A entrada do pequeno Lada Niva no mercado pode representar um marco expressivo dentro do processo de desenvolvimento das atividades fora-de-estrada brasileiras, que completam dez anos de existência neste ano. O Niva conta com uma rede de apoio distribuída em todos os Estados e em muitas cidades brasileiras, trazendo ainda a vantagem de ser bem mais moderno, confortável e econômico.
Outra característica plenamente favorável ao comprador brasileiro é o fato de o Niva ter sido desenvolvido basicamente para a utilização em território russo. Aquelas estradas assemelham-se muito às nossas, assim como as dificuldades encontradas na assistência técnica em algumas regiões, natural de um país com dimensões continentais.
Para isso, o veículo ideal deve ser legitimamente robusto, próprio para o uso misto nas cidades e em estradas de terra sob quaisquer condições de tempo (4×4). Fora isso, uma economia compensadora na utilização diária ou na hora da aquisição é sempre um fator positivo para quem necessita de um automóvel.
Essas características parecem somar-se no modelo Niva, tornando-o, pelo menos a princípio, convincente no carente panorama brasileiro fora de estrada, não somente para o aficionado dessas atividades que possui um veículo extra destinado ao lazer, mas também como primeiro carro da família.
No país com a maior área territorial do planeta, a União Soviética, imagina-se o quanto é fundamental para o motorista estar munido de um equipamento confiável, de alta robustez. Por isso, o consumidor brasileiro fica surpreso ao examinar o Niva e constatar que no porta-malas encontram-se disponíveis, de fábrica, duas espátulas para a troca de pneus. Ou ainda que no compartimento do motor exista uma bomba manual de ar, manômetro, caixa de ferramentas e… uma manivela. Essa é útil quando o motor de arranque congela e se está a 600 quilômetros do próximo eletricista.
O Brasil também não é só Sul. Quem vive no interior, principalmente nos Estados do Centro-Norte, sabe o quanto uma chave de fenda pode ser útil em uma Porto Velho/Manaus. Sabe também o quanto faz falta uma tração nas quatro rodas em épocas de inverno, que nessas regiões implica muita chuva e lama. No Brasil fora de estrada, o veículo tem que ser robusto, confiável, prático e, se possível, simples e barato.
Fabricado desde 1977, o Niva é o resultado de um acordo tecnológico entre russos e italianos, o que lhe dá aquele inconfundível ar de Fiat 147 crescido. Essa semelhança, no entanto, logo se desfaz. O motor é um Lada 1600, 73 cv de potência, 12 kgfm de torque, carburador de corpo duplo e comando de válvulas acionado por corrente (ideal para fora de estrada).
A embreagem é acionada por dispositivo hidráulico, e o câmbio tem cinco marchas sincronizadas, que podem ser reduzidas por uma caixa de transferência. Assim, conta com dez velocidades à frente e duas à ré.
A grande novidade para o público brasileiro é a utilização de tração 4×4 permanente. Esse sistema permite que o veículo tenha as quatro rodas tracionando o tempo todo, não podendo ser desengatado parcialmente como nos demais 4×4 existentes no mercado nacional. Trata-se de uma solução moderna que traz diversas vantagens de performance off-road, propiciando melhor aproveitamento do torque do motor e maior estabilidade, o que permite um melhor índice de segurança e velocidade média superior nas estradas de terra.
Como todo full time, vem equipado com um terceiro diferencial, central ou interdiferencial, localizado na caixa de transferência. A função desse equipamento é equalizar mecanicamente as diferenças de rotações resultantes dos dois eixos motrizes nas curvas, da mesma forma que o diferencial convencional trabalha em relação às duas rodas de cada eixo.
Quando se fala que o Niva dispõe de bloqueio de diferencial, trata-se de um sistema mecânico situado nesse diferencial central. Esse tipo de bloqueio é necessário nos modelos com tração permanente, pois permite que, ao ser acionado, os dois eixos motrizes passem a trabalhar solidários, mesmo em situação de nenhuma aderência em ambas as rodas de um deles.
