O início da presidência brasileira no Mercosul coloca a volta da Venezuela ao bloco no topo da agenda. Ao assumir o cargo temporário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu que “problemas de democracia” no país fossem encarados pelos parceiros do bloco.
“Com relação à questão da Venezuela, gente, todos os problemas que a gente tiver de democracia, a gente não se esconde deles, a gente enfrenta”, disse Lula durante a Cúpula de Líderes do Mercosul.
Assim como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, a Venezuela é membro pleno do Mercosul. No entanto, o país foi suspenso do bloco em 2017, por não atender às cláusulas democráticas impostas pelo Protocolo de Ushuaia.
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão Plenária de Chefes e Chefas de Estado do Mercosul, Bolívia, Estados Associados e Convidados Especiais, Buenos Aires, 4 de junho de 2023
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão Plenária de Chefes e Chefas de Estado do Mercosul, Bolívia, Estados Associados e Convidados Especiais, Buenos Aires, 4 de junho de 2023
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0
Desde então, a Venezuela foi alvo de política ativa de isolamento, que buscava impedir a participação de Caracas em foros regionais. Além disso, o país é alvo de sanções econômicas impostas unilateralmente pelos Estados Unidos, que impedem a sua participação plena no comércio internacional.
De acordo com o professor de História da América da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rafael Pinheiro de Araújo, o presidente Lula acerta ao buscar reintegrar Caracas às relações internacionais.
“O isolamento e o embargo econômico não contribuíram em nada para a solução da crise venezuelana, pelo contrário geraram mais de 7,2 milhões de emigrantes, 6,2 milhões dos quais se encontram espalhados pela América Latina”, disse Araújo à Sputnik Brasil. “Está provado que as sanções só prolongam a crise e punem os mais humildes.”
Além disso, a imposição do embargo econômico por parte dos EUA e aliados contra a Venezuela “legitimou o discurso anti-imperialista do governo de Maduro e deu carta branca para medidas eleitorais contestadas”.
© AP Photo / Eraldo PeresAshley Angelina, de 9 anos, segura sua boneca enquanto pedia carona com seu irmão gêmeo, Angel David, e seus pais, após cruzarem a fronteira com a Venezuela em sua migração para o Brasil, perto de Pacaraima, Roraima, Brasil (foto de arquivo)
Ashley Angelina, de 9 anos, segura sua boneca enquanto pedia carona com seu irmão gêmeo, Angel David, e seus pais, após cruzarem a fronteira com a Venezuela em sua migração para o Brasil, perto de Pacaraima, Roraima, Brasil (foto de arquivo)
© AP Photo / Eraldo Peres
“Resgatar a Venezuela é o correto a ser feito, apesar de que o Brasil ainda não parece ter encontrado a forma ideal de lidar com essa questão”, considerou Araújo.
Por onde começar?
Os ganhos econômicos da reintegração venezuelana esbarram em obstáculos políticos, impostos por diversos governos do continente americano. Durante a reunião do Mercosul, Uruguai e Paraguai não se mostraram dispostos a dialogar com o governo Maduro.
A Argentina, aliada de Lula nessa empreitada, pode mudar de lado após as eleições presidenciais, previstas para outubro de 2023.
“Independentemente do que acontecer com a Argentina, já sabemos que Uruguai e Paraguai vão impor resistência”, disse Araújo. “A volta da Venezuela para o Mercosul exigirá negociações difíceis.”
O especialista ainda nota que a oposição a Maduro não é monopólio de governos de direita, uma vez que o presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, também é contra o diálogo com Caracas.
© AP Photo / Andres PobleteO presidente do Chile, Gabriel Boric, do lado de fora de assembleia de voto, durante entrevista coletiva após votar o plebiscito sobre um novo projeto de Constituição do país, em Punta Arenas, em 4 de setembro de 2022
O presidente do Chile, Gabriel Boric, do lado de fora de assembleia de voto, durante entrevista coletiva após votar o plebiscito sobre um novo projeto de Constituição do país, em Punta Arenas, em 4 de setembro de 2022
© AP Photo / Andres Poblete
Nesse sentido, o canal mais favorável para a normalização das relações diplomáticas com a Venezuela é o bilateral. Brasil e Venezuela já retomaram sua agenda, como demonstrado durante a visita de Maduro a Brasília em maio deste ano.
Na ocasião, o Brasil considerou a renegociação da dívida venezuelana, estimada em US$ 1 bilhão pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conforme reportou o jornal O Globo.
Apesar da retomada econômica venezuelana ainda ser tímida, o retorno de Caracas ao Mercosul garantiria a abertura de importante mercado para o Brasil, além de acesso a recursos energéticos relevantes.
“A Venezuela é a Arábia Saudita das Américas. Então mesmo em crise, é um parceiro interessante não só para o Brasil, mas para a América Latina como um todo”, concluiu Araújo.
Fonte: sputniknewsbrasil