Transformar a Amazônia em Patrimônio Mundial é transferi-la a países ricos, alerta Aldo Rebelo


A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, que se estende pela bacia hidrográfica do rio Amazonas. Rica em biodiversidade, ela é lar de milhões de espécies de animais e plantas, e seu território compreende seis países da América do Sul: Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela.
A maior parte do território da Floresta Amazônica, no entanto, fica no Brasil. Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a Amazônia Legal — nomenclatura usada pelo governo brasileiro para demarcar os estados do país que a floresta engloba — compreende 59% do território brasileiro, distribuída por 775 municípios e com uma extensão de 5 milhões de quilômetros quadrados.
A dimensão ecológica e estratégica da Floresta Amazônica é cobiça de líderes estrangeiros, entre eles o presidente francês, Emmanuel Macron, que em mais de uma ocasião afirmou que a Amazônia é de todos.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Aldo Rebelo, ex-ministro e autor do livro “Amazônia: a maldição das Tordesilhas”, publicado em janeiro, explicou quais as principais ameaças à Floresta Amazônica e como os países amazônicos lidam com tentativas de interferência externa.
Rebelo afirma que “não há nada que tenha a relevância geopolítica da Amazônia nem no Brasil nem no mundo”. Isso porque, segundo ele, o mundo hoje vive duas carências fundamentais: a necessidade da segurança energética e da segurança alimentar.
“Quando você trata de segurança alimentar, você tem na Amazônia a maior fronteira de agropecuária do mundo, de terras disponíveis, de água, de recursos naturais que podem ser usados para a segurança alimentar, ou seja, para a agricultura e a pecuária. E quando você trata de segurança energética, você tem na Amazônia os minérios necessários para a transição energética, para fazer uma bateria, para qualquer forma de energia alternativa”, explica.
Ele acrescenta que os minérios das terras-raras, os chamados minérios estratégicos, estão na Amazônia e são essenciais para a segurança energética.
“Não é por acaso que a Amazônia hoje é a agenda da hora, a agenda do dia no mundo da diplomacia, porque na Amazônia vai se realizar a Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP30) no próximo ano.”
Segundo Rebelo, antes, os principais atores que cobiçavam a Amazônia eram os impérios coloniais de Portugal e Espanha, do Reino Unido, que dominou a Guiana Inglesa (atual Guiana), da Holanda, que dominou o Suriname, e da França, que domina a Guina Francesa, que até hoje segue como um território ultramarino francês.

“A França ficou com essa Guiana, mas o que ela reivindicava era vir até o Pará e subir até a fronteira do Amazonas com Roraima. Mas a diplomacia brasileira terminou protegendo esse território e ficando com a França apenas nesse departamento que hoje é a Guiana Francesa.”

Entretanto, ele aponta que hoje essa cobiça parte principalmente dos EUA, que têm suas pretensões na região, mas “não conseguem estendê-las além, por exemplo, do petróleo da Guiana, que está sendo explorado [pela petrolífera norte-americana ExxonMobil]”.
Questionado sobre a atuação das organizações não governamentais (ONGs) na Amazônia, Rebelo afirma que tem uma postura crítica quanto a isso. Ele diz que há ONGs “que são entidades filantrópicas, entidades humanitárias, entidades que muitas vezes substituem as ausências e as omissões do Estado na assistência à população mais pobre”. Porém, afirma que há ONGs que atuam com objetivos geopolíticos, que tentam criminalizar a agricultura, a pecuária e a atividade econômica na Amazônia como se fossem “um risco para o meio ambiente”.
“Elas [essas ONGs] não estão na Amazônia em busca do nosso bem. […] estão interessadas na nossa biodiversidade, […] nos nossos minérios, […] na nossa água, […] na nossa fronteira agrícola, […] nos nossos bens. E o Brasil tem que ficar atento e tem que saber fazer a diferença entre uma coisa e outra.”
Sobre as declarações de que a Amazônia é um patrimônio do mundo, Rebelo ironiza essa afirmação e diz que “gostaria que os recursos naturais da Alemanha ou o conhecimento gerado pelas empresas alemãs na área de biotecnologia, que o conhecimento acumulado pelos institutos de pesquisa da Alemanha, também fossem bens comuns”.

“Que as patentes dos medicamentos das grandes farmacêuticas alemãs fossem quebradas e esses medicamentos sem patentes fossem um bem comum. E que na França, por exemplo, o conhecimento gerado na indústria química, farmacêutica ou na própria indústria militar também fosse um bem comum. Que a Guiana Francesa fosse declarada também um bem comum da humanidade.”

