Reação aos EUA e a Israel no Oriente Médio: ocupação de Gaza fortaleceu luta do Eixo da Resistência?


Nome que até o ataque histórico do Hamas contra Israel no dia 7 de outubro do ano passado estava esquecido da geopolítica mundial, o Eixo da Resistência voltou a ganhar a mídia para além do Oriente Médio.
Considerados herdeiros dos movimentos nacionalistas da região que marcaram o fim da dominação do Império Otomano no início do século XX, o eixo é um coletivo de atores políticos de orientação islâmica que atuam no continente: do Hamas, na Faixa de Gaza, ao Hezbollah, no Líbano, e os houthis, no Iêmen.
A definição, como resistência, vem justamente da luta contra a hegemonia norte-americana e israelense no Oriente Médio, de tendência anti-imperialista e anticolonialista. Para além dos braços políticos, também foram formando alas militares e, ao longo do tempo, ganharam denominações no mundo ocidental como movimentos terroristas. Autor do livro “Colonização neoliberal de Jerusalém”, o professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Bruno Uberman resumiu ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que esses grupos surgiram como resposta à ocupação estrangeira na região, movida pelo interesse econômico frente às riquezas do local.
“A ocupação saudita do Iêmen, a ocupação norte-americana no Iraque e a ocupação israelense no Líbano e na Palestina. Enfim, são movimentos que têm suas contradições, são muitas vezes caracterizados como autoritários, mas fazem parte dessa tradição de resistência anticolonial e anti-imperialista”, destaca, ao lembrar que também podem ser colocados como Eixo da Resistência dois Estados do Oriente Médio: o Irã e a Síria.
#427 Mundioka - Sputnik Brasil, 1920, 21.08.2024

Qual o objetivo do Hezbollah?

Em manifesto publicado em 1985, o Hezbollah listava como meta principal acabar com qualquer entidade colonialista no Líbano, estabelecer um regime islâmico no país e levar à Justiça os “invasores” pelos crimes cometidos ao longo do tempo. Conforme o especialista, assim como é comum a outros movimentos de resistência, o grupo conta com um braço para a luta armada que se concentra na região sul libanesa. Para além disso, participa da política do país e tem representação eleitoral.

“O Hezbollah, de alguma forma, tem também toda uma rede de assistência social e diversas outras camadas, para além de ser um braço armado e um partido eleitoral. Possui um enraizamento na sociedade libanesa. Isso, de uma forma, é herança de uma tradição da irmandade muçulmana egípcia, que é um pouco o passado de vários desses movimentos em educação, saúde, alimentação, em prover o mínimo de dignidade para os irmãos islâmicos”, acrescenta.

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Além disso, o professor pontua que o movimento atua em um Estado “beligerante em relação a Israel” e, diante dessa contestação à hegemonia ocidental, também se encontra totalmente “desintegrado” como um dos reflexos da luta.
“Então, a partir dos grupos étnicos-religiosos, toda uma divisão do poder, o Hezbollah se insere nisso, mas mantém o seu braço armado, porque se entende ainda como um movimento de resistência a Israel”, enfatiza.
Os houthis, que controlam parte do território do Iêmen e são responsáveis pelos ataques contra navios israelenses e de outros países apoiadores do conflito em Gaza, se fortaleceram como força política no país a partir de 2014, também em contraponto à dominação dos Estados Unidos e da Arábia Saudita.

“Esses grupos têm formas de organização semelhantes, são grupos políticos com braços armados e braços sociais. Normalmente têm uma vinculação e participam da política institucional dos seus países. Mas o Hamas, até outubro, era a instituição governante da Faixa de Gaza, participava da política institucional palestina. Então é um pouco isso que os une. O Irã, obviamente, é o ator mais poderoso do chamado Eixo da Resistência. É o ator que, muitas vezes, fornece inteligência, armas e outros suprimentos para os seus aliados. Mas a gente não pode reduzi-los a simplesmente um próximo, que age a partir do interesse iraniano”, diz.

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O que é o Hamas e qual seu objetivo?

