Teste: como é cruzar uma das piores estradas do Brasil de ponta a ponta


Um arquivo da Cinemateca Brasileira de 28 de março de 1941 mostra a inauguração da Rodovia Getúlio Vargas, ligando Volta Redondo a Barra Mansa, um trecho da antiga Rodovia Rio-São Paulo, no sul fluminense. Aquele foi o embrião da RJ-155, uma das dez piores estradas do Brasil, segundo relatório da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que avaliou 111.853 km da malha rodoviária do país em 2024.

Desde a inauguração, oito décadas se passaram e a via fluminense, que termina em Angra dos Reis, permanece igual em muitos trechos de seus 76 km de extensão. Autoesporte atravessou a RJ-155 de ponta a ponta com a Mitsubishi Triton para ver as condições de perto e mostrar ao leitor se a picape média mais nova do mercado aguenta o tranco.

A Mitsubishi Triton é fabricada em Catalão (GO) desde 1998. Na sexta geração, a marca decidiu abandonar o tradicional prenome L200, mas manteve o motor Mivec 2.4 turbodiesel de quatro cilindros, que recebeu bloco de alumínio, foi recalibrado e agora entrega 205 cv e 47,9 kgfm. São 15 cv e 4,9 kgfm a mais do que o modelo anterior, com seus 190 cv e 43 kgfm.

Todas as versões da Triton são 4×4, porém só a de entrada, GL MT, que custa R$ 249.990, tem câmbio manual de cinco marchas. As demais trazem caixa automática de seis marchas. Nosso teste foi realizado com a opção topo de linha, Katana, de R$ 329.990.

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O chassi da nova Triton é o mais robusto já desenvolvido pela Mitsubishi, de acordo com a própria. Ele tem 60% mais rigidez flexional e 40% mais rigidez torcional. A picape ainda ficou consideravelmente maior em relação à geração anterior. A nova estrutura de carroceria sobre chassi aumentou 8 centímetros no comprimento da picape e 13 cm no entre-eixos. A capacidade de carga anunciada é de 1.080 kg (+ 25 kg) e a de reboque com freio, 3.500 kg, mas o volume da caçamba não foi revelado. O ângulo de entrada é de 29° e o de saída, 23°.

Antes de começarmos a rodar, um pouco de história. A estrada Rio-São Paulo se desmembrou em outras vias depois que a Rodovia Presidente Dutra foi inaugurada, em 1951, e se tornou a principal rota entre as capitais paulista e fluminense. Uma dessas vias é a RJ-155, que só teve a pavimentação concluída em julho de 1969. Curiosamente, no trecho de serra, que é a parte final da descida para Angra dos Reis, foram construídos os três primeiros túneis rodoviários do Brasil, escavados nas rochas da montanha.

A primeira parte do nosso teste foi de São Paulo até Barra Mansa, uma viagem de quase quatro horas e 312 km de distância pela Dutra. Em relação à antecessora, a nova geração está bem mais esperta e com muito menos rolagem de carroceria. Os movimentos do volante também são mais rápidos e exigem menos esforços, porque agora a direção não é mais hidráulica, e sim elétrica. Por outro lado, o motorista sente o peso dos 2.130 kg.

Em ultrapassagens, é preciso afundar o pé no pedal do acelerador para a Triton ganhar fôlego. Nos testes de Autoesporte, realizados no Rota 127 Campo de Provas, em Tatuí (SP), a marca de zero a 100 km/h foi alcançada em 11,5 segundos. Mas foi no dia seguinte que a nova Triton foi colocada à prova, como você verá a seguir. Para nosso alívio, em questão de segurança, ela é muito bem equipada. Traz sete airbags, alertas de ponto cego e de frenagem de emergência e controle de cruzeiro adaptativo (ACC).

Saímos de Barra Mansa às 7h. Até chegar ao início da RJ-155 — também chamada de Rodovia Saturnino Braga —, é preciso dirigir 4 km pela Rodovia Presidente Dutra. Nos primeiros quilômetros em uma das piores rodovias do Brasil, o asfalto é irregular, porém não é isso que chama a atenção. É praticamente impossível ler qualquer placa de sinalização.

Muitas estão totalmente enferrujadas ou cobertas pelo mato. A mais nítida delas avisa: “Atenção! Trecho com alto índice de acidentes”. O matagal invade as poucas áreas de acostamento da via, deixando um espaço mínimo (ou nenhum) para quem precisa parar o veículo em caso de emergência.

