Um guia de ação com efeitos imediatos


Em seu discurso de posse como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, no dia 4 de janeiro, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, afirmou que “a indústria brasileira precisa urgentemente retomar o seu protagonismo, expandindo sua participação no Produto Interno Bruto (PIB)”. Segundo ele, “as graves mudanças climáticas, o pós-Covid e a guerra na Europa estão indicando a premência de uma política de reindustrialização consensuada com o setor produtivo, a academia, a sociedade e a comunidade internacional”.

No dia anterior, durante evento na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alckmin recebeu das mãos do presidente da entidade, Robson Braga de Andrade, o Plano de Retomada da Indústria. Elaborado após discussão com representantes do setor, o texto é uma contribuição dos empresários industriais para ajudar o novo governo na recuperação da economia. O documento, com ações para os 100 primeiros dias de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, contém 14 propostas prioritárias, focadas em transição energética, inovação e ampliação dos investimentos para reindustrialização, e abarca 18 projetos de lei a serem aprovados.

Ainda no discurso de posse, Alckmin afirmou, em linha com a proposta defendida pela CNI, que “é imperativa a redução da emissão de gases de efeito estufa, o estabelecimento de uma política de apoio a uma economia de baixo carbono, privilegiando tecnologias limpas e dando início ao processo produtivo, seguro e sustentável”. A construção e a implementação de uma política industrial moderna e condizente com o cenário atual e com as melhores práticas internacionais, que formule missões para acelerar a solução de problemas coletivos, é a primeira proposta da CNI.

A falta de uma política industrial nos últimos anos, desde o governo Itamar Franco (1992-1994), contribuiu para a queda da participação da indústria na economia brasileira.


“Essa foi a principal causa da redução da participação da indústria brasileira no PIB. Foi um erro enorme. Os países mais desenvolvidos têm uma política industrial de longo prazo, que é fundamental”, argumenta Andrade.


Segundo ele, o Brasil tem um ambiente complexo para negócios, tanto em questões tributárias quanto em ambientais e regulatórias.

A aprovação da reforma tributária, cuja discussão no Congresso Nacional avançou nos últimos dois anos, é outro ponto do Plano de Retomada da Indústria. Sérgio Pedreira de Oliveira Souza, presidente do Conselho de Assuntos Fiscais e Tributários da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), diz que a reforma é fundamental para aumentar a competitividade das empresas e estimular novos investimentos. Modernizar a tributação sobre o consumo, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), reduz a cumulatividade e desonera as exportações, explica ele.

Além disso, complementa Souza, “a reforma tributária torna a alocação dos recursos produtivos mais eficiente, simplifica as obrigações acessórias, reduz os custos das empresas, dá maior segurança jurídica e reduz o grau de litigiosidade”. Na área tributária, o Plano de Retomada da Indústria propõe ampliar as possibilidades de compensação automática de créditos e permitir a depreciação acelerada de bens de capital aplicados a novos investimentos. A CNI também defende a redução do Custo Brasil, estimado em R$ 1,5 trilhão por ano, por meio de medidas que aumentem a competitividade da indústria brasileira.

Julio Koga, vice-presidente industrial da Moto Honda, diz que a simplificação do sistema de recolhimento de impostos e a redução da carga tributária no Brasil são medidas imprescindíveis para a retomada do crescimento.


“É necessário que a reforma tributária enderece as mudanças para fortalecer a competitividade, a fim de que o ambiente de negócios se torne favorável não só à indústria, mas à economia como um todo”, diz.


Segundo Érica Machado, presidente da Eletromatrix, empresa do setor metalmecânico do Rio de Janeiro, a reforma tributária é importante para reduzir o custo operacional das empresas. “Esperamos que seja uma reforma nos moldes do que temos na Europa, com a criação do IVA. O ideal é que seja um imposto único, sem os penduricalhos que encarecem o custo do setor produtivo”, afirma. Além de reduzir o custo dos produtos fabricados no Brasil, diz ela, a reforma tributária vai acabar com a guerra fiscal. Érica também destaca que o BNDES pode ter um papel importante na retomada da indústria se ajudar as pequenas e médias empresas, que empregam mais pessoas.

