1964 foi um ano conturbado no Brasil. No fim de março, os militares tomaram o poder (e lá permaneceram até 1985), a economia ia mal, com inflação acima dos 92%, e iria piorar com 242% nos anos seguintes. Greves pipocavam e cidadãos contrários ao regime eram perseguidos. Nas artes, Roberto Carlos alcançava o topo das paradas com “O Calhambeque” e Glauber Rocha lançava um dos marcos do Cinema Novo, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Lá fora, quatro rapazes iniciavam o movimento que mudou os padrões de comportamento em todo o mundo, a “beatlemania”.
Eu tinha oito anos e minha melhor lembrança daquele 1964 foi a visita ao Salão do Automóvel de São Paulo, no Pavilhão Internacional do Parque Ibirapuera. Era a quarta edição da mostra e, para mim, ver automóveis expostos sob as luzes era mais divertido que o Salão da Criança, a exposição da indústria de brinquedos realizada entre 1961 e 1975.
O salão de 1964 mostrava os Fuscas, Kombis, Vemaguetes e Gordinis que víamos nas ruas, mas também o Brasinca 4200 GT, a “vedete da mostra”, como noticiavam os jornais. Era um carro impressionante.
O 4200 GT, que aparecia pela primeira vez para o público, foi o projeto mais ousado do designer e professor Rigoberto Soler, um espanhol radicado no Brasil. Tinha 4,35 metros de comprimento, carroceria moldada em aço, a estrutura era monobloco com chassi de vigas ocas, o câmbio tinha três ou quatro marchas e o motor, um seis-cilindros em linha, era o Stovebolt 261 produzido pela Chevrolet para seus caminhões e utilitários.
Com três carburadores SU e diferentes comandos, a potência variava entre 155 cv e 170 cv, tornando o esportivo de 1.180 kg o primeiro carro nacional a romper a barreira dos 200 km/h.
Custava 16 milhões de cruzeiros (mais de R$ 900 mil na conversão atual). Um sonho para poucos e que durou pouco. A Brasinca, então fornecedora de peças estampadas para a indústria automotiva, desistiu do projeto por questão de custos, e Soler juntou-se a dois sócios para abrir sua empresa, a Sociedade Técnica de Veículos, SVT, e rebatizou o GT de Uirapuru. A empreitada durou só três anos e produziu 77 unidades, três das quais conversíveis.
Lembrei-me do primeiro salão que visitei ao ler sobre a volta da exposição após sete anos de ausência. O evento acontecer no fim de 2025, no mesmo espaço que o abrigou durante 22 edições (1970 a 2014), o Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo (SP), agora ampliado e climatizado. É uma boa notícia.
Os custos que afastaram os fabricantes da mostra devem ser menores e haverá novidades nos moldes da CES — maior feira de tecnologia do mundo. Em todo o mundo, os salões estão se reinventando: o de Frankfurt, na Alemanha, o mais importante do setor, foi transferido para Munique, também naquele país.
E, além da exposição fechada, estandes foram montados em praça pública. O mais tradicional dos salões, no entanto, sucumbiu aos novos tempos: o Salão de Genebra fechou as portas definitivamente depois de 119 anos. Quem sabe um dia volte.
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Fonte: direitonews