A posição do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o conflito entre Irã e Israel é um novo capítulo que afasta o Palácio do Planalto do segmento evangélico em meio às articulações com a Frente Parlamentar Evangélica. A tensão entre os dois países cresceu nesta sexta-feira (19) com um novo ataque ao Irã atribuído a Israel.
O segmento evangélico tem afinidade política e religiosa com o Estado judeu. Além disso, Israel abriga marcos históricos da Terra Santa que criam um vínculo cultural e religioso tanto com evangélicos como com diversos outros segmentos cristãos. Os evangélicos já tinham criticado Lula quando o presidente comparou a guerra de Israel contra terroristas ao nazismo na Segunda Guerra Mundial.
A crise atual começou quando Israel bombardeou uma embaixada iraniana na Síria no início do mês. A diplomacia brasileira reagiu de forma dura, denunciando mortes de funcionários diplomáticos e consulares. O alvo eram militares iranianos envolvidos com ações terroristas.
Quando o Irã atacou Israel com cerca de 300 mísseis e drones no último dia 13, o Itamaraty divulgou uma nota criticada por parlamentares por não conter uma condenação ao ataque – enquanto diversos países se manifestavam de forma severa contra o regime de Teerã. A diplomacia brasileira falou em “envio de drones” ao invés de bombardeio contra Israel.
Nesta sexta-feira, quando um ataque com mísseis balísticos a um sistema de radar no Irã foi atribuído a forças israelenses, o Itamaraty disse que “continua a acompanhar, com grave preocupação, episódios da escalada de tensões entre o Irã e Israel”. O Brasil também conclamou a comunidade internacional a mobilizar esforços para evitar uma escalada no conflito.
A crise internacional ocorre em um momento em que o governo busca dialogar com lideranças evangélicas para tentar frear a deterioração da imagem de Lula frente a evangélicos e católicos.
Responsável por presidir a Frente Parlamentar Brasil-Israel e a Frente Parlamentar Evangélica no Senado, o senador Carlos Viana (Podemos-MG) afirmou à Gazeta do Povo que a postura do governo “torna muito mais difícil” a aproximação entre o Planalto e os evangélicos.
“Nós não estamos interessados apenas em palavras, em discursos, nós estamos interessados em demonstrações claras de respeito à Constituição e principalmente o que nós acreditamos. Nós não queremos impor a ninguém o nosso pensamento, mas queremos ser respeitados em todos aqueles aspectos que entendemos como fundamentais para uma sociedade e entre elas o respeito, a amizade e a tradição que existe entre os cristãos e os judeus, e hoje o Brasil e Israel”, disse o senador.
Na leitura do cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o desgaste de Lula com os evangélicos está intimamente ligado ao abandono do governo brasileiro de uma postura tradicional de manter boas relações com Israel e com a Palestina.
“O Brasil reconhece tanto o Estado judeu quanto o Estado palestino. O afastamento do Brasil desse paradigma tão bem consolidado da política externa brasileira e as declarações em favor de um dos lados em disputa não são bem vistos por esses grupos”, afirmou Gomes.
Palácio escala ministros para aproximação com evangélicos
Com o desgaste causado pelas declarações de Lula sobre Israel e a crescente desaprovação entre evangélicos, o Palácio do Planalto se viu obrigado a dialogar com o grupo e escalou ministros para atuar junto aos congressistas.
Um levantamento publicado pelo instituto Quaest, em março, mostrou que a desaprovação do trabalho de Lula entre os evangélicos cresceu 6 pontos percentuais desde o último levantamento, em 2023, passando de 56% para 62%. Já a aprovação caiu 6 pontos percentuais, indo de 41% para 35%.
Mais do que aprovar propostas no Congresso, a aproximação com os evangélicos também visa diminuir a influência de Bolsonaro sobre o segmento. Em entrevista à BBC News, o ministro do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, disse que a aproximação com o segmento evangélico é prejudicada pelo que chama de “fábrica de mentiras” que difunde informações inverídicas sobre a atuação do governo.
