretamente no solo, funcionando como um tipo de fertilizante, por ter elevado pH, carbono incorporado e capacidade de retenção de microrganismos e nutrientes”, completou.

Perfeito, né? Produzimos alimentos, embalamos e vendemos; Com o que foi descartado fazemos biocarvão e devolvemos isso para o solo, auxiliando na produção de mais alimentos.

Acontece que transformar biomassa em biocarvão pode ser bem caro, precisando de máquinas específicas, expertise, mão de obra… e isso faz com que não seja muito atrativo economicamente para muitos produtores.

É aí que entra a pesquisa do professor Alex…

… mas antes precisamos falar sobre cimento.

O cimento que conhecemos do dia-a-dia é basicamente calcário e argila extraídos da natureza, misturado com outros elementos para que tenha diferentes características e aplicações na construção civil – grudar mais, secar mais rapidamente, o que for necessário.

“Esse é o material de construção mais utilizado no mundo e sua produção é responsável por por cerca de 8% das emissões globais de gás carbônico, então é uma atividade altamente poluidora. O que estamos estudando é a substituição de uma parcela do cimento pelo biocarvão, contribuindo para o seu balanço emissivo”, explica o professor.

Como o biocarvão é um produto sustentável, sua utilização em substituição a outro tipo de material que é obtido agredindo o meio-ambiente serviria para mitigar o impacto ambiental do cimento. 

“Essa substituição também agregaria valor comercial ao biocarvão, aumentando o incentivo dos produtores para investir neste processo”. Mas a pesquisa deve ir além.

“Quando o cimento está endurecendo acontece uma reação química entre o gás carbônico (CO2) do ar e alguns componentes alcalinos dele. Esses componentes capturam o gás carbônico e se transformam em carbonatos. Quando está na graduação, o engenheiro civil aprende que essa carbonatação é prejudicial, principalmente quando acontece em estruturas de concreto armado, pois agride o material e pode levá-lo ao colapso”.

Colapso que ninguém quer ver, com certeza.

“Nos últimos anos, o efeito da carbonatação em materiais com cimento sem reforço de aço tem sido visto sob outra ótica. Vários artigos já mostraram que, em determinadas condições, essa reação química melhora as propriedades das peças tratadas com gás carbônico”.

Se essa visão se confirmar, o cimento pode ter um ciclo menos agressivo à natureza, pois parte do gás carbônico liberado em sua produção estaria sendo recapturado durante seu processo de endurecimento.

“A nossa proposta em acrescentar o biocarvão é não apenas diminuir o uso do cimento na composição, mas também aplicar a carbonatação durante o endurecimento do material, aproveitando algumas características físico-químicas que o biocarvão proporciona, que pode, além de melhorar as propriedades finais do material, ajudar a reter mais CO2 durante o seu tratamento”.

“A expectativa é que, ao final, depois de calcularmos a pegada de carbono do processo – isso é, quanto gás carbônico foi liberado e quanto foi recapturado desde o início de sua produção até seu uso definitivo – se não for possível neutralizar o carbono incorporado, ao menos reduzi-lo a patamares baixos.”

Isso mesmo. Neutralizar a pegada de carbono do cimento. Um dos materiais mais poluidores do mundo.

Ciclos

A pesquisa financiada pela Fapemat tem duração prevista de um ano, mas faz parte de projetos maiores e trabalha em paralelo com outros estudos, de outras instituições, em busca de avanços incrementais em nosso conhecimento sobre o mundo, como é normal no ciclo da ciência.

Curiosamente, a solução que a equipe do professor Alex está procurando para a poluição do cimento também é criar um ciclo para a neutralização do gás carbônico ao longo de sua cadeia de produção e utilização.

E se as hipóteses forem confirmadas, também vai contribuir para o ciclo da produção agrícola, valorizando o biocarvão, que é uma alternativa sustentável para a destinação do que hoje é visto como “resto” ou “lixo” da produção de alimentos.

Com ideias assim, talvez – e só talvez – seja possível escapar da polarização entre “O Agro Mata” e “O Agro é Pop”, incorporando em nossas atividades econômicas uma das principais lições da natureza: tudo se transforma.

Além do apoio da Fapemat, o professor Alex Neves Junior é bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fomento oferecido pela entidade para pesquisadores com produtividade científica contínua.

Fonte: ufmt

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