O MPF destacou que o DNIT reconheceu que há via alternativa à estrada que atravessa a TI, mas que carece de manutenção
Arte: Secom/MPF
No último dia 10, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1), à unanimidade, negou provimento a recursos em ação que pede o fechamento de traçado da BR-168 que se sobrepõe à Terra Indígena (TI) Maraiwatsédé, em Mato Grosso (MT). Na ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) é pedido à Justiça a suspensão do uso da via no prazo de um ano, após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 50 mil em favor da comunidade indígena Xavante Maraiwatsédé.
A ação, ajuizada em julho de 2019, visa ainda assegurar ainda que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se abstenha de emitir licença ambiental quanto ao trajeto que corta a respectiva terra indígena, além de apresentar o Plano Básico Ambiental assegurando a adoção de medidas mitigatórias e compensatórias, decorrentes do uso do trecho que atravessa a reserva, entre outros.
A Quinta Turma seguiu o relator do caso, o desembargador federal Souza Prudente, e negou recursos interpostos pela União e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), mantendo assim sentença proferida em março de 2021 pela Justiça Federal em Barra do Garças, em atendimento parcial aos pedidos do MPF.
Em seu parecer, o procurador regional da República Felício Pontes Jr. destacou que o Dnit, em suas razões recursais, reconheceu a existência de estrada, que não passa pela TI, mas que carece de manutenção. O órgão ministerial sustenta que a omissão do governo quanto à recuperação da via alternativa altera os modos de vida dos indígenas, potencializa os impactos negativos, vulnerabiliza a proteção territorial e gera insegurança jurídica aos envolvidos.
Dever Constitucional – No recurso, a União alegou não haver legitimidade para que seja alvo da ação do MPF, o que é rebatido pelo órgão ministerial. “Trata-se de afetação direta à TI, o que faz da União protagonista nesta lide, já que é a legítima proprietária das terras indígenas”, observa o MPF.
Por sua vez, o Dnit se baseou no caso da TI Raposa Serra do Sol ao alegar o descumprimento das condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os apelantes buscavam a aplicação de efeito vinculante ao julgado do STF. No entanto, o MPF ponderou que a tese não se sustenta, uma vez que “na decisão proferida nos autos da ACO [Ação Cível Originária] nº 1100, datada de 20 de fevereiro de 2020, o Ministro Edson Fachin suspendeu todos os efeitos do Parecer n. 001/2017/AGU, que defendia o efeito vinculante”.
A autarquia responsável pela infraestrutura de transportes também defendeu no recurso a impossibilidade de o Judiciário analisar discricionariedade do ato administrativo e ofensa à separação dos poderes. O MPF, no parecer, contra-argumentou ao esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre a possibilidade de fixação, pelo Judiciário, de prazo razoável para a implementação de políticas públicas.
“Portanto, o argumento não pode ser invocado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, principalmente quando da conduta omissiva ou negativa do Poder Público puder gerar nulificação ou aniquilação de direitos fundamentais”, alertou Felício Pontes Jr..
Disputa histórica – A BR-158 possui extensão total de 3.961,4km. Parte do Mato Grosso em direção à fronteira com o Uruguai. Em seu traçado original adentra na TI Marãiwatsédé, do povo Xavante – autodenominado A’uwe. O território da TI comporta mais de 165 mil hectares, nos municípios mato-grossenses de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia.
A TI Marãiwatsédé foi declarada de ocupação tradicional pelo Ministério da Justiça, em 1993, e homologada por decreto da Presidência da República, em dezembro de 1998. Apesar do reconhecimento oficial, os Xavante só conseguiram a posse definitiva de sua terra em 2014, após mais de 40 anos de luta dos indígenas, removidos à força de seu território em 1966.
A remoção forçada foi resultado da associação entre órgãos do governo federal e fazendeiros durante a ditadura militar. Cerca de 1/3 da população de mais de 263 indígenas morreram como resultado da remoção.
Ao longo dos anos, o território também foi objeto de disputas. Entre os diversos invasores, figurou a empresa italiana Agip-Petroli, que alegava ser proprietária de um dos maiores latifúndios do Brasil, com 800 mil hectares sobrepostos à TI. Com ajuda do bispo Dom Pedro Casaldáliga, o caso chegou Parlamento Italiano e a empresa se retirou da área.
Posteriormente, a TI também foi dividida em latifúndios até que, em 2007, o STF decidiu pela retirada dos invasores, o que levou tempo até se cumprir. “Após tentativa de cooptação de indígenas, bloqueios de rodovias e transformação da área na terra indígena mais desmatada do Brasil, todos os não-índios são retirados em 2013”, trouxe o parecer.
Para o MPF, todo esse histórico de esforço pela preservação da terra indígena será em vão se o traçado da BR-158 adentrar a TI Maraiwatsédé.
Processo n°: 1000952-79.2019.4.01.3605
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