Via @sintesecriminal | O Supremo Tribunal Federal reconheceu a mora legislativa do Congresso Nacional e decidiu estender a proteção da Lei Maria da Penha a homens em relacionamentos homoafetivos e a mulheres transexuais e travestis em situação de violência doméstica ou familiar.
O que aconteceu
A Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH) impetrou um Mandado de Injunção Coletivo contra o Congresso Nacional, alegando omissão legislativa na proteção de homens GBTI+ vítimas de violência em relações homoafetivas.
A ação argumentou que, pela interpretação dominante nos tribunais, a Lei Maria da Penha só é aplicável quando a vítima é mulher, deixando homens gay, bissexuais e transgêneros desprotegidos em casos de violência doméstica. A ABRAFH sustentou que essa omissão viola o dever constitucional do Estado de proteger todas as famílias contra violência, conforme estabelecido no art. 226, §8º da Constituição Federal.
Dados apresentados pela associação demonstraram a existência significativa de violência doméstica entre casais homoafetivos masculinos. Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, 12,5% das vítimas de violência doméstica entre a população LGBTQIA+ eram homens gays.
O que o STF decidiu
O voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi o vencedor.
Em sua fundamentação, o ministro destacou que a comparação entre o consenso nacional e internacional sobre medidas necessárias para proteção contra violência doméstica nas relações homoafetivas e a legislação nacional atual demonstra “a existência de significativa omissão constitucional do Poder Legislativo (brasileiro)”.
No voto, Moraes enfatizou que “considerando que a Lei Maria da Penha foi editada para proteger a mulher contra violência doméstica, a partir da compreensão de subordinação cultural da mulher na sociedade, é possível estender a incidência da norma aos casais homoafetivos do sexo masculino, se estiverem presentes fatores contextuais que insiram o homem vítima da violência na posição de subalternidade dentro da relação.”
O ministro também invocou o princípio da igualdade, afirmando que “há uma responsabilidade do Estado em garantir a proteção, no campo doméstico, a todos os tipos de entidades familiares.” Apontou ainda que “a não incidência da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos masculinos e às mulheres travestis ou transexuais nas relações intrafamiliares pode gerar uma lacuna na proteção e punição contra a violência doméstica.”
Moraes ressaltou ainda a questão da identidade de gênero como um dos aspectos da personalidade, protegida pelo valor maior da dignidade da pessoa humana. Em suas palavras, existe “a subsistência de um discurso e uma prática que tentam reduzir a mulher – e as pessoas que se identificam socialmente com o gênero feminino ou de alguma forma ocupam esse papel social – e naturalizar preconceitos de gênero existentes até os dias atuais.”
Por fim, o ministro concluiu seu voto concedendo a ordem para “reconhecer a mora legislativa e determinar a incidência da norma protetiva da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos do sexo masculino e às mulheres travestis ou transexuais nas relações intrafamiliares”.
Os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Edson Fachin, apesar de acompanharem o relator, apresentaram ressalvas para que a analogia se limite à aplicação das medidas protetivas, não podendo se estender a sanções penais, em respeito ao princípio da legalidade.
A decisão do STF evidencia a expansão da proteção legal para abranger grupos vulneráveis que até então não tinham acesso às medidas protetivas da Lei Maria da Penha, seguindo a tendência de interpretação mais ampla do conceito de gênero, já adotada em outros casos pelo tribunal.
As ressalvas
Fotos: reprodução/STF.
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o voto do relator, mas fez ressalvas. Em seu voto, Zanin reconheceu a omissão legislativa quanto à proteção de homens em relacionamentos homoafetivos que são vítimas de violência doméstica, concordando que o Estado deve criar mecanismos que protejam as pessoas vulneráveis nessas relações.
Contudo, fez uma distinção técnico-jurídica ao afirmar que “o emprego de analogia aos casos aqui debatidos deve se limitar à possibilidade de aplicação de medidas protetivas de urgência a homens em relações homoafetivas, não se podendo admitir, por analogia, a aplicação ou agravamento de qualquer sanção de natureza penal cujo tipo de referência tenha como pressuposto a vítima mulher.”
O ministro fundamentou sua ressalva no princípio da legalidade penal, explicando que “o direito penal não permite o uso da analogia in malam partem, sob pena de se violar o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inc. XXXIX, da Constituição e no art. 1º do Código Penal.”
Zanin esclareceu ainda que “seriam aplicáveis a esses casos apenas os arts. 18 a 23 da Lei n. 11.430/2006, excluída a possibilidade de aplicação da sanção prevista no art. 24-A da Lei Maria da Penha”, que trata do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência.
Os ministros André Mendonça e Edson Fachin aderiram às ressalvas.
Referência: Mandado de Injunção 7452.
Clique aqui para ler o voto do ministro Alexandre de Moraes.
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Fonte: @sintesecriminal