Quanto de soja o Rio Grande do Sul perdeu por conta das históricas enchentes que destruíram o estado? Impossível saber por enquanto. Impossível saber e, ao menos agora, impossível mensurar diante do tamanho da tragédia em todos os espectros. Em primeiro lugar, porque o emocional e o psicólogico dos produtores rurais estão devastados; segundo porque muitos deles não podem nem ao menos acessar suas propriedades para fazerem o levantamento dos prejuízos; e, terceiro, porque além do que foi nos campos, a força da água e a fermentação dos grãos que estavam nos silos fez com que centenas de estruturas se rompessem, promovendo uma perda ainda mais intensa destes volumes.
Algumas das imagens que mais chocaram o agronegócio brasileiro nos últimos dias foram os silos da Bianchini S.A., na planta de Canoas, onde pelo menos 100 mil toneladas de soja se perderam.
A empresa é um nome de referência no setor, em especial no estado do Rio Grande do Sul, responde pela comercialização de cerca de 2,5 milhões de toneladas de soja por ano, respondendo pelos negócios com 14% da safra gaúcha, 2% da safra nacional, além de responder pela venda de 1 milhão de toneladas ao ano do grão de soja in natura. Além disso, a companhia ainda gera mais de mil empregos diretos.
No portal da empresa, os números dão conta de que a unidade de Canoas abriga a fábrica 1 – com a segunda ficando em Rio Grande, onde problemas também foram registrados – e uma indústria que responde pela capacidade armazenadora de 11 mil m³ de óleo; 335 mil toneladas de grãos; 24 mil m³ de biodiesel e 5 mil m³ de glicerina. A capacidade produtiva aponta ainda para o esmagamento de 800 mil toneladas de soja e 380 mil m³ de biodiesel por ano.
Além da Bianchini, outras gigantes do agronegócio também registraram um comprometimento expressivo de suas atividades no Rio Grande do Sul, incluindo as plantas da Bunge e da Cargill.
Se a dimensão de tudo o que ainda está acontecendo no estado é difícil de ser registrada por quem acompanha o cenário de perto, aqui no Brasil, para os profissionais que monitoram o caso de outras partes do mundo – já que a certa redução na oferta gaúcha acertou em cheio o mercado global da oleaginosa – as dúvidas são ainda mais latentes.
Segundo relato de Aaron Edwards, consultor de mercado do Sistema Manacial, ao Notícias Agrícolas, direto de Boca Raton, na Flórida, muitas mensagens chegaram ao seu celular, com agentes do mercado – de produtores a traders – querendo entender o real tamanho do problema. Dessa maneira, os cálculos que todos fizeram foi do quanto o Rio Grande do Sul costuma produzir; quanto estava projetado para estava safra; percentual de área colhida; além do quanto do que não foi colhido está perdido, o quanto do que está armazendo está perdido, além da questão da qualidade desta soja a partir deste momento.
“Então, nesta ótica, grupos mais robustos passaram o último final de semana com econometristas, climatologistas, para tentar mensurar se é um prejuízo para o mercado de dois milhões ou cinco milhões de toneladas. Mas, todos chegaram a um consenso de que deve ser algo entre estes dois e cinco milhões de toneladas de redução na oferta, sendo uma redução permanente ou pelo menos de atraso de chegada ao mercado”, explica Edwards. “Agora, precisamos saber se isso será exportado dos EUA, se os excedentes de soja de outras regiões do Brasil vão conseguir suprir essa carência de forma que isso não apareça no mercado internacional? O choque inicial tivemos nos pregões se iniciando em uma quinta-feira, depois se estendendo por mais uma semana.
Assim, daqui para frente, ainda segundo o consultor, o que o mercado vai buscar entender daqui em diante é como será a falta desta soja, em qual volume e quais serão as alternativas para “tapar este buraco”, se por soja dos EUA ou de outros fornecedores. “E esta confirmação é mais lenta, semana a semana, uma notícia estrutural. Até agora, tem sido uma notícia suficiente para dar suporte aos preços, só não para fazer os preços subirem mais”, detalha.
Nesta semana, na Bolsa de Chicago, as cotações da soja têm caminhado de forma mais lateral, sem movimentos muito intensos, mas ainda acima dos US$ 12,00 por bushel. Já no mercado brasileiro, os preços apresentaram um ganho mais consistente, com altas – nos 10 dias – de R$ 5,00 a R$ 7,00 por saca, como explica o analista da Safras & Mercado, Luiz Fernando Gutierrez. O quanto esta situação vai seguir impactando o mercado, no entanto, ainda é incerto.
“Ainda é difícil de quantificar, qualquer número dito agora é um número preliminar. O que temos dito desde a semana passada e continuamos a dizer é que olhando a área a ser colhida ainda, estimamos que em torno de cinco milhões de toneladas de soja estão em risco. Não foram todas as áreas que foram afetadas, a colheita está mais atrasada no sul do estado e o sul do estado foi menos afetado. Nestas regiões mais ao norte, temos esse problema dos silos que também foram afetados. E estas perdas são ainda mais difíceis de estimar porque é muita coisa, são várias áreas que têm que ser analisadas. Mas, o grosso ainda estava no campo, e grande parte dos cortes serão de áreas que foram perdidas, não colhidas, ou colhidas com muita umidade, grãos avariados, e somar estas perdas de silos”, relata o analista, direto de Porto Alegre.
Serão necessárias ainda semanas para que números mais assertivos possam ser divulgados, e ainda assim, continuarão a ser ajustados. Em seu boletim reportado nesta terça-feira (14), a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) trouxe um novo reajuste na safra 2023/24 de soja do Brasil, porém, fazendo um adendo sobre o impacto das perdas no sul para o seu último número.
“Em virtude dos ajustes de área e produtividade, neste levantamento, caso a condição de catástrofe climática não tivesse ocorrido no Rio Grande do Sul, a produção brasileira de soja, estimada nesse levantamento, seria superior a 148,4 milhões de toneladas. No entanto, a estimativa atualizada de produção da oleaginosa é de 147,68 milhões de toneladas, redução de 4,5% sobre a safra anterior”, afirma a companhia.
A Conab ainda estima a safra gaúcha em 21,431,2 milhões de toneladas, com um rendimento médio de 52,8 sacas por hectare. Caso este número se confirmasse, o que já é sabido que não acontecerá, a safra seria 64,6% maior do que a 2022/23, que sofreu duramente com a estiagem e os efeitos do La Niña. O que poderia ser a melhor colheita de soja do Rio Grande do Sul agora é, por enquanto, uma grande incógnita.
Fonte: noticiasagricolas