Pedaços de carros batidos e muito lixo espalhado também compõem o cenário — que, de forma contraditória, tem o belo Parque Nacional da Serra da Bocaina ao fundo. A velocidade máxima varia entre 40 km/h e 80 km/h. Como a sinalização é precária, meu auxiliar é o GPS do celular espelhado na central multimídia, que tem tela de 9 polegadas e conexões sem fio com Android Auto e Apple CarPlay.

Apesar da oscilação do solo, a Triton está no modo 2H (tração traseira) e dá conta do recado. As outras três opções de tração são: 4H (integral permanente), 4HLc (4×4 com diferencial central bloqueado e 50% de força em cada eixo) e 4LLc (4×4 com diferencial central bloqueado e reduzida).

Segundo a CNT, a classificação de estado geral da RJ-155 é péssima. Nos primeiros 25 km, as condições do asfalto oscilam, tendo até alguns trechos com boa pavimentação. As coisas começam a piorar no município de Rio Claro, mais precisamente na região de Lídice, perto do km 40 da RJ-155. De janeiro até a metade de fevereiro, quatro mortes foram registradas em acidentes nessa região.

No limite entre Rio Claro e Angra dos Reis, quando começa a descida da serra, a RJ-155 chega ao auge do perigo. E a Triton precisa mostrar serviço. É o momento de atravessar o primeiro túnel, o Saturnino Braga. O ambiente dentro dele é inóspito. Não há iluminação e o solo de paralelepípedo é totalmente irregular, com vários blocos soltos e incontáveis buracos. A umidade ali é tanta que cai água sobre o carro como se estivesse chovendo.

A velocidade média não passa de 20 km/h e, mesmo com a tração 4H ativada, a picape balança muito e a suspensão trabalha duro. A Triton Katana tem câmera com visão 360 graus e o condutor pode selecionar apenas as imagens da dianteira para ajudar a ver o que está à sua frente em meio à escuridão — mesmo assim, a visibilidade é difícil. Foi possível identificar que o motorista do Fiat Siena que vinha logo atrás sofreu um bocado para minimizar os danos inevitáveis que o impacto do solo trazia para o seu carro.

Em seguida, começa a descida da serra. A estrada é estreita e a maior parte do acostamento está encoberta por mato, assim como as placas de sinalização da via. A Triton é valente e filtra com maestria a péssima pavimentação, mas certamente o Siena — que já ficou para trás — não teve a mesma sorte.

Existem centenas de buracos remendados, e é óbvio que, em pouco tempo, aquelas pequenas crateras estarão abertas novamente. O fluxo de caminhões subindo e descendo a serra é intenso. E a falta de guardrails em várias curvas fechadas com um penhasco ao lado causa arrepios em qualquer motorista.

O segundo túnel — que não tem nome — possui mais de 100 metros de extensão e é ainda pior do que o primeiro. Uma curva fechada dentro dele e várias peças de carros espalhadas logo na saída deixam a situação mais delicada. Essas peças não negam que muitas batidas acontecem por ali. O ambiente hostil é o mesmo: sem luz, solo quase intransitável e velocidade média baixa.

Continuamos descendo a serra e a tensão se mantém até chegarmos ao último túnel, que tem as mesmas características dos dois anteriores. Conforme seguimos, o tempo fecha e receamos ficar pelo caminho. Todavia, isso não aconteceu e, enfim, a RJ-155 chegou ao fim na BR-101, perto da entrada de Angra dos Reis.

Seguimos nosso caminho até Paraty, a quase 100 km dali, e ainda encaramos um trecho de estrada de terra, que tinha um pouco de lama depois da chuva que caiu na região. A capacidade off-road da picape está mais firme do que nunca. Aliás, ao final do teste, a Triton aguentou a missão sem precisar trocar os pneus ou fazer qualquer tipo de reparo.

A RJ-155 é gerida pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER-RJ), que pertence ao governo estadual. A inauguração dessa estrada se deu em 1969, e o cenário de abandono mostra que boa parte dos 76 km ficou parada no tempo. Há um movimento dos moradores locais por uma reforma urgente da via. Autoesporte espera que esta reportagem possa reforçar a causa, pois a cada ano o estado da rodovia se torna mais precário.

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Fonte: direitonews

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