“[O desafio] é como trabalhar respeitando a democracia em meio a essa onda de mentiras, fake news, que se espalham em redes sociais. Esse é o ponto. É como direcionar uma comunicação adequada, segmentada, para que as pessoas possam compreender a verdade sobre o que chega hoje para cada segmento como, por exemplo, o evangélico, a juventude, o agronegócio, empreendedores, a classe média, etc”, disse Dias.
Conflito ideológico impede aproximação do governo com FPE
Apesar do governo entender que a comunicação é um diferencial para angariar o apoio dos evangélicos, a leitura de parlamentares que transitam pelos salões do Congresso é de que a divergência ideológica entre governo e Frente Parlamentar Evangélica não possui solução. Enquanto um é a favor do Estado Palestino, o outro defende o Estado de Israel. Além disso, a defesa do governo em relação à pauta progressista, como o aborto, também pesa na relação.
A divergência em pautas de Segurança Pública, evidenciadas pela gestão de Flávio Dino e Lewandowski, também é outro ponto que incomoda o segmento religioso, que avalia a condução do governo permissiva para a criminalidade.
Um parlamentar da bancada que pediu para não ser identificado avaliou que o governo parece ainda não ter entendido a nova configuração do Legislativo, mais voltada para centro-direita. Ele cita que o PT deveria ter aprendido com o período em que o então deputado Eduardo Cunha era presidente da Casa. Na época, o parlamentar foi o forte opositor da liberação do aborto. “Aborto e regulação da mídia só serão votados passando por cima do meu cadáver”, disse após ser eleito para o comando da Casa, em 2015.
Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, o trabalho de comunicação feito pelo governo pode não surtir efeito. Ainda em abril, o Planalto lançou o programa “Fé no Brasil” com o objetivo de atrair o público evangélico para as realizações feitas pelo governo.
“Achar que é só uma questão de linguagem não irá resolver o problema. Ao mesmo tempo, a política externa em governos petistas é influenciada pelo próprio PT, que possui uma agenda mais de esquerda. Isso sempre vai ser um problema sério do governo Lula, e dos petistas em geral, em relação aos evangélicos”, disse Cerqueira.
Ele acrescentou que há uma “incompatibilidade de valores” entre os dois grupos. “Os evangélicos tendem a ser mais conservadores, principalmente em temas relacionados à valorização da família. Para mim esse é o cerne da disputa e, pessoalmente falando, acho muito difícil o PT conseguir acompanhar o movimento evangélico. Esse movimento tende a crescer de forma independente da política”, disse.
Pragmatismo pode falar mais alto na relação de Lula com bancada evangélica
Ao comentar a articulação política do Planalto com a Frente Parlamentar Evangélica, Gomes pondera que, no plano político, a relação entre Lula e os parlamentares pode ser contornada caso haja oferecimento de cargos e posições importantes no governo. Com a queda de popularidade nas pesquisas, o chefe do Executivo estaria planejando uma reforma ministerial e o aumento da participação evangélica é especulada nos bastidores do Congresso.
“Essa crise, ao meu ver, não é algo incontornável, porque o governo dispõe de recursos, verbas e todo tipo de benefício político. Políticos protestantes possuem grande interesse em determinadas permissões estatais. Por exemplo, dar concessões de rádio e televisão são de extremo interesse”, avalia o cientista político.
Por outro lado, Gomes faz uma diferenciação entre a negociação entre Lula e os parlamentares e a opinião do cidadão protestante sobre o governo. Para ele, chegar no público protestante será mais difícil.
“O governo pode abrir um canal de interlocução com os parlamentares através de uma postura mais pragmática. Mas, na pauta de costumes, o cidadão protestante, assim como as lideranças protestantes, é reticente. Ele é avesso ao grupo político de Lula”, acrescentou o professor.
Metodologia
A pesquisa Quaest ouviu eleitores de 120 municípios, entre 25 e 27 de fevereiro de 2024. O levantamento foi encomendado pela Genial Investimentos. A margem de erro é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos.
Fonte: gazetadopovo