Renda universal: África do Sul terá sucesso em se tornar 1º país a implementar política inédita?


Uma política que por décadas era vista como utópica e de difícil implementação se mostra cada vez mais próxima de se tornar realidade: a renda básica universal.
Apesar de projetos governamentais estarem concentrados em países ricos como Finlândia, Alemanha e Estados Unidos, a medida caminha para se tornar uma política pública real e permanente em uma nação do Sul Global. A proposta inclusive passou a fazer parte do programa de governo do Congresso Nacional Africano (CNA), que enfrentou neste ano a eleição mais disputada desde o fim do regime do Apartheid em 1994 e, ao perder a maioria no Legislativo, precisou formar uma coalizão com o partido opositor.
Luísa Barbosa Azevedo, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ) e pesquisadora de África Subsaariana do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), acrescentou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que a proposta conta com um apoio massivo da população sul-africana, com 60% de aprovação, e também é vista como a segunda maior prioridade econômica para o país, atrás apenas da necessidade de um programa de geração de emprego.

“Em um primeiro momento, é interessante ressaltar que o projeto vai englobar e aumentar o número de beneficiários que já existem no subsídio de assistência emergencial, que, no momento, dados do governo estimam que esteja entre 7 a 9 milhões de pessoas. Esse subsídio de assistência emergencial foi instituído durante a pandemia, em maio de 2020, e vem sendo estendido na África do Sul, que é uma exceção à regra [outros países também tiveram programas, mas que já foram encerrados]. A partir disso, o governo encara que essa assistência pode ser direcionada para um projeto maior, como a renda universal básica”, declarou.

Pessoas em situação de pobreza extrema em comunidade no extremo da zona norte de São Paulo em meio à pandemia da COVID-19, em 21 de maio de 2020. - Sputnik Brasil, 1920, 24.11.2020

Caso a proposta seja implementada, qualquer pessoa com idade entre 18 e 59 anos, independentemente de gênero, classe social ou empregabilidade, terá acesso a uma renda básica, fato ainda inédito no mundo. “Traz um novo paradigma de desenvolvimento social e econômico. Além das políticas fiscais e tanto política macro e microeconômica, é um projeto voltado para o desenvolvimento, tanto social como econômico, e isso tanto para dentro quanto para fora é uma política de ótima imagem para o país, caso eles consigam implementar de maneira confiável. Eu acho importante, nessa discussão, a gente falar que um projeto dessa magnitude só vai conseguir ser implementado se tiver essa interlocução tanto com a população quanto com o governo”, enfatizou a especialista.
Diante de uma população de 162 milhões de pessoas, estudos realizados na África do Sul apontam que a renda universal pode gerar um crescimento do produto interno bruto (PIB) no país de até 5,6%, além de criar 2,7 milhões de empregos em um país com um terço da população sem um posto. Defendida pela CNA e também pela Aliança Democrática, partido que até a última eleição era opositor e agora faz parte do governo, agora o país se debruça sobre como financiar o programa.

“Essa é uma questão, inclusive, muito polêmica no próprio governo. E entre as opções que o governo sul-africano reconheceu até o momento, há impostos principalmente sobre grandes riquezas, a criação de um tributo de segurança social e a utilização eficaz de recursos existentes. Também é muito discutido que as receitas do imposto sobre bens e serviços no país vão crescer como resultado do aumento do consumo gerado na renda básica social”, explica.

Quais países têm renda básica universal?

Atualmente, nenhum país conta com a renda básica universal, apesar de experiências apoiadas por organizações sem fins lucrativos em países como Quênia, Malawi, Moçambique e Libéria. Para a especialista, o projeto coloca a África do Sul como a principal referência mundial em justiça social.
“Esse é um projeto que vai demandar um compromisso financeiro muito grande, e isso também pode levar a um aumento estrutural nos impostos. No final, pode prejudicar as receitas fiscais e trazer dificuldades com concessões econômicas, mas nada que possa comprometer um ambicioso projeto como esse. Vai ser uma grande dificuldade no início, principalmente com as atuais condições fiscais sul-africanas, que não são muito boas”, enfatiza.
O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa discursa na 15ª Cúpula do BRICS em Joanesburgo, África do Sul, 22 de agosto de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 31.07.2024

Quem tem direito à renda básica universal?

Era janeiro de 2004 quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda no início do primeiro mandato, sancionava Lei nº 10.835, que instituía a renda básica de cidadania, que prevê um benefício monetário a todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros que vivem em território nacional há mais de cinco anos, “não importando sua condição socioeconômica”. Porém, a legislação determinou que o governo federal deveria implementar o valor conforme as regras de responsabilidade fiscal e, diante disso, até hoje não foi implementado.
De autoria do deputado estadual de São Paulo Eduardo Suplicy (PT), que na época era senador, o parlamentar destacou ao podcast Mundioka que o novo governo Lula já determinou a criação de um grupo de trabalho que discute como o Brasil pode tornar a lei uma realidade, sendo o Bolsa Família “um estágio na direção gradual para implementar a universalização da renda básica”.
“Ou seja, toda e qualquer pessoa, não importa a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, venhamos todos a participar da riqueza comum de nossa nação através de uma renda que, na medida do possível, com o progresso do país, será suficiente para atender às necessidades vitais de cada ser humano”, explica.
Além disso, o petista lembrou que já existem experiências no Brasil com a proposta: é o caso de Maricá, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O modelo de renda foi iniciado em 2016 para beneficiários do Bolsa Família, que recebiam em mumbuca, uma moeda criada pela prefeitura que só pode ser aceita no município.

“De início foram dez mumbucas [por mês]. Depois, em 2017, passou para 20. Em novembro de 2019, todas as pessoas que recebiam até três salários mínimos e que estavam no Cadastro Único passaram a receber 130. Depois, com o advento da pandemia, passou para 170 […]. E, agora, são 93 mil pessoas residentes em Maricá que passaram a receber 230 mumbucas por mês, não importa a origem, raça ou condição econômica. É claro que Maricá tem uma vantagem em relação a outros municípios, por ter uma base da Petrobras que fornece royalties para o orçamento da cidade, o que tem facilitado muito. Mas é interessante que o exemplo está se espalhando por outras cidades, inclusive também no que diz respeito à criação das moedas sociais. Diversas cidades, como Niterói e outras em torno do estado do Rio de Janeiro, estão realizando experiências em direção à renda básica de cidadania”, finalizou.

Logo da emissora Sputnik - Sputnik Brasil
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!

Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.

Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).

Também estamos nas redes sociais X (Twitter) e TikTok.

Fonte: sputniknewsbrasil

Anteriores Fim do estado de emergência para doença de newcastle no RS
Próxima Governo quer atrair 8,1 milhões de turistas internacionais até 2027