Nesta quarta-feira (16), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva discursou na Conferência do Clima das Nações Unidas, COP27, no Egito. Durante sua exposição, Lula colocou a agenda ambiental no centro de sua política externa e propôs a reativação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
“Quero dizer que o Brasil está de volta”, disse Lula em seu primeiro compromisso internacional como presidente eleito. “A luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo.”
Utilizar a Amazônia e o meio ambiente como cartão de visita para a reinserção do Brasil na arena internacional é uma estratégia arrojada. A cobiça internacional sobre esse bioma, aliada às recentes ameaças de “sanções econômicas preventivas” por parte de países desenvolvidos, revela que a floresta é um tema sensível internacionalmente.
© AFP 2022 / Joseph EidO presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, segura um documento entre os políticos brasileiros Fátima Bezerra (E) e Helder Zahluth Barbalho (2º D) durante uma discussão sobre a Floresta Amazônica na conferência do clima COP27 na cidade turística de Mar Vermelho, no Egito Sharm el-Sheikh em 16 de novembro de 2022
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, segura um documento entre os políticos brasileiros Fátima Bezerra (E) e Helder Zahluth Barbalho (2º D) durante uma discussão sobre a Floresta Amazônica na conferência do clima COP27 na cidade turística de Mar Vermelho, no Egito Sharm el-Sheikh em 16 de novembro de 2022
© AFP 2022 / Joseph Eid
Em seu discurso, o presidente eleito delineou sua estratégia para retomar a cooperação internacional em assuntos climáticos.
A primeira proposta é a de reativar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) que, segundo Lula, deverá se reunir em formato de cúpula para “discutir de forma soberana a promoção do desenvolvimento integrado da região, com inclusão social e responsabilidade climática”.
Criada em 1978 sob a forma de um tratado envolvendo Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, a iniciativa se transformou em organização em 2003, no primeiro mandato de Lula. A OTCA é a única organização regional que tem sua sede em Brasília, revelando o peso que o Brasil tem na agenda amazônica.
“Apesar da sua importância, a organização esteve fora do radar nos últimos anos justamente pelo desinteresse do governo do Brasil”, disse Regiane Nitsch Bressan, coordenadora do Observatório do Regionalismo e professora de relações internacionais da UNIFESP, à Sputnik Brasil. “O Brasil enxugou o investimento na organização e preferiu não trabalhar as questões amazônicas no âmbito deste tratado.”
Durante esse período, países como a Colômbia tentaram tomar a dianteira nas iniciativas na OTCA, mas, segundo Bressan, “fica muito difícil avançar quando o país-sede, que comporta grande parte da Amazônia, não demonstra interesse”.
A política externa ambiental do governo Lula 3 não deve se restringir à OTCA, mas também reavivar instituições regionais como a UNASUL e a CELAC.
© Folhapress / Johis AlarcónSede da UNASUL, em Quito: países da região não puderam chegar a um consenso em relação à participação da Venezuela na organização, levando a sua paralisação
Sede da UNASUL, em Quito: países da região não puderam chegar a um consenso em relação à participação da Venezuela na organização, levando a sua paralisação
“A política ambiental trabalhará em três níveis: a CELAC englobando toda a América Latina, a UNASUL focando nos países da América do Sul e a OTCA, finalmente, nos países amazônicos”, revelou Bressani. “A UNASUL não só será recuperada, como fortalecida com a criação do Conselho Sul-Americano de Clima e Desenvolvimento.”
O cavalo de Tróia diplomático desta iniciativa com certeza será a retomada do papel da Venezuela, Estado-membro destas três agremiações, na política regional.
© Foto / Divulgação / Presidência da VenezuelaO presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, discursa durante a COP27
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, discursa durante a COP27
© Foto / Divulgação / Presidência da Venezuela
“Precisamos dialogar com a Venezuela. A partir do momento em que um país faz fronteira com a gente, não dá para virar as costas. Dividimos a Amazônia, questões migratórias, sanitárias, comerciais, problemas de segurança e narcotráfico”, considerou Bressani. “A questão ambiental é mais um motivo para retomar as relações com Caracas.”