Na mesma linha, Jandaraci Araújo, cofundadora do Conselheira 101 (programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração), diz que a reforma tributária é primordial para que a indústria brasileira seja mais competitiva, acelere o crescimento econômico e gere mais empregos. “São quase três décadas de discussão. As propostas que tramitam hoje obviamente não irão agradar a todos, mas já estamos bem atrasados”, critica. Ex-aluna do Cefet, antiga Escola Técnica Federal da Bahia, ela afirma, ainda, que “não há como pensar em reindustrialização sem pensar em capital humano, e as escolas profissionais e os centros de tecnologia são essenciais para fornecer uma educação de qualidade e desenvolver novas competências para uma indústria 4.0”

Fátima Chama, da Chama Amazônica, do Pará, classifica a reforma tributária como imprescindível. “Com a carga tributária e a burocracia atual, nós não temos condições de competir nem de investir na modernização. Aqui na Amazônia, temos um custo logístico muito grande para o mercado interno. Há empresas que precisam manter um departamento jurídico que cuide apenas de questões tributárias”, afirma.

Estímulo à inovação

Janine Rodrigues, especialista em diversidade e fundadora da Piraporiando Edtech, diz que é impossível pensar em reindustrialização sem priorizar o investimento em inovação.


“Os processos e os profissionais precisam passar por uma renovação de suas habilidades e conhecimentos. A reindustrialização será feita por pessoas e suas mentalidades precisam caminhar com a inovação. Não só inovação tecnológica, maquinaria, processos, mas também no que se refere à forma de pensar”, explica.


Um exemplo, continua ela, é a Malwee, indústria que, desde 2015, investe em tecnologias e processos inovadores, que vão do uso de matérias-primas sustentáveis à gestão de água, efluentes, resíduos e ao controle da poluição atmosférica.

“Quando falamos de inovação e sustentabilidade, consideramos pouco o que podemos aprender com os povos indígenas, africanos e afro-brasileiros. É preciso voltar os olhos às nossas origens, respeitar e aplicar esses conhecimentos na reconstrução de nossa economia”, destaca Janine. Segundo ela, empresas da área de cosméticos têm projetos importantes de pesquisa em parceria com as comunidades locais. A sustentabilidade, complementa Janine, “está diretamente ligada à criação e à manutenção de empregos, por isso reduzir impactos ambientais ao mesmo tempo em que se gera emprego e desenvolvimento é fundamental”

Já Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil (GFB), destaca outro ponto do Plano de Retomada da Indústria: o estímulo à inovação. “Em qualquer país que conseguiu desenvolver indústrias com base na inovação, é necessário um fluxo constante de recursos em investimentos”, afirma. Segundo ele, isso permite incorporar as inovações em produtos e serviços tanto no mercado doméstico quanto no mercado mundial. “No caso do Brasil, isso vai determinar se nós, efetivamente, estaremos inseridos neste novo momento da economia mundial de uma forma competitiva e capaz de disputar mercados cada vez mais amplos”, observa Arcuri.

Ele defende que haja uma vinculação entre os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) e a política industrial de longo prazo. “As estruturas de governo têm de estar coordenadas. O desenvolvimento de qualquer produto depende, na etapa de pesquisa, de financiamento, mas depois é necessária também mão de obra capacitada para trabalhar no que está sendo desenvolvido, além de regras tributárias que não sejam distorcivas”, diz Arcuri. Ele argumenta que precisa existir coordenação entre as estruturas do governo e do setor privado, com ambas caminhando juntas.

Breno Kamei, vice-presidente de Programas e Planejamento de Produtos para a América do Sul da Stellantis, multinacional do ramo automotivo, ressalta que o que pode diferenciar a indústria de um país é sua capacidade de inovação.


“Assim, políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação que integrem a indústria e os pólos de desenvolvimento científico, como universidades, são importantíssimas e podem alavancar a economia nacional, tornando o país um exportador de tecnologia”, afirma.


No setor automotivo, diz ele, o etanol pode ser citado como tecnologia que diferencia a indústria brasileira e permite combinar eletrificação e biocombustível em uma mobilidade de baixo carbono. Para Kamei, mecanismos de encomendas que estimulem o desenvolvimento de tecnologias nacionais, como proposto pela CNI, são eficientes para que o Brasil reduza a sua dependência e o hiato tecnológico em relação aos países mais avançados. “Uma boa ação nesse sentido seria incentivar o desenvolvimento local de componentes tecnológicos essenciais para a indústria, como os semicondutores”, exemplifica.

Integração com o mundo

Acelerar a integração internacional do Brasil por meio de acordos internacionais é outro ponto defendido pela CNI. Karina Frota, gerente do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), afirma que promover o comércio exterior e impulsionar a retomada do crescimento econômico é desafio permanente para toda a economia. “A retomada da competitividade e o desenvolvimento produtivo e tecnológico da indústria nacional passam de forma transversal pela integração do Brasil com o mundo. É indispensável fortalecer a indústria por meio da internacionalização”, sintetiza ela.