Caso não existisse, o sistema diferencial central transferiria automaticamente o torque total para as rodas sem aderência, o que faria com que o carro não saísse da dificuldade. Não se trata, portanto, de um sistema de bloqueio que anula o efeito diferencial em cada uma das rodas no mesmo eixo, como os disponíveis nos veículos part time (tração 4×4 temporária).
Um dos pontos mais críticos quando se projeta um carro para o uso misto é compatibilizar o conforto e segurança de uma suspensão suficientemente macia para o uso no asfalto, com a robustez exigida nas estradas de terra. Nesse aspecto, o modelo soviético conseguiu um ótimo conjunto independente, composto de molas helicoidais com duplos braços triangulares na dianteira e do tipo rígido na traseira, com braços longitudinais oscilantes e barra estabilizadora do tipo Panhard.
A estrutura do Niva é do tipo monobloco, que elimina problemas de torção e permite a utilização de suspensão com curso adequado para uso misto. Essas características somadas resultaram em um veículo único em sua categoria. Compacto e leve, com a ajuda dos pneus de 16 polegadas do tipo ground grip, é capaz de vencer terrenos de grande dificuldade, como aqueles só enfrentados pelos jipes, só que com maior conforto e velocidade.
A adequação entre jipe e automóvel nem sempre traz resultados eficientes para o uso misto, e essa tem sido a meta dos engenheiros desde o fim da Segunda Guerra. Ou se constrói um veículo muito pesado e extremamente robusto, em contrapartida pouco econômico, altamente reduzido e duro, ou então confortável e econômico, mas comprometido na durabilidade e sem nenhuma aptidão para a terra.
A primeira avaliação do Niva foi muito boa. É um veículo simpático, jeito atrevido, parrudo, de linhas arredondadas mas harmoniosas, pneus grandes e agressivos, bom acabamento e sem requintes. As fotos enganam um pouco. Ele tem vão livre do solo muito bom, assim como os ângulos de entrada e saída. A porta traseira se abre verticalmente como na maioria dos dois volumes e, por ela, podem entrar até 260 kg de carga.
No painel, além dos instrumentos indispensáveis, dispõe de conta-giros, hodômetro parcial, controles de ventilação, inclusive para ar quente, interruptores do limpador do vidro traseiro com lavador, luz traseira de neblina, desembaçador do vidro traseiro e limpadores de faróis.
Quem não estiver acostumado vai estranhar o número de alavancas no assoalho. São quatro: câmbio convencional, reduzida, bloqueio do interdiferencial e freio de estacionamento. Pode estranhar, também, a posição da chave de ignição instalada do lado esquerdo da coluna de direção.
Saímos com o Niva rumo aos 650 quilômetros de estradas de terra que nos aguardavam. A caminho da Serra do Mar mostrou-se dócil no asfalto, distinguindo-se de um automóvel apenas pelo ruído característico dos pneus lameiros. Os engates de marchas são precisos, e o câmbio tem relações bem escalonadas, de forma a aproveitar ao máximo a potência limitada do motor.
Já na terra, deu para arriscar a primeira trilha: uma estradinha para serviços de conservação de linhas elétricas, mas absolutamente sem conservação. Tinha mais ou menos uns 800 metros em uma baixada de pura lama, riscada assimetricamente por marcas de pneus de diversos jipes.
A seguir uma rampa Íngreme e lisa, com uns 15 metros de altura e 30 graus de inclinação. Nosso escudeiro, um jipe muito bem equipado, seguiu em frente, alertando sobre as dificuldades que outros haviam enfrentado nesse trecho, principalmente em uma grande valeta ao pé da subida, onde alguns tiveram que ser rebocados, O escudeiro só venceu metade do percurso.
