O Senado foi forçado a tomar a dianteira na busca de recursos para garantir a continuidade da desoneração previdenciária da folha de salários para 17 setores econômicos e milhares prefeituras, ampliando o desgaste na relação do Congresso com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com isso, o Palácio do Planalto perdeu de vez o protagonismo na construção de uma saída negociada para a grave insegurança jurídica que se arrasta desde 2023 e ainda pode reavaliar gastos.
Após a devolução parcial na semana passada pelo Congresso da medida provisória (MP) apelidada de “MP do Fim do Mundo”, com a qual o governo esperava arrecadar R$ 29 bilhões em tributos, líderes partidários e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), assumiram o compromisso de apresentar um pacote com alternativas. As propostas serão reunidas em um projeto de lei do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), com Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, como relator.
A iniciativa legislativa cumpriria então com o que determina o acordo entre Executivo e Legislativo, mediado e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que expira na próxima semana, para cumprir a norma constitucional de indicar fontes extras para cobrir renúncias de receitas não previstas no Orçamento da União. Para isso, o texto precisa ser aprovado nos próximos dias no Senado e também na Câmara, para encerrar o longo impasse e a desoneração da folha continuar vigendo.
Parlamentares correm contra o relógio para fechar o pacote da compensação
A prorrogação do benefício fiscal até 2027 tem gerado sucessivos atritos entre Executivo e Judiciário e passou a envolver também o Judiciário nas últimas semanas. Os tensos confrontos institucionais resultaram em veto presidencial ao projeto amplamente apoiado por deputados e senadores, que foi depois derrubado, além de duas medidas provisórias revogadas ou devolvidas pelo Congresso, ainda que parcialmente. O tema também foi parar no STF, que resultou em um acordo pela reoneração gradual da folha de pagamentos a partir de 2025.
Na terça-feira (11), o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou a impugnação de parte da MP 1.227/2024, que restringia a compensação de créditos das contribuições tributárias ao PIS/Pasep e à Cofins, batizada de “MP do Fim do Mundo”. “Não adianta dar com uma mão e tirar com a outra, fazendo uma política pública da desoneração por um lado e aumento de alíquota para quem produz do outro”, disse Efraim Filho.
Para Leandro Gabiati, cientista político e diretor da Dominium Consultoria, o papel do Congresso na busca por uma solução para compensar a desoneração da folha de salários é crucial, retornando naturalmente aos parlamentares, já que a ideia de prorrogar o benefício partiu do próprio Legislativo. “Logicamente, o governo se desgastou muito com a MP 1227, recebendo uma clara reação política contrária”, disse.
Propostas analisadas somam valores em patamar inferior ao desejo do governo
Entre as propostas sob análise dos senadores para compensar a desoneração, destaca-se o aproveitamento do recém promulgado PL 914/2024, que prevê incentivos a veículos menos poluentes e a chamada “taxação das blusinhas”, que incide sobre produtos importados de até US$ 50.
Outras medidas incluem a recuperação de ativos financeiros e uma nova renegociação, com descontos e refinanciamentos, para a cobrança de multas impostas por agências reguladoras. Pode entrar no pacote também o projeto de lei o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert). De autoria do próprio Pacheco, o texto está em análise na Câmara.
Um dos principais projetos em discussão é o PL 721/2024, que propõe que valores não resgatados do Sistema de Valores a Receber (SVR) sejam destinados à Conta Única do Tesouro, com uma receita estimada de R$ 5,2 bilhões. Outras fontes de receita incluem a atualização de bens no Imposto de Renda (R$ 2,2 bilhões) e a repatriação de recursos do exterior (R$ 3,2 bilhões).
Apesar dessas medidas, as projeções somam R$ 16,8 bilhões, ainda aquém dos R$ 26,3 bilhões necessários pelas contas do governo. Os senadores, contudo, acreditam que o montante já é suficiente para compensar as perdas deste ano e até o líder Jaques Wagner acha razoável.
“São ideias postas à mesa. Não quer dizer necessariamente que é o que vai estar presente no relatório. Caberá ao relator fazer escolhas”, disse Efraim.
Lula apoiou Haddad para conter boatos sobre eventual saída do ministro
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tem enfrentado forte pressão do mercado financeiro e de setores políticos desde a edição da “MP do Fim do Mundo”. Em meio a isso, Lula procurou defender suas iniciativas dos ataques especulativos, afirmando que o governo já havia proposto a reoneração para equilibrar as contas públicas, mas que a proposta não foi aceita pelos setores beneficiados e pelo Congresso.
“Se não houver acordo, vai acabar a desoneração, que era o que eu queria, por isso que eu vetei naquela época”, disse Lula em Genebra, Suíça, na quinta-feira (13).
“Agora a bola não está mais na mão do Haddad, está na mão do Senado e dos empresários. O Haddad tentou encontrar uma solução, mas não aceitaram. Agora, encontrem uma solução”, concluiu o presidente. Ele também afastou suspeitas de que Haddad poderia deixar o governo, elogiando-o como um “extraordinário ministro”.
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), afirmou nesta segunda-feira (17) que as propostas do Senado para compensar a renúncia fiscal pela desoneração da folha de pagamentos podem fazer parte das medidas, mas é necessário ter ao menos uma proposta que garanta recursos para os próximos anos, além de 2024.
“Podem surgir novas propostas que componham a cesta, mas precisa ter algo que seja perene e dure o tempo necessário da reoneração gradual”, disse Padilha, após reunião com Lula e líderes do governo no Congresso.
Haddad sugere nova fonte de receita com pressão sobre “devedores contumazes”
Delegando a solução ao Congresso quando afirmou não ter “plano B” para a “MP do Fim do Mundo”, que restringia compensações de créditos tributários, Haddad sugeriu publicamente um projeto para punir empresas devedoras contumazes, que poderia recuperar até R$ 140 bilhões em tributos não pagos.
Segundo o projeto, empresas com indícios de planejamento fiscal abusivo ou dívidas superiores a R$ 15 milhões sem garantia seriam classificadas como devedoras contumazes e impedidas de participar de programas de renegociação de dívidas. Empresas adimplentes seriam beneficiadas com condições especiais para refinanciamento.
A MP do Fim do Mundo surpreendeu membros do governo, do Congresso e do setor privado, gerando fortes reações. Diante das pressões, Lula se reuniu nesta segunda-feira (17) com Haddad e as ministras do Planejamento, Simone Tebet, e da Gestão, Esther Dweck, além do chefe da Casa Civil, Rui Costa, para discutir revisão de gastos e o fechamento do Orçamento de 2025. Ao final do encontro, Haddad afirmou que Lula está preocupado com nível das renúncias fiscais, mas nenhuma sinalização de corte de gastos foi feita pelos ministros.
Fonte: gazetadopovo