A Via Láctea, com suas mais de 100 bilhões de estrelas, sempre representou um desafio colossal para os astrofísicos. Cada estrela percorre um caminho próprio de nascimento, vida e morte, e reproduzir essa diversidade em uma simulação completa da galáxia parecia, até recentemente, uma meta inalcançável. O sonho de criar um “gêmeo digital” da nossa galáxia esbarrava em limites computacionais que tornavam a tarefa impraticável.
Esse cenário começou a mudar com o trabalho de Keiya Hirashima e sua equipe no Centro de Ciências Teóricas e Matemáticas Interdisciplinares do maior instituto nacional de pesquisa científica do Japão, o RIKEN. Eles anunciaram uma conquista inédita: uma simulação capaz de representar cada uma das 100 bilhões de estrelas da Via Láctea ao longo de 10.000 anos de tempo galáctico. O feito foi apresentado na Conferência de Supercomputação deste ano e marca um avanço histórico na astrofísica.

Hubble captura aglomerado no coração da Via Láctea.

Imagens frontais (E) e laterais (D) de um disco galáctico de gás. Essas imagens da distribuição de gás após uma explosão de supernova foram geradas por um modelo substituto de aprendizado profundo.
Hubble captura aglomerado no coração da Via Láctea.
Imagens frontais (E) e laterais (D) de um disco galáctico de gás. Essas imagens da distribuição de gás após uma explosão de supernova foram geradas por um modelo substituto de aprendizado profundo.
O desafio não estava apenas na escala, embora os números sejam impressionantes. Até então, as simulações mais avançadas conseguiam lidar com cerca de um bilhão de massas solares, o que equivalia a aglomerados de aproximadamente 100 estrelas. Isso diluía eventos individuais, como explosões de supernovas, que acabavam perdidos no ruído estatístico.
Para capturar fenômenos estelares singulares, seria necessário reduzir os passos de tempo da simulação, tornando-os curtos o suficiente para registrar mudanças rápidas. Mas essa solução exigia poder computacional exponencialmente maior. Usando métodos convencionais, simular a Via Láctea com resolução de estrela individual demandaria 315 horas de supercomputador para cada milhão de anos de evolução, o que equivaleria a 36 anos de tempo real para apenas um bilhão de anos simulados.
A equipe percebeu que aumentar o número de processadores não resolveria o problema, já que a eficiência caía drasticamente e o consumo de energia disparava. A saída veio de um modelo de aprendizado profundo. Treinada com simulações de alta resolução de supernovas, a IA aprendeu a prever a expansão do gás nos 100.000 anos seguintes a uma explosão, funcionando como um atalho para lidar com a física rápida em pequena escala.
Esse recurso permitiu que a simulação acompanhasse, ao mesmo tempo, a dinâmica galáctica em larga escala e os eventos estelares individuais. O ganho de desempenho foi extraordinário: o que antes levaria 36 anos agora pode ser concluído em apenas 115 dias. Testes realizados nos supercomputadores Fugaku, do RIKEN, e Miyabi, da Universidade de Tóquio, confirmaram a precisão dos resultados em uma escala sem precedentes.
Mais do que um avanço na astrofísica, essa abordagem abre caminho para outras áreas científicas como a ciência climática, a previsão meteorológica e a dinâmica oceânica, que enfrentam desafios semelhantes demonstrando que a integração entre IA e simulações físicas pode transformar a forma como modelamos fenômenos complexos.
Fonte: sputniknewsbrasil