Em relação à burocracia alfandegária, lembra Karina, o Brasil já melhorou razoavelmente, mas precisa avançar mais no tópico de facilitação de comércio. “Para aumentar a base de empresas exportadoras, agregar valor ao produto brasileiro e ter números mais expressivos no comércio global, é necessário priorizar ações que melhorem o ambiente de intercâmbio comercial por meio de políticas de facilitação de comércio, com desburocratização e modernização dos processos”, diz ela.

Outra medida relevante para aumentar a competitividade da indústria brasileira é promover a desconcentração e a competição no mercado de gás natural. O economista Cláudio Frischtak explica que a Nova Lei do Gás, sancionada em 2021, é um marco na modernização de um setor historicamente concentrado tanto em termos verticais quanto em termos horizontais. “A perspectiva é de ampliação significativa da oferta de gás, redução de preços e maior flexibilidade pelos provedores, enfim, de maior dinamismo, o que para a indústria é de enorme importância”, avalia Frischtak. O gás é um combustível mais limpo, mais eficiente e que permite maiores ganhos de qualidade e produtividade.

Ainda na área de infraestrutura, a CNI defende a aprovação do PL 414/2021, de modernização do setor elétrico, que, segundo Frischtak, é muito complexo e caracterizado pela elevada integração entre a geração e o consumo por meio do Sistema Interligado Nacional, que faz a coordenação e o controle de grande porte, e que abarca 98,3% da capacidade de produção de energia elétrica no país (o restante é produzido pelos chamados sistemas isolados). Ao mesmo tempo, complementa ele, “o Brasil é uma potência de primeira ordem em energias renováveis, com crescimento muito acelerado principalmente nas fontes eólica e solar, mas também com potencial em biomassa e outros”.

Transição energética

O Plano de Retomada da Indústria também inclui medidas com foco na transição energética, como o marco regulatório para exploração do potencial energético offshore, a melhoria da eficiência energética e a regulamentação do mercado de carbono.


“Atuar em eficiência energética propicia redução de despesas, já que a energia é um insumo que impacta cada vez mais a composição de custos do setor industrial”, explica Joaquim Rolim, coordenador de Energia na FIEC.


Flávio Rassi, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG), ressalta que a implementação do mercado de carbono no Brasil deverá fomentar atividades de desenvolvimento sustentável com geração de emprego e renda em regiões com índices socioeconômicos mais baixos, além de trazer benefícios, como a mitigação do aquecimento global. “O Brasil tem condições de ser um grande fornecedor mundial de crédito de carbono, devido à extensão territorial, à biodiversidade, à matriz energética renovável, ao biocombustível, à redução de aterros sanitários e ao aproveitamento dos gases”, lista ele.

Educação

Entre os projetos de lei cuja aprovação a CNI defende está o PL 6494/2019, que trata da articulação entre a formação profissional de nível médio e a aprendizagem profissional. Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), afirma que essa medida é importante no momento em que o Brasil se prepara para um processo de reindustrialização, que deve ter duas grandes âncoras: a transição climática e a transição digital. “Essas duas questões compõem a política industrial da maior parte dos países do G20”, explica ele. O projeto, complementa, permitirá a qualificação de mão de obra para atender à demanda futura.

Na mesma linha, Claudemir José Bonato, diretor de educação e tecnologia do SESI-SENAI de Goiás, diz que a elaboração de uma política nacional de educação profissional melhoraria a infraestrutura dessa modalidade de ensino. “Também facilitaria o apoio, especialmente financeiro, para estimular os estudantes a buscar direcionamento de qualificação profissional em uma das áreas de competência demandadas pelo mercado, seja nas atividades da indústria, do comércio, de serviços, da agricultura rural ou de outros setores econômicos que demandem profissionais qualificados”, defende.

Já Homero Arandas, presidente do Conselho de Relações Trabalhistas da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), destaca outro ponto do Plano de Retomada da Indústria: a necessidade de continuar o processo de modernização da legislação trabalhista. “Nós demos um passo fundamental em 2017 com o início desse processo, que reduziu os litígios trabalhistas e estimulou a negociação de acordos”, afirma. Um dos pontos defendidos pela CNI nessa seara é a aprovação do PL 5670/2019, que permite o trabalho multifunção.

Fonte: portaldaindustria

Anteriores Estão dadas as provas para que Bolsonaro seja processado, condenado e preso, diz Kim Kataguiri
Próxima Delegado se infiltra em igreja, diz que dará testemunho e prende pastor foragido por homicídio