Países de fora da região
Durante seu discurso na COP27, Lula revelou interesse em retomar a cooperação com países extrarregionais para garantir a preservação da Amazônia.
“Estamos abertos à cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania”, declarou Lula.
A questão premente é o desbloqueio dos recursos investidos por países como Noruega e Alemanha no Fundo Amazônia. O fundo conta atualmente cerca de US$ 540 milhões (cerca de R$ 2,9 bilhões) congelados desde 2019, em função do desempenho do governo Bolsonaro em matéria ambiental.
© Folhapress / Lalo de AlmeidaQueimada em área desmatada no seringal Albracia, dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri
Queimada em área desmatada no seringal Albracia, dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri
“Certamente, ninguém tem dinheiro nem capacidade para tratar desse bioma sozinho”, disse Bressani. “Lula inclusive propôs o compartilhamento desses recursos com os demais países amazônicos, a partir das políticas regionais.”
‘Pisou no calo do agronegócio’
A agenda climática ambiciosa proposta pelo presidente eleito na COP27 demandará alinhamento com lideranças do agronegócio, fundamental para a governabilidade da gestão Lula 3.
“Durante a campanha o presidente eleito tentou resgatar sua popularidade junto a setores da base social, se reaproximando do Movimento Sem-Terra (MST), e acabou pisando no calo do agronegócio, criando uma animosidade muito nefasta”, disse o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e engenheiro agrônomo do Instituto de Estudos Avançados da USP Warwick Manfrinato à Sputnik Brasil.
No entanto, o especialista não acredita que a agenda ambiental necessariamente antagonize o agronegócio, que utiliza práticas ecológicas como o manejo florestal, o manejo de pragas integradas e a utilização de controles biológicos.
© Foto / Chris Coelho / SebraeA senadora Kátia Abreu apresenta painel durante evento sobre agronegócio, realizado em Lisboa
A senadora Kátia Abreu apresenta painel durante evento sobre agronegócio, realizado em Lisboa
© Foto / Chris Coelho / Sebrae
Segundo ele, é possível que “as pontes que foram queimadas” entre o presidente eleito e o agronegócio “sejam reconstruídas”.
Durante o discurso, Lula disse ser possível expandir a agropecuária brasileira sem recorrer ao desmatamento, somente recuperando as terras degradadas brasileiras.
“Quando o presidente eleito fala que o Brasil tem condições e tecnologias suficientes para recuperar terras degradadas, ele está falando uma coisa muito acertada”, considerou Manfrinato. “Temos não só centros de pesquisa governamentais como a EMBRAPA, universidades e centros de pesquisa, mas também empresas que atuam nesse campo da restauração.”
O especialista nota que um dos principais motivos para o alto índice de terras degradadas no Brasil é a especulação imobiliária. Nestes casos, o proprietário não adquire a terra para produzir, mas sim para aguardar momento econômico adequado para realizar a sua venda com lucro.
© Folhapress / Dirceu Portugal Plantio de soja no Paraná. Na foto, plantadeiras e agricultores durante plantio de soja em propriedade rural, 20 de outubro de 2021
Plantio de soja no Paraná. Na foto, plantadeiras e agricultores durante plantio de soja em propriedade rural, 20 de outubro de 2021
“Quem compra terra para produzir não deixa ela degradar, porque depende daquele recurso para viver”, explicou Manfredini. “O custo é alto, mas é possível recuperar terras degradadas, principalmente em regiões de floresta tropicais, como da Amazônia e Mata Atlântica.”
A questão orçamentária será, por sua vez, o calo no pé do governo Lula 3, que quer executar uma agenda extensa com orçamento reduzido e atividade econômica baixa.
“Não acho que seja necessário ser um país rico para se atingir metas ambientais. As metas ambientais não podem estar desvinculadas das pautas econômicas, essa é a grande questão da modernidade”, concluiu Manfredini.
Nesta quarta-feira (16), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva discursou na COP27, conferência organizada no âmbito das Nações Unidas (ONU) para debater as mudanças climáticas globais. A conferência foi realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito.
Fonte: sputniknewsbrasil