Fotógrafo a postos, engatada a reduzida, aceleramos. O Niva caiu em um dos trilhos, seguiu por ele decidido, passou pelo valetaço jogando água e lama por sobre o capô e iniciou a subida da rampa até a metade, onde parou sem aderência. Aquele era o momento de engatar o bloqueio de diferencial. Feito isso, o carrinho deu um pulo e venceu a rampa com facilidade. Nosso escudeiro batia palmas. O fotógrafo balançava a cabeça, incrédulo.
Só nessa experiência o pequeno Niva já mostrava algumas de suas qualidades, como o excelente vão central, ótimos pneus, a importância do bloqueio e a perfeita adequação da caixa de reduzidas ao motor.
Momentos atrás era um automóvel comum, na estrada. Agora, estava estacionado em plena mata, a 15 metros de altura, com os faróis acesos, suando vapor pelo escapamento após a sua façanha de jipe, sujo como tal.
A impressão era boa, mas faltava convicção. A aceleração poderia ter sido demasiada para chegar lá em cima, meio na marra. A durabilidade do motor poderia estar comprometida ante a frequência desses tipos de abusos. Ao voltar descendo, em primeira reduzida, sem utilizar o freio (uma boa relação), deu para vencer o lodaçal mais lento com perfeição. O Lada atravessava a trilha como um caranguejo, andando de lado.
Novamente no início da trilha, ao tentar desengatar o bloqueio, a alavanca ficou dura, imóvel. Com uma ligeira ré, ela desengatou sem problemas. Esse deve ser o procedimento normal: acionar o bloqueio apenas nos trechos em que for extremamente necessário e nunca em terrenos secos com curvas. Há uma limitação do equipamento.
Quando se tornam as rodas solidárias em uma curva, o terreno deve ser propício a facilitar o escorregamento. Caso isso não aconteça, poderá haver o travamento da transmissão, da mesma forma que acontece com qualquer veículo 4×4.
Ao repetir o trajeto, dessa vez em segunda marcha com menos aceleração, ele foi rápido demais, saindo do trilho e caindo em uma valeta lateral ainda mais funda. Com os fundilhos encostados no chão, não há 4×4 que dê jeito. O escudeiro entrou em ação com alguma dificuldade, e o baixo peso do Niva mostrou ser mais um de seus atributos favoráveis.
Em um terreno com baixíssima aderência, o jipe tirou-o do atoleiro facilmente e, em poucos centímetros, passou novamente a movimentar-se sozinho. Momentos depois, concluiria o trajeto em primeira reduzida com o motor girando baixo, sem esforço. Domada a fera, deu para manobrar diversas vezes dentro do valetaço e parar no meio da rampa para fotos. Estava sacramentado: poderia receber o seu certificado brasileiro de todo terreno.
Havia sido rodado, até então, apenas um décimo do roteiro previsto. Subir um barranco seco com um metro de altura a 80 graus do zero. Parar e voltar de ré. Tudo absolutamente à vontade. A opção seguinte era um velho caminho de raids, para acelerar fundo, abusando da suspensão e da aderência. O diplomando merecia louvores.
A suspensão trabalhava macia, jamais tocando nos batentes e, em estradas menores, sugeria novamente o comportamento de um automóvel. O sistema full time trouxe a experiência inédita de dirigir um carro quase neutro na terra, mesmo em terrenos molhados, com ligeira tendência a sair de traseira, principalmente por causa dos pneus inadequados para velocidades maiores.
Com um motor mais potente, mesmo nessa configuração fora de estrada, poderia ser um ótimo carro de rali. Por aqui será um excelente veículo para raids, já que sua velocidade média na terra, conforto e segurança são muito superiores aos dos nossos jipes. Única desvantagem aparente em relação aos jipes convencionais: capacidade tratora inferior.
Terminados todos os testes, após um longo período de abusos, foi constatado consumo médio de 7,3 km/l entre trilhas pesadas, trechos de rali, subidas de serra, asfalto sinuoso, rodovia e cidade. Valor considerado baixo para veículo que propicia tantas emoções e que terminou sua tarefa absolutamente intacto, pronto para outra.
*publicado originalmente em Autoesporte nº 309, de fevereiro de 1991.
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Fonte: direitonews