Já o Hamas, segundo o especialista, nasceu como um braço da irmandade egípcia na Palestina, tendo a Faixa de Gaza como um importante centro de atuação. De um movimento pacifista, passaram a atuar em lutas armadas para expulsar os israelenses da região e do terror, acrescenta o professor, como instrumento de resistência.
Até que voltam a ganhar a atenção mundial após o ataque sem precedentes contra Israel, em 7 de outubro de 2023, quando mais de 1,1 mil pessoas morreram e centenas foram feitas reféns.
É quando Tel Aviv declara guerra à Faixa de Gaza que, meses depois, passou a ser contestada pela comunidade internacional em meio à dicotomia da resposta que praticamente destruiu o enclave. Isso também, conforme Uberman, alterou a divisão geopolítica da região, que vinha em um processo de aproximação de Israel.

“O que acontecia até então era uma ampliação da normalização das relações de Israel no Oriente Médio, com atores importantes, como Emirados Árabes, Bahrein, Marrocos e Sudão, mas sem a resolução da questão palestina. Esse era o caminho que o Oriente Médio estava trilhando, com uma união dos atores em oposição ao Irã. A discussão que se tinha até outubro do ano passado era a formação de uma OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] do Oriente Médio, que era o objetivo dos americanos”, argumenta.

Na época, inclusive, chegou a ocorrer uma cúpula em Israel para selar a aliança pró-Ocidente na região, mas a continuidade dos ataques contra os palestinos mudou o panorama.
“O resultado foi interromper o crescimento e a ascensão dessa hegemonia incontestável norte-americana no Oriente Médio, e que hoje se encontra em um momento de muito recuo. Porque a gente vê o Egito resistindo muito ao que os israelenses queriam, que era abrir as fronteiras egípcias para receber os refugiados palestinos de Gaza. A gente vê a Arábia Saudita se afastando um pouco desse eixo, [país que] já tinha normalizado as relações com o Irã por mediação da China […]. Os atores do Oriente Médio, por causa da existência do Eixo da Resistência e da maior presença de atores como Rússia e China na região, buscam cada vez mais autonomia.”
Menino agita bandeira palestina enquanto manifestantes marcham durante protesto em apoio aos palestinos e pedem um cessar-fogo imediato em Gaza. Barcelona, Espanha, 20 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 16.08.2024

De Eixo do Mal ao Eixo da Resistência

Rodrigo Amaral, professor de relações internacionais da PUC-SP, lembra ao podcast Mundioka que durante os anos 2000 esse coletivo de movimentos ganhou um nome bastante pejorativo: Eixo do Mal, construído pelo governo norte-americano do então presidente George W. Bush. De acordo com o especialista, o objetivo era construir novos inimigos para o Ocidente.

“Um jornal da Líbia na época, em resposta, dizia que a afirmação do Bush era, na verdade, sobre um Eixo da Resistência [contra a hegemonia norte-americana]. Essa nova nomenclatura trouxe outra ótica para esses atores políticos para desconstruir essa ideia de bem contra o mal. O termo ficou mais popularizado e foi incorporado inclusive nos jornais ocidentais, porque em grande medida se tornou uma explicação menos enviesada”, pontua.

O professor também enfatiza que não é um eixo “homogêneo” e com coordenação hierárquica em comum, mas sim atores que possuem um interesse compartilhado. “Mas não se trata de uma liga, não se trata de uma organização, nada nesse sentido. Portanto, as conexões que existem são bastante pontuais. Elas não têm uma institucionalidade regional e atualmente têm atuado muito em ações militares que, aparentemente, tem alguma coordenação que parte de uma liderança. E a única liderança possível em termos de capacidade tecnológica, de conseguir ter esse tipo de conexão e, inclusive, o patrocínio é o Irã.”
Apesar de governos chegarem a comparar a atuação com grupos extremistas na região, como o Daesh (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países), o especialista finaliza dizendo que o Eixo da Resistência se opõe à atuação dessas entidades.

“Esse é um ponto importante, que às vezes aqui, da nossa perspectiva ocidental ou ocidentalizada, a gente tende a conectar tudo numa mesma caixa”, afirma.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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