Veículos elétricos no Brasil: domínio chinês no mercado incomoda a Tesla de Elon Musk e os EUA?


Saíram de cena os norte-americanos e entraram os chineses. Era fim de 2021 quando uma decisão da Ford, primeira montadora a se instalar no Brasil, surpreendia o mercado local: após mais de um século fabricando carros no país, a montadora dos Estados Unidos anunciava o encerramento das atividades com o fechamento de três fábricas — nas cidades de Horizonte (CE), Taubaté (SP) e Camaçari — e a demissão de mais de 5 mil trabalhadores. Em 2019, já havia paralisado uma das linhas de produção mais tradicionais no país, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Na Bahia, restaram as antigas instalações e um terreno de quase 5 milhões de metros quadrados que foi comprado pelo governo estadual por R$ 290 milhões. Até que no ano passado a gigante chinesa BYD anunciava a intenção de instalar um complexo fabril na mesma localidade. Ao custo de R$ 3 bilhões, as obras foram iniciadas no último mês e a área vai receber três fábricas para linhas de montagem e processamento de lítio e ferro-fosfato, além de produção de peças. Conforme a marca, a expectativa é de produção de 150 mil veículos elétricos por ano entre o fim deste ano e o início de 2025. Além disso, é a primeira fábrica de veículos totalmente elétricos do Brasil e também a primeira da BYD fora da Ásia.
Enquanto a chinesa conquista o mercado brasileiro a passos largos, a principal concorrente no âmbito internacional sequer iniciou as atividades no Brasil: a Tesla, do bilionário Elon Musk, que nas últimas semanas chegou a atacar o governo brasileiro e até o Supremo Tribunal Federal (STF) ao ameaçar não cumprir decisões judiciais relacionadas à rede social X. Na América do Sul, a primeira loja da empresa, que no início do mês anunciou a demissão de 10% dos funcionários, só foi inaugurada em janeiro deste ano no Chile, enquanto no Brasil a expectativa é só para o fim do ano.
Dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) revelaram que no ano passado a venda de carros elétricos no país foi recorde: ultrapassaram 93 mil unidades, um número 91% superior ao consolidado em 2022.
O doutor em sociologia e pesquisador do Grupo de Estudos da Inovação (GEI) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rodrigo Wolffenbüttel explicou à Sputnik Brasil que o mercado de veículos elétricos conta com dois tipos: aqueles puramente movidos por bateria e os chamados híbridos, que possuem um preço menor e também funcionam a gasolina ou etanol.

“Se levarmos em consideração os veículos movidos exclusivamente a bateria, temos um predomínio de montadoras chinesas que aconteceu de forma muito rápida. Em questão de dois anos, eles se inseriram, fizeram um grande movimento de entrada no mercado nacional, investimentos e publicidade”, pontua o especialista, que enfatiza ainda os preços mais vantajosos quando comparados aos de outras marcas.

Já o coordenador acadêmico da Fundação Getulio Vargas (FGV) para cursos da área automotiva, Antônio Jorge Martins, acrescenta à Sputnik Brasil que companhias chinesas como a BYD ajudaram também a movimentar outras montadoras já presentes historicamente no país. Prova disso, segundo o especialista, são os investimentos recordes anunciados pelo setor automobilístico na última semana, em evento que contou até com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — conforme a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), são R$ 125 bilhões previstos até 2032.

“A vinda das chinesas provocou até a comodidade das empresas que se situavam no Brasil, diante da oferta dos veículos elétricos com alta tecnologia e preços menores. Isso fez com que houvesse uma mexida no mercado brasileiro de tal forma que muitas também se voltassem para a motorização híbrida, com um volume de investimentos muito grande, outros menores dependendo do estágio em que se encontram”, resume.

Quais montadoras chinesas estão no Brasil?

Ainda em 2009, a montadora Chery foi a primeira chinesa a iniciar a venda de veículos no Brasil e instalou uma fábrica em solo nacional em 2014. Passados dez anos, a situação é completamente diferente, aponta Wolffenbüttel, principalmente com o mercado de carros elétricos.
“A China era sinônimo de carro ruim, que não valia a pena, tinha problema com fornecedor… E agora, com essa janela de oportunidade da transição energética para os veículos elétricos, as montadoras chinesas, nomeadamente a BYD e a Great Wall, estão entrando com muita força e se apresentam como uma referência“, explica.
Segundo o especialista, ainda há um interesse estratégico no Brasil para a instalação de fábricas que possam fornecer veículos a toda a América Latina.
“Isso logo implica em uma perda de terreno expressiva para outras montadoras, sejam elas norte-americanas ou europeias. Então elas estão nessa batalha e perdendo. […] O país ainda tem algumas particularidades, a questão da arquitetura tecnológica, porque a gente tem a tradição do etanol e todos os biocombustíveis como uma fonte alternativa, que teoricamente também reduz a emissão de gases de efeito estufa.”
O panorama é similar em outras partes do mundo, acrescenta Antônio Jorge Martins. “Isso incomoda os Estados Unidos, porque os chineses vêm liderando esse processo, inclusive tendo a Tesla, que é norte-americana, como uma das fabricantes de veículos elétricos lá na China. De forma geral, existe uma preocupação em fazer frente a esse desafio de também manter uma janela forte para o setor automotivo, que é um setor que possui cada vez mais desenvolvimento de tecnologia”, argumenta, ao pontuar também que o mercado interno chinês é o triplo do norte-americano, o que também contribui para essa situação.

Por qual motivo a Tesla não desponta no Brasil?

Com carros que custam a partir de R$ 500 mil, a norte-americana Tesla é quase inexistente no mercado interno brasileiro. Para o coordenador acadêmico da FGV, a empresa tem postergado a entrada no país diante de desafios como a própria presença chinesa e até a redução dos mercados de veículos totalmente elétricos no mundo, com a preferência dos consumidores pelos híbridos. “Essa situação obrigou, inclusive, a fazer uma redução em sua mão de obra da ordem de 10%”, diz.
Enquanto isso, Rodrigo Wolffenbüttel comenta que o público-alvo da Tesla é muito específico, interessado em tendências tecnológicas e no que está vinculado ao veículo.
“Já a BYD atende a uma fatia do usuário mais convencional, ou seja, a pessoa que não está tão interessada no simbólico do veículo. Ela quer um veículo tal qual o carro a combustão, com alguma coisa de diferença de design, preocupação com autonomia. Em termos de bolso, a possibilidade de acessar esse veículo [da chinesa] é muito mais próxima, e basicamente ele opera dentro dos mesmos registros de um automóvel comum, com algumas diferenças vinculadas a ele”, finaliza.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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