A China tem sete restaurantes franceses condecorados com estrelas no Guia Michelin. O número, claro, é ínfimo perto das mais de 100 casas especializadas em culinária chinesa estreladas pela publicação. Se a mistura sino-francesa funciona na gastronomia, será que o mesmo se aplica na indústria automotiva? O Geely EX2, que acaba de chegar ao Brasil, pode ser uma prova de que a receita dá certo.
Os ingredientes, obviamente, são chineses. O hatch compacto elétrico é um filho da Geely, uma das maiores fabricantes do país, e vai concorrer com outros conterrâneos — leia-se BYD Dolphin e GWM Ora 03, além do futuro GAC Aion UT. Mas toda a cozinha é gerenciada pela Renault.
Com o acordo assinado recentemente, os franceses venderam 26,4% da operação do Brasil para a Geely. Em troca, receberam a responsabilidade da operação comercial, incluindo rede de concessionárias, serviços de pós-vendas e até a produção de modelos chineses na fábrica de São José dos Pinhais (PR). Ainda não há definição de que o EX2 se torne nacional, mas esse é um movimento bastante provável nos próximos anos.
Independente do local de produção, esse prato chega com um preço bastante competitivo no menu dos hatches compactos elétricos. Até o fim de novembro, a versão de entrada, Pro custará os mesmos R$ 119.990 de um BYD Dolphin Mini, enquanto a Max será posicionada em R$ 135.100. A partir de dezembro, os preços sobem para R$ 123.800 e R$ 136.800.
Sim, o objetivo é entornar o caldo dos rivais. A Geely está oferecendo um hatch compacto pra lá de espaçoso (vamos falar disso mais tarde), mas com preço de subcompacto. Em relação à dupla da BYD, há uma grande vantagem, que foi ter passado pelas mãos dos chefs da Renault. Mas não estou falando dos cozinheiros, e sim de engenheiros. A equipe local ajustou parâmetros de suspensão, direção e respostas do acelerador para adequar o hatch ao gosto dos brasileiros.
Em um cenário em que muitas marcas estreantes sequer fazem a chamada tropicalização, dispor de uma equipe que conhece muito bem o consumidor local é uma vantagem competitiva quase única (só a Leapmotor, que é da Stellantis conta com tal regalia).
Ainda que o cardápio da Geely oferecesse outras opções de motorização e bateria no exterior, a escolha para o mercado brasileiro foi pelo conjunto mais parrudo. Estamos falando de um motor elétrico traseiro de 116 cv e 15,3 kgfm de torque. A bateria é a maior possível para o EX2, com 39,4 kWh. Isso resulta em uma autonomia de 289 km, já no padrão brasileiro do Inmetro.
Ainda sobre números, a Geely declara que o EX2 leva 10,2 segundos para ir de 0 a 100 km/h, com velocidade máxima de 140 km/h, o que mostra uma vocação urbana do hatch. Em nosso rápido test-drive, rodamos majoritariamente em vias urbanas, com alguns trechos expressos, onde o modelo se mostrou bastante ágil em situações como retomadas e acelerações em saídas de semáforos, por exemplo. Há três modos de condução, incluindo um mais econômico que busca preservar a autonomia.
A direção parece mais afiada e precisa que a de rivais diretos, talvez resultado da calibração feita pela engenharia da Renault. O volante pequeno, ao melhor estilo Peugeot, deixa a condução um pouco mais divertida. Mas senti falta de receber mais retorno do que se passa no contato dos pneus 205/60 R16 com o solo. Nesse aspecto, a suspensão também poderia ser um pouco mais firme. Em certos casos, parece que o condutor está manejando um tapete voador, e não um carro.
Como dissemos anteriormente, o motor está posicionado no eixo traseiro, bem como a tração. Mas não se engane. Mesmo com torque instantâneo, falta a pimenta de Sichuan, digo, a voracidade para conseguir provocar uma saída de traseira no EX2. Mas a proposta nem é essa. Tanto que os auxílios à condução da versão Max, formados por frenagem de emergência e alerta de saída de faixa estão ali para prevenir barbeiragens e distrações.
Aliás, o curioso arranjo do motor traseiro cria, ao mesmo tempo, um problema e uma solução interessante para o EX2. Começando pelo lado negativo, não há estepe. O pneu sobressalente foi substituído por um kit de reparo com selante.
Por outro lado, o espaço onde estaria o motor na dianteira foi aproveitado com um segundo porta-malas, chamado pela marca chinesa de “fronta-malas”. Ao todo, são 70 litros adicionais, que podem, muito bem, acomodar a quantidade de manteiga necessária para uma fornada de pain au chocolat.
A versatilidade, aliás, parece ser o ingrediente principal do EX2. O porta-malas convencional, lá atrás, tem excelentes 375 litros. Abaixo do banco traseiro há ainda um compartimento de 28 litros. Por último, mas não menos importante, o porta-luvas se abre como uma gaveta, tornando mais prático o ato de colocar ou retirar objetos dali.
A vida de quem frequentar a cabine do Geely se torna mais fácil graças ao amplo espaço interno, a despeito de uma carroceria de porte compacto. São 4,13 metros de comprimento, medida próxima à de um Chevrolet Onix. Mas com os mesmos 2,65 m de entre-eixos de um Volkswagen T-Cross, por exemplo. Logo, estar no banco traseiro, por exemplo, é como sentar na mesa mais espaçosa do restaurante.
Mas na hora de escolher a toalha e os talheres, a Geely derrapa. O acabamento até ostenta uma imitação de couro em parte do console, mas quase todas as demais superfícies são de plástico duro. Algumas peças, como as aletas de seta e comandos dos limpadores, destoam do restante do conjunto e passam a sensação de fragilidade. Os bancos também poderiam ser mais macios.
Nesse aspecto, o Dolphin se sai melhor. Um charme no EX2 fica por conta das gravuras que imitam prédios de uma cidade, que ainda podem ser iluminados com uma das 256 cores da luz ambiente dinâmica.
E já que chegamos ao recheio, o EX2 é razoavelmente bem equipado. Traz cluster de 8,8 polegadas, ar-condicionado automático (mas não digital), saída de ventilação traseira, bancos de couro e com ajustes elétricos para o motorista, partida por botão, acesso por chave presencial, faróis de LED com acendimento automático, freio de estacionamento eletrônico, câmera panorâmica e carregador de celular por indução. A central multimídia tem 14,6 polegadas e parece rápida. Mas atenção, pois não há conexões Android Auto ou Apple CarPlay.
A Geely diz que já trabalha para incluir os espelhamentos e vai atualizar o sistema via nuvem assim que possível. Aliás, o trabalho da marca chinesa acontece não só no desenvolvimento contínuo do veículo, mas na expansão das operações no Brasil.
A marca não fala em estimativas de vendas para o EX2, tampouco dá uma meta de pontos de venda abertos no país ao longo do próximo ano. Ou seja, a receita está guardada a sete chaves. Mas não precisa ser francês, chinês ou brasileiro para entender que, ao contrário de uma franquia de restaurantes, que já segue um modelo preestabelecido, a Geely ainda terá que construir sua reputação no Brasil.
O EX2, como um prato bem recheado, com preço competitivo e visual agradável, tem tudo para ser o mais pedido desse cardápio. Caberá à Renault Geely do Brasil dar conta de saber oferecer ao público.
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Fonte: direitonews






