No episódio desta terça-feira (26) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, as origens da crise do Líbano foram investigadas por especialistas em Oriente Médio, desde a sua saída das mãos do Império Otomano, seu tempo enquanto colônia francesa à ressurgência do conflito com Israel no final de 2023.
Como está o Líbano?
Envolto há décadas em problemas políticos e econômicos, como o assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005, o Líbano pode ser considerado hoje um “não-Estado”, segundo o pensamento de intelectuais libaneses atuais, como Amal Saad-Ghorayeb, diz à Sputnik Brasil a pesquisadora de Oriente Médio, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e membro do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais Karime Cheaito.
Segundo Cheaito, é possível traçar um vínculo desde o Império Otomano até o momento atual, de modo a explicar “de onde chegamos e porque chegamos onde chegamos”. No entanto, além de analisar essas questões estruturais, vale a pena também analisar o cenário conjuntural.
“Desde os anos 2000, o Líbano estava vivendo sucessivas crises políticas e econômicas que vão desembocar com o seu auge em 2019.”
Nesse ponto, a pesquisadora destaca alguns fenômenos recentes: a inadimplência do setor público e o crescimento da dívida; o problema de liquidez do setor bancário e o consequente bloqueio de saques; a estagnação econômica do país; e a crise política gerada pela falta de um presidente — eleito pelo Parlamento — que atingiu o país entre 2014 e 2016 e depois de 2022 até os dias de hoje.
Além disso, aponta Cheaito, o país passou por momentos críticos no passado recente, como a Revolução dos Cedros em 2005, ocorrida por conta do assassinado de Hariri e que viu a saída da ocupação síria do país; a crise do lixo de 2015, que aconteceu pelo fracasso do governo em endereçar o fechamento do aterro de Beirute; as manifestações tardias da Primavera Árabe, que ocorreram em 2019 e, por fim, a explosão do porto em 2020.
O Líbano, esclarece Najad Khouri, economista, MBA em relações internacionais e pesquisador sênior do Grupo de Estudos de Pesquisas do Oriente Médio (GEPOM), é um país com pequena extensão territorial, cerca de 220 km de comprimento. “Em termos de área geográfica, tem 10 mil km²”, ou seja, uma área menor que o estado do Rio de Janeiro.
De acordo com Khouri, por sua baixa extensão, o país sempre foi muito dependente de seus vizinhos para obter produtos essenciais. “É um país sem recursos, cuja população tem uma tendência a sair para o exterior […]. Os recursos próprios libaneses são os próprios libaneses.”
A frase do pesquisador tem dois sentidos. O primeiro é que como “o Líbano não tem indústria pesada, não tem indústria leve e importa tudo praticamente”, muitas das divisas do país são oriundas de emigrantes libaneses.
Já o segundo aponta para a vocação de serviços do país, que, com pouco território, possui uma riqueza muito grande na área de serviços, com hospitais e universidades de referência no mundo árabe, além de um enorme potencial de turismo e um setor bancário que, até certo ponto, foi um paraíso fiscal muito forte.
“O Líbano tem um segredo bancário, pode entrar qualquer dinheiro do mundo inteiro e ninguém pergunta de onde vem esse dinheiro.”
A ingerência francesa
Muitos desses problemas do Líbano podem ser traçados para uma causa: o sistema de governo sectário, alertam ambos os analistas.
Atualmente, o governo do Líbano é organizado de uma forma a dividir o poder entre as grandes correntes religiosas do país: os muçulmanos, xiitas e sunitas, e os cristãos maronitas, explica Khouri.
“A presidência da república tem que ser cristão maronita […], o primeiro-ministro tem que ser muçulmano sunita, e o chefe do parlamento tem que ser muçulmano xiita.”
Essa divisão sectária de governo, contudo, nem sempre aconteceu. Pelo contrário, essa divisão sectária foi imposta quando o país se tornou um protetorado da França após a Segunda Guerra Mundial. “O sectarismo é um modo de relação social e política moderno”, diz Cheaito.
Esse modo de governo sectário, explicita ela, “significa que as identidades religiosas são transportadas para a esfera política e se tornam identidades políticas”.
“A partir do momento em que a França politiza essas identidades religiosas, diversos problemas vão começar a acontecer.”
Essa divisão pode ser insuficiente para explicar todos os problemas do Líbano, uma vez que, primeiramente, “esses grupos não são homogêneos”, diz Cheaito. E, em segundo lugar, questões como o problema financeiro e a estagnação industrial ocorrem por outros fatores, mas ainda assim o sectarismo ainda se encontra refletido em muitos aspectos do dia a dia político do país.
É por conta dessa divisão, atenta Khouri, que os políticos libaneses acabam trabalhando apenas para suas próprias bases eleitorais em detrimento de um Líbano unido. “Cada um defende a sua parte em detrimento do interesse dos outros.”
“Não está havendo um diálogo construtivo, está havendo um diálogo destrutivo.”
Cada grupo político libanês também é influenciado externamente por grupos muitas vezes opostos. O Irã, por exemplo, tem bastante influência sobre os muçulmanos xiitas do país, enquanto a Arábia Saudita “tem uma influência muito grande sobre os sunitas de Beirute e de Trípoli, que também forma uma inteligência, uma força econômica e política muito grande”, afirma Khouri.
Já a parte cristã do Líbano busca sua referência externa na França, antigo poder colonial e um dos maiores parceiros europeus do país do Levante. “Quando houve a crise do Porto, Macron foi imediatamente para Beirute.”
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Fonte: sputniknewsbrasil