Relatório das Forças Armadas não respalda contestação e intervenção nas eleições, dizem analistas


Nessa toada, o poder Executivo mobilizou o Ministério da Defesa e as Forças Armadas a fim de inspecionar o processo eleitoral brasileiro em 2022.
A medida culminou em um relatório divulgado na noite de quarta-feira (9), que não trouxe nenhuma evidência sobre supostas fraudes eleitorais.
Ainda assim, na manhã da última quinta-feira (10), o Ministério da Defesa divulgou uma nota afirmando que, “embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência”.
Segundo especialistas consultados pela Sputnik Brasil, o Ministério da Defesa está agindo em desconformidade com suas atribuições previstas pela Constituição Federal de 1988.
O relatório feito pela pasta e pelas Forças Armadas poderia configurar crime de improbidade administrativa, de acordo com analistas, já que usou dinheiro público para ser realizado e pelo fato de existirem autoridades competentes no escopo do poder Judiciário para realizar tal fiscalização.
O atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro perdeu as eleições para seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que inicia mandato em janeiro de 2023.
Nos bastidores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), o relatório foi visto com ironia — e como uma manobra para oxigenar as manifestações bolsonaristas que fecharam estradas e se aglutinaram na frente de quartéis do Exército, segundo noticiou o jornal Folha de S.Paulo.

Nada de novo no front, avaliam especialistas

Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional, disse à Sputnik Brasil que o relatório “trouxe informações que eram esperadas”.

“Usamos urnas eletrônicas há quase três décadas e, nesse tempo, não tivemos nenhuma denúncia ou inconformidade em relação a urnas ou ao resultado das urnas. Essa mesma auditoria já era feita pela Justiça Eleitoral e por organismos internacionais. Vejo essa auditoria do Ministério da Defesa com certa incredulidade. O Ministério Público e o Poder Judiciário são os grandes responsáveis pela condução desse ato de auditar as urnas. Tanto o Ministério da Defesa quanto as três entidades das Forças Armadas nada têm a ver com isso. Não há qualquer ponto de contato entre esses órgãos e as eleições”, apontou.

Fossem denúncias substanciais e fatos concretos, prossegue ele, caberia a apuração pelos órgãos competentes.
E, caso houvesse um cenário no qual autoridades competentes não estivessem agindo em relação a eventuais denúncias, a participação do Ministério da Defesa e das Forças Armadas poderia ser plausível. Mas não se trata do caso, argumenta.

“Não existe nada concreto em relação a esses fatos, não há qualquer razão para a participação do Ministério da Defesa [na auditoria das urnas].”

Miranda avalia que a nota desta quinta-feira (10) é “ambígua”, da mesma forma que “a condução dessa auditoria é ambígua”.
“A própria auditoria em si era despropositada. É grave pensarmos que o Ministério da Defesa tem se submetido a esse papel, em desconformidade com as suas atribuições constitucionais”, criticou.
Quanto a cifras de dinheiro público gastas pelo Estado para tal auditoria, Miranda diz que isso merece apuração porque todo ato administrativo tem fundamentos legais que lhes são próprios.
Para a tomada de decisões em atos administrativos, explica, há a necessidade de que eles estejam vinculados com uma legislação específica. Ou seja, se um ato administrativo não estiver vinculado com a lei, é passível de que os agentes respondam por improbidade administrativa, afirma o especialista.
Tanto ele quanto Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e especialista em processo eleitoral e partidos, concordam que não há nenhuma previsão constitucional para qualquer tipo de participação das Forças Armadas na fiscalização do processo eleitoral.

“De acordo com a nossa Constituição, as Forças Armadas, no máximo, fazem a segurança do processo eleitoral. No máximo, elas podem ser chamadas para algumas regiões onde há necessidade de, realmente, contribuir com as polícias civis e militares na segurança das urnas, no trabalho mais corriqueiro de colocar ordem onde há desordem, digamos assim. Mas jamais as Forças Armadas, no Estado Democrático de Direito, poderiam ter esse papel de fiscalizar e intervir ou sugerir uma série de medidas que, de acordo com esse relatório, vêm para contribuir para a melhoria do processo. Na verdade, estamos em um tipo de regime bem diferenciado daquele que reza a Constituição, porque as Forças Armadas não têm esse papel [que estão desempenhando]”, indica a professora.

Braga aponta ainda que o movimento do Ministério da Defesa e das Forças Armadas é próprio ao grupo político que venceu as eleições de 2018.

“Essa atuação vem no momento em que o principal grupo que está no poder perde a eleição e que também, em alguma medida, esperava que com esse relatório tivesse resultados que fossem favoráveis a uma atuação dos bolsonaristas repudiando ainda mais as instituições eleitorais. Não foi isso que ocorreu porque o que eles observam nesse relatório é que o processo eleitoral foi limpo, teve lisura e, no máximo, o que estão indicando são melhorias na visão deles. Não significa que, na avaliação de técnicos e estudiosos da matéria, essas medidas venham para melhorar o processo eleitoral. Militares têm outras preocupações que não são, necessariamente, as de um regime democrático”, observa ela.

A professora nota que o relatório não respalda nenhum tipo de intervenção e não efetiva nenhum tipo de contestação.
Acacio Miranda concorda com a colega sobre o documento, e lembra que para se contestar um processo eleitoral, há mecanismos próprios do TSE para esse fim.

“A contestação existe de acordo com regras eleitorais, que permitem a contestação pela impugnação e discussões feitas no foro adequado, usando instrumentos legais adequados”, conclui.

Fonte: sputniknewsbrasil

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