Há exatos 50 anos nosso mercado automotivo era bem diferente do atual. Já vivíamos os efeitos de um país fechado para as importações e o número de marcas que atuavam por aqui era infinitamente menor. Por isso o lançamento de um carro realmente novo no Brasil era algo muito raro, um fato que praticamente gerava comoção na sociedade.
Mas quis o destino — bem como as conjunções estelares e as de planos industriais — que, em 1973, acontecesse algo então inédito: quatro carros efetivamente novos, cada um de uma montadora, todos fabricados localmente, chegaram às concessionárias. Foi um choque de proporções impressionantes. Aquele ano passou a ser chamado pelos jornais e pela população, não sem razão, como o “ano do carro”, e o quarteto de lançamentos como a “turma de 73”.
Chevrolet Chevette, Volkswagen Brasília, Ford Maverick e Dodge 1800 eram novidades pelas ruas que faziam torcer o pescoço de qualquer um. Todo mundo queria, e era até difícil escolher qual.
A coisa se tornava ainda mais interessante porque, apesar de relativamente semelhantes em proporções, os quatro tinham escolas (portanto, projetos) bem distintas: um era de origem alemã (o Chevette), outro era inglês (o Dodge 1800), um americano (o Maverick) e um brasileiro (a Brasília).
Hoje é bastante curioso observar o histórico e o destino de cada um. Pode-se dizer (sem muito medo de errar) que o Chevette foi o mais bem-sucedido dos quatro, já que viveu até 1993, ultrapassou o marco de 1,5 milhão de unidades produzidas e deu origem a quase uma família completa, com cinco variações de carroceria ao longo de sua história — sedã duas e quatro portas, hatch, perua (Marajó) e picape (Chevy 500).
Além disso, o Chevette passou por duas boas reestilizações e teve uma série de versões dignas de recordação, desde esportivas (GP e S/R) até populares (Júnior). Também venceu a disputadíssima premiação de Carro do Ano de Autoesporte da época, batendo os outros três lançamentos, e chegou até a ser o carro mais vendido no Brasil em 1983 (na soma das versões sedã e hatch).
O segundo lugar desse ranking cabe com toda justiça à Brasília, também um carro muito querido. Teve mais de 1 milhão de unidades produzidas até 1982, um volume impressionante para menos de uma década de vida (foi, na época, o único carro nacional a alcançar esse marco além do Fusca).
Originalmente pensada para substituir o Fusca, trazia dele a robustez e a simplicidade mecânica já consagradas da linha VW a ar. E fez sucesso também no exterior: a Brasília foi embarcada até para a Europa (Portugal), entre dezenas de países. Fez tanto sucesso no México e em Angola (onde era chamada de Igala) que passou a ser enviada em CKD para montagem local; no México, depois, passou a ser inteiramente produzida por lá (daí vem sua clássica aparição no seriado Chaves).
Fecha o pódio o Maverick, que saiu de linha prematuramente em 1979, o que faz dele o modelo com menos tempo de vida do quarteto. Isso aconteceu por uma série de razões, que vão desde a concorrência interna (Landau de um lado e Corcel II do outro) até o aprofundamento da crise do petróleo — mas também não custa lembrar que ele era o mais caro dos quatro lançamentos de 1973. Foram pouco mais de 100 mil unidades fabricadas do Ford.
Só não se pode acusar o Maverick de falta de opções: ele teve oferta de motores de quatro, seis e oito cilindros, câmbio manual e automático e carroceria de duas e quatro portas. Fez sucesso nas pistas e teve até versão perua produzida sob encomenda por uma concessionária.
Como uma espécie de vingança do tempo, o Maverick hoje é, de longe, o mais disputado e de maior preço da “turma de 73” no mercado de carros antigos (fato ajudado em parte, naturalmente, por seu menor volume de produção).
Fecha o quarteto — o que não é nenhum demérito — o Dodge 1800, o primeiro carro médio fabricado pela Chrysler no Brasil. No início da carreira, o logo apelidado “Dodginho” teve a imagem arranhada por problemas mecânicos e técnicos, que foram sendo corrigidos ao longo do tempo; mas o mercado, sempre duro e pouco afeito a perdões, já tinha dado seu veredicto.
Para reverter a imagem do carro a Chrysler chegou até a mudar seu nome, que passou a ser Polara em 1976 (assim como a Willys tinha feito com o Dalphine/Gordini anos antes), o que não adiantou muito. Com a compra da Chrysler pela Volkswagen, a carreira dos carros Dodge nacionais acabou em 1981, com pouco mais de 90 mil 1800/Polara saídos da linha de montagem, o menor volume total da “Turma de 73”.
As pessoas que também comemoram 50 anos neste 2023 certamente guardam alguma recordação com qualquer um desses quatro carros — ou até com mais de um deles. E podem se orgulhar de terem nascido no “Ano do Carro”. Você é um deles? Este colunista sim…
Origem: Americana
Produção: Até 1979
Unidades vendidas: Cerca de 100 mil
Variantes: 2 e 4 portas
Motores: 2.3, 3.0 e 4.9 l
Origem: Brasileira
Produção: Até 1982
Unidades vendidas: Cerca de 1 milhão
Variantes: 2 e 4 portas
Motor: 1.6 l refrigerado a ar
Origem: Alemã
Produção: Até 1993
Unidades vendidas: Cerca de 1,5 milhão
Variantes: Sedã 2 e 4 portas, hatch, perua e picape
Motores: 1.0, 1.4 e 1.6 l
Origem: Inglesa
Produção: Até 1981
Unidades vendidas: Cerca de 90 mil
Variantes: Somente 2 portas
Motor: 1.8 l
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Fonte: direitonews