Ele acrescenta que ser declarada um patrimônio internacional significa que a Amazônia será dos países ricos.
“A biodiversidade não vai ser do mundo. Vai ser dos laboratórios norte-americanos, dos laboratórios europeus, que dominam a tecnologia para transformar a biodiversidade em fármacos, em química fina. Por essa razão, o Brasil não deve admitir, nem para começar, relativizar a sua soberania sobre a Amazônia”, adverte o ex-ministro.
Rebelo diz ainda que o fato de Macron afirmar que a França não vai apoiar um acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, por conta do desmatamento na Amazônia, reflete “dois graves defeitos no caráter dos homens e principalmente dos homens públicos, que é o cinismo e a hipocrisia”.
“A França desmatou tudo, a Alemanha desmatou tudo, não tem mais vegetação nativa, floresta nativa nesses países. Como é que eles querem colocar o Brasil no banco dos réus? Se o Brasil for cobrar do produtor de vinho francês que chega no Brasil a área desmatada, o Brasil não compra nada, porque foi tudo área desmatada. Você não tem atividade agrícola em área de onde não foi removida a vegetação nativa. Essa é a lei do mundo. A pecuária e a agricultura são culturas que são aplicadas depois de removida a vegetação nativa.”
Ele afirma que esses países “não têm nenhum tipo de proteção do meio ambiente na propriedade” agrícola, enquanto o Brasil destina 80% da área da propriedade para a proteção do meio ambiente.

“O proprietário agrícola na Amazônia só pode usar 20% da sua área. E na França pode usar quanto? 100%. E na Alemanha 100%? E na Suíça 100%? Não. Isso aí é uma mistura de cinismo com hipocrisia que o Brasil deve responder dizendo: ‘Tudo bem, então vamos estabelecer uma legislação florestal do mundo, um código florestal do mundo para ver quem é que tem compromisso com o meio ambiente'”, declarou.

Para Rebelo, um dos compromissos do Brasil para que a COP30 seja realmente eficaz é “combinar o direito ao desenvolvimento com a proteção do meio ambiente”, evitando o que ele aponta como tentativas estrangeiras de congelar o poder econômico, convertendo alguns países em países industrializados, consumidores de matérias-primas e de recursos naturais, e outros países cuja industrialização seria uma ameaça ao meio ambiente, mas que estão destinados a fornecer recursos naturais aos países industrializados.
“A industrialização da França, da Alemanha e dos Estados Unidos não ameaçou nem ameaça o meio ambiente. A industrialização do Brasil, o desenvolvimento do Brasil é que é uma ameaça ao meio ambiente. Não, o Brasil não pode aceitar isso. O Brasil tem que combinar a sua responsabilidade com a proteção do meio ambiente, mas com o direito ao desenvolvimento, principalmente na Amazônia.”
Questionado se houve alguma pressão externa envolvendo a recente aprovação do Marco Temporal, Rebelo enfatiza que “todo mundo sabe que há uma pressão internacional voltada para imobilizar parcelas importantes do território nacional em terras indígenas”.

“Se a terra indígena resolvesse o problema dos indígenas, os Yanomami moravam no paraíso, porque tem à disposição 9 milhões e 600 mil hectares, ou seja, um território maior do que o estado de Santa Catarina. […] e qual é o resultado? Uma população carente, subnutrida, que tenta em parte sobreviver garimpando, porque não tem outro meio de sobrevivência. Agora você vai na Amazônia, onde há uma área para aproveitamento de minério ou de agricultura, tem uma terra indígena, tem uma unidade de conservação, tem uma flora, uma floresta nacional.”

Ele sublinha que as populações indígenas têm o pior índice de alfabetização e carecem de água tratada, luz elétrica e saneamento básico, uma situação que só quem tira proveito são “executivos das ONGs que moram em Paris, alguns em São Paulo”.
“Ontem eu recebi um áudio de um líder indígena, dos Munduruku, de uma aldeia lá de Jacareacanga, em dificuldade econômica porque não tem uma atividade econômica regularizada. Não podem usar, inclusive, a própria possibilidade de explorar o ouro dentro da terra indígena […] porque está proibido. Se você regulariza, você permite que o índio use o seu ouro, fiscaliza, coloca o meio ambiente para que haja um uso ambientalmente responsável e socialmente responsável. Mas não estão interessados nisso. Querem que o índio viva na idade do Neolítico, com coleta e com caça, que é um estilo que o índio não quer mais adotar”, critica Rebelo.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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