(FOLHAPRESS) – O esquerdista Gustavo Petro assumiu a Presidência da Colômbia no último dia 7 com mostras objetivas do programa que pretende implantar. No primeiro dia de governo, anunciou um projeto de reforma tributária que prevê taxar grandes fortunas. Os planos econômicos têm como ponto central também as propostas na área de segurança.
Petro imagina implantar um conceito de “paz total” para combater a violência no país, pautado em uma radical mudança de enfoque no enfrentamento aos grupos armados da Colômbia. Nos bastidores, funcionários do primeiro escalão do governo e aliados no Congresso explicaram à Folha as linhas gerais do plano.
Hoje atuam no país a última guerrilha de esquerda nascida nos anos 1960, o ELN (Exército de Libertação Nacional); dissidentes dos acordos de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e paramilitares firmados em 2016 e 2005, respectivamente; e facções criminosas conhecidas como Bacrim, que se dedicam unicamente ao narcotráfico.
Além da retomada de negociações, a “paz total” implementaria um sistema de Justiça reparatório mais amplo, que ofereceria penas alternativas a quem colaborar com informações sobre esses grupos.
Paralelamente há uma estratégia de combate à corrupção nas Forças Armadas, a cargo do ministro da Defesa, Iván Velázquez. O jurista liderou a CICIG (Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala) entre 2013 e 2019, com investigações que terminaram em processos contra ex-militares e o então presidente Otto Pérez Molina, hoje preso.
Nos círculos militares há tensão sobre o que o novo governo propõe, uma vez que já existem acusações e processos contra alguns chefes e ex-chefes das Forças na Justiça Militar -o presidente quer que os casos sejam transferidos para a Justiça comum ou para tribunais especiais criados para essa finalidade.
“Corrupção se desmonta com democracia”, disse Petro em seu discurso de posse. Segundo a ONG Transparência pela Colômbia, entre 2016 e 2020 a instância de governo que mais acumula processos por corrupção são as Forças Armadas. São casos como o do ex-general Eduardo Zapateiro, que chegou a fazer ameaças públicas a Petro na campanha e responde à acusação de desvio de verba do Exército para subornar oficiais que colaboravam com o Clã do Golfo (uma das maiores facções criminosas do país).
Velázquez vem se reunindo com grupos de generais para explicar que a “paz total” os incluiria, mas que eles teriam de abrir mão da Justiça Militar e aceitar entregar informações em troca de benefícios.
Ao mesmo tempo, congressistas aliados, como Iván Cepeda, afirmam que é preciso amadurecer a ideia de um “perdão social”. Disse ele à Folha: “Esse conceito ainda precisa ser elaborado, com muita conversa e consenso, mas não há porque seguirmos enchendo as prisões e tornando-as quartéis-generais do crime”.
Chegar a um entendimento com o Exército e eliminar a corrupção nas Forças Armadas é central para a mudança econômica que Petro mira. A ênfase numa reforma agrária sem expropriação, mas com tributação maior a terras improdutivas, e investimentos na produção é a principal estratégia para reduzir a violência no setor rural.
Mas é justamente nessa área que o Exército é necessário, porque está na linha de frente -lutando contra grupos armados, levando a vítimas civis colaterais, ou associados de modo ilícito ao narcotráfico.
A Justiça Especial do modo que tem sido aplicada às Farc desde o acordo de 2016 é uma referência para quando as negociações com o ELN (e eventualmente outros grupos) avançarem. A chamada JEP não só confere penas reparatórias a criminosos que aceitem falar após entregar as armas como também promove sessões de reparação simbólica, com vítimas encontrando os criminosos.
Um dos exemplos mais comoventes se deu em uma acareação de ex-paramilitares com familiares de vítimas de um caso de “falsos positivos” -civis mortos sob a alegação de que eram guerrilheiros para que os grupos cumprissem metas. Nas sessões os criminosos pedem desculpas abertamente, e os parentes dos atingidos perguntam detalhes de como morreram seus afetos.
Autoridades do governo Petro creem que a experiência, com adaptações, pode ajudar a criar um clima de consenso que ajude a reduzir a violência. “Falamos de ‘paz grande’ ou ‘paz total’ porque ela passa necessariamente pela busca interna de reconhecimento das próprias sombras de cada ator da sociedade. Não somos santos, somos o que somos”, disse o responsável pela Comissão de Paz, Daniel Rueda.
Na posse Petro deu indicativos de como deve ser a “paz total”. “Queremos convocar a todos os armados que deixem as armas nas névoas do passado. A aceitar benefícios jurídicos em troca da paz e da não repetição definitiva da violência; a trabalhar como donos de uma economia próspera, mas legal e que acabe com o atraso no interior”, afirmou. “Para que a paz seja possível, precisamos dialogar muito, buscar caminhos comuns e produzir mudanças.”
Nos bastidores, ainda avança a reforma da polícia, que hoje é militar. Haverá, em breve, uma proposta para reestruturar essa força e eliminar o Esmad (Esquadrão Móvel Antidistúrbios), temido batalhão antiprotestos que, em 2019 e 2021, reprimiu com brutalidade atos contra o governo.