BRASÍLIA, DF – A maioria dos integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) votou por manter a decisão do ministro Edson Fachin que suspendeu trechos de decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que flexibilizavam a compra de armas e de munições.
Fachin deu as decisões, de forma liminar (provisória e urgente), em três ações no último dia 5, sob o argumento de aumento do risco de violência política na campanha eleitoral.
Seguiram o voto de Fachin, até a tarde desta terça (20), os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e a presidente do Supremo, Rosa Weber.
O ministro Kassio Nunes Marques, porém, divergiu de Fachin e votou por manter os trechos dos decretos.
As ações são julgadas no plenário virtual do Supremo, em sessão extraordinária que começou na sexta-feira (16) e está prevista para ser encerrada nesta terça.
Os 11 integrantes da corte avaliam se mantêm as decisões de Fachin ou se elas serão derrubadas. Esse julgamento foi considerado de “excepcional urgência” pela presidente da corte.
No plenário virtual, os ministros depositam seus votos no sistema do Supremo durante um determinado período de tempo. Algum dos integrantes da corte pode interromper a votação ao pedir vista (mais tempo para análise) ou destaque (que leva o caso para o plenário físico). Também podem mudar os seus votos até o fim da sessão.
A decisão de Fachin repercutiu negativamente em grupos armamentistas e entre os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Nos últimos dias foram compartilhados relatos de pessoas com dificuldade para conseguir a liberação do Exército.
Também acirrou a relação do Judiciário com o governo do presidente Jair Bolsonaro.
Fachin atendeu aos pedidos de forma liminar em três ações, duas do PSB e uma do PT, contra trechos de decretos e portarias do governo Jair Bolsonaro que flexibilizavam essa possibilidade. Ele é o relator desses processos.
De acordo com as decisões do ministro, a posse de arma de fogo só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem concretamente a efetiva necessidade, por razões profissionais ou pessoais.
Já a aquisição de armas de fogo de uso restrito só deve ser autorizada no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal.
Os processos foram protocolados no Supremo entre 2019 e 2020 e pautados para o plenário virtual ainda no primeiro semestre de 2021.
À época, Fachin preferiu não decidir de forma individual, mas tentou construir uma maioria entre os 11 ministros do Supremo em torno de uma decisão sobre o tema.
No entanto, em 17 de setembro passado, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista (mais tempo para análise) e paralisou o julgamento um período indefinido. Kassio foi o primeiro indicado de Bolsonaro ao Supremo.
Os partidos que ingressaram com as ações, PSB e PT, pediram que Fachin, então, decidisse o caso de forma individual e não esperasse o retorno do pedido de vista de Kassio. Foi o que ele fez no último dia 5.
Ao decidir, ele fez referências à quantidade de tempo que o colega levou com o processo em suas mãos.
“Conquanto seja recomendável aguardar as contribuições, sempre cuidadosas, decorrentes dos pedidos de vista, passado mais de um ano e à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência política, cumpre conceder a cautelar a fim de resguardar o próprio objeto de deliberação desta corte”, disse Fachin.
“Noutras palavras, o risco de violência política torna de extrema e excepcional urgência a necessidade de se conceder o provimento cautelar.”
Ao votar de forma divergente a Fachin nesta terça, Kassio argumentou que o direito de autodefesa é um meio e consequência natural da proteção do direito constitucional à vida.
“As recentes manifestações populares, mormente as do último 7 de Setembro, reuniram milhares, quiçá milhões, de pessoas em diversas cidades do país, mas não se teve notícia de qualquer episódio violento, sobretudo com uso indevido de arma de fogo”, afirmou o ministro.
Em seu voto, ele afirmou que o filósofo francês Montesquieu “o grande idealizador da separação dos três Poderes, que influenciou e continua a influenciar diversas Constituições” foi “grande defensor das liberdades individuais, tendo se manifestado, a respeito da legítima defesa”.
“Portanto, privar o cidadão de possuir arma de fogo, a meu ver, representa um afastamento da promessa feita pela Constituição de proteger seu plexo de direitos constitucionais (tais como os direitos à vida, à saúde e à liberdade, entre tantos outros). Daí por que sou pelo entendimento de que o direito de defender a própria vida (e a de seus familiares) é direito-meio para proteção do direito à vida”, afirmou.
Também acrescentou que a suspensão da vigência dos decretos às vésperas da eleição não surte qualquer eficácia. “Diversamente do que se possa imaginar, o cidadão não consegue ir à loja, adquirir uma arma de fogo e levá-la consigo no mesmo dia”, disse o ministro.