Política

Soberania nacional pode passar por controle sobre dados de usuários na Internet, afirma analista

Percentagem de opiniões

A inteligência artificial se tornou a mais nova ferramenta em disputa pelas grandes empresas de tecnologia do mundo. As gigantes do setor não poupam esforços e investimentos para aprimorar os algoritmos das IAs, que são capazes de transformar um comando de texto de um usuário em um vídeo ou até possibilitar a operação de caminhões autônomos em uma indústria mineradora na China.
Com um poder de processamento cujo limite ainda é desconhecido, a inteligência artificial virou alvo de debates políticos. Não só sobre como e quando utilizar a tecnologia, mas como gerenciar os algoritmos para não reproduzirem opiniões preconceituosas, no caso dos modelos generativos; ou não identificarem grupos de pessoas para entregar notícias tendenciosas às vésperas de uma eleição, por exemplo.
Diante da importância crescente das IAs, os líderes do BRICS divulgaram uma declaração durante a cúpula do Rio de Janeiro, no início deste mês, sobre Governança Global da Inteligência Artificial. O agrupamento pede que haja uma estrutura definida sobre a tecnologia, com liderança das Nações Unidas, respeitando uma inclusão com “o direito de todos os países de usufruir dos benefícios da economia digital e das tecnologias emergentes”.
A declaração também defende a abertura dos códigos de desenvolvimento das IAs, a proteção de dados pessoais e a redução do impacto ambiental enquanto aperfeiçoamento da tecnologia, além do combate a vieses algorítmicos.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Henrique Sá Earp, professor do Departamento de Matemática da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), gestor executivo do Instituto Brasileiro de Ciência de Dados (BI0S, em inglês) e vice-diretor do Centro Brasileiro de Geometria (CBG), explica que as inteligências artificiais vão muito além dos cada vez mais populares modelos generativos, como ChatGPT e Grok.
O especialista destaca que as grandes empresas que controlam os dados de milhões de usuários, como a Meta (cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas), estão concentradas sobretudo nos Estados Unidos, o que cria “consequências geopolíticas”.

“Na hora que o presidente do Brasil se interessa nesse tema, ele está enxergando que as big techs, que esse modelo de negócio delas, adquire uma ingerência enorme na maneira como o mercado dos países onde elas operam funciona.”

Earp destaca ainda que esses dados podem ser utilizados não só para relações comerciais, mas também em assuntos políticos. O professor da Unicamp cita o caso do Facebook (plataforma proibida na Rússia por extremismo) e da Cambridge Analytica, um escândalo no qual dezenas de milhões de pessoas tiveram informações pessoais utilizadas para fins eleitorais.

“Quando [as big techs] passam a ter uma atuação política, onde elas mapeiam os modelos preditivos, o comportamento das pessoas enquanto cidadãos, isso se torna uma questão de análise de soberania.”

A matéria-prima

O que o plástico, a gasolina e um brinquedo de criança têm em comum? Todos eles são derivados do petróleo. Assim como o ouro negro é capaz de ter diferentes finalidades, os dados de usuários de redes sociais podem ser manipulados para diferentes propósitos.
A matéria-prima da inteligência artificial, por sua vez, são as informações dadas ao deixar uma curtida, comentar um post ou clicar em um link para comprar uma roupa, por exemplo. Ao usar a Internet, o usuário vai deixando rastros, utilizados para formar um perfil do sujeito.
Earp alerta para uma tendência de mais-valia digital na atualidade. Enquanto as pessoas alimentam as big techs com informações, estas treinam as inteligências artificiais para produzirem modelos preditivos que entregam aos usuários indicações do que comer, do que comprar, do que vestir. Em troca, o internauta recebe recompensas subjetivas, como a dopamina gerada pelos likes ou a satisfação de usar um aplicativo.
“As big techs pegam esses dados e agregam valor produzindo modelos preditivos capazes de gerar uma economia trilionária. E quanto que ela te paga? Quanto desse valor ela devolve para você que produziu os dados? Zero. Nada.”
O fato de as grandes empresas de tecnologia estarem nos países hegemônicos coloca grande parte do mundo na posição de mero gerador de dados brutos. Com exceções como China e Rússia, essa relação de poder, no contexto das inteligências artificiais, reforça o “papel de subalterno” do Sul Global.

“Vence a corrida da IA quem conseguir se apropriar do valor gerado pela agregação dos dados. Seja isso na empresa — se você pensar na lógica das big techs —, seja em um Estado-nação — se você pensar nos países onde essas empresas estão situadas —, seja na população global — se ela se der conta de que ela que é a produtora de dados.”

Para Earp, países do Sul Global, como o Brasil, não estão muito atrás na corrida de desenvolvimento de inteligências artificiais. Mas, para entrar de vez na disputa com as grandes empresas de tecnologia, é preciso investimento em diferentes setores, sobretudo em educação.

“Precisamos de um ecossistema tecnológico que envolva um ambiente favorável à inovação: alto nível educacional de uma certa parcela da população nesse segmento; disponibilidade de investimento, de servidores; capacidade computacional; um ambiente regulatório que dê clareza sobre o que pode e o que não ser feito.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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