Quem é contra plano de incentivo à indústria do Brasil? Discordâncias deveriam acabar, diz analista


Com a previsão de R$ 300 bilhões em créditos para impulsionar o setor industrial nacional, as reações foram diversas, especialmente entre os representantes do mercado financeiro.
A economista e professora do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), Vivian Almeida, explica à Sputnik Brasil que uma das principais razões para a resistência do setor financeiro em relação ao plano de incentivo à indústria está na visão mais ortodoxa e liberal que predomina nesse meio.
Segundo ela, há um receio de que os incentivos resultem em gastos que serão cobrados no futuro, seja por meio do aumento do endividamento do governo ou pela redução na arrecadação, impactando, consequentemente, a capacidade dos agentes privados de investir.

“O setor financeiro tem uma tendência a uma visão teórica, por assim dizer, um pouco mais próxima à ortodoxia, a economia neoclássica e, portanto, o que a gente convencionou a chamar de um aspecto mais liberal, que avalia isso qualquer incentivo com relação à indústria equivocada.”

A economista ressalta que o interesse do setor financeiro está fortemente ligado à movimentação da taxa básica de juros e à propensão dos agentes a investir.
Desta forma, qualquer decisão do governo, especialmente uma política industrial significativa, é vista com cautela devido ao potencial impacto nas decisões e ganhos dos investidores.

A quem interessa industrializar o Brasil?

A economista Vivian Almeida destaca que os possíveis receptores dos incentivos têm expectativas elevadas sobre o projeto que visa ampliar a industrialização no Brasil, sobretudo em relação à redução do custo de produção.

“Qualquer incentivo é bem visto pelo setor com a necessidade de colocar em prática e tentar aumentar sua produtividade para ampliar suas vendas e, portanto, seus lucros”, afirma a economista.

A proposta do governo, segundo ela, também é uma resposta a intensas discussões sobre a fragmentação da produção industrial, evidenciada pela pandemia de COVID-19.
A dependência de peças produzidas em diferentes locais gerou uma análise mais profunda sobre os benefícios e custos dessa abordagem, levando a um questionamento sobre a desindustrialização precoce no país, diz a professora.
Desta forma, Almeida enfatiza que, a retomada do investimento na indústria é essencial para um desenvolvimento mais robusto do território brasileiro como um todo.

Como é a indústria brasileira atualmente?

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Feldmann, diferente do Brasil, diversos países focaram no investimento industrial como forma de garantir sua soberania e bons resultados econômicos.

“O setor financeiro pensa de uma forma voltada para os riscos e para o bem dos bancos. É natural que se critique o Estado, achando que seu envolvimento implica em gastos adicionais. Mas essa visão é ultrapassada. Nos últimos 20 anos, países desenvolvidos focaram na indústria de transformação com planos de longo prazo, definindo investimentos, incentivos e formação de profissionais. O papel do Estado é fundamental.”

O professor argumenta que críticas à campanha brasileira podem ser atribuídas à resistência de empresas estrangeiras e ao receio de perderem espaço para concorrentes locais.
“Empresas de fora que usam o mercado brasileiro, mas não operam aqui, não vão gostar do plano. Isso, aliado aos interesses dos bancos, leva a um posicionamento baseado em uma visão atrasada da economia.”
Feldmann destaca a importância do planejamento industrial e acredita que o Brasil está finalmente oferecendo condições para a indústria se desenvolver. “A indústria pode começar a fazer planejamento, saber onde haverá incentivo, linha de empréstimo. Certamente, teremos investimento estrangeiro nas áreas mais favorecidas.”
“Não deveria existir discordância. O Brasil precisa ter uma grande indústria para ter importância na economia mundial. Todos os países desenvolvidos o são porque são fortes industrialmente.”
Sobre a possibilidade de lobby estrangeiro para impedir o desenvolvimento industrial brasileiro, Feldmann reconhece que, embora não seja impossível, é improvável.
Ainda assim, ele aponta para o exemplo negativo da abertura do mercado nos anos 1990, que resultou na quebra da indústria brasileira. “Hoje, países sabem que precisam proteger suas indústrias locais, como fazem os Estados Unidos e a China, as duas maiores potências [econômicas].”
Quanto ao Nova Indústria Brasil, Feldmann reconhece sua importância, mas aponta falhas. “O plano veio atrasado, mas é bom. No entanto, falta abordagem para inovação e apoio às pequenas empresas, grandes geradoras de empregos e inovação. Deveriam ter sido contempladas no plano.”

Quais problemas a indústria brasileira enfrenta?

A economista e professora de mercado financeiro da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Thaís Cíntia Cárnio, destaca que o setor financeiro é cético em relação ao plano, considerando-o uma retomada de políticas industriais ultrapassadas, que já foram colocadas em prática no Brasil.
“Não são obtidos os resultados esperados. Além disso, todo o subsídio implica em gastos governamentais ou redução de receita, o que coloca em risco a meta fiscal. O descumprimento dessa meta implica em uma mensagem muito delicada para o mercado em geral, gerando descrença no mercado de investidores”, alerta Cárnio.
Quanto aos interesses por trás das críticas do mercado financeiro, a economista sugere que o programa pode estar relacionado a questões políticas. “Esse tipo de programa busca incentivar a economia e ‘trazer para perto’ setores que são refratários ao posicionamento político do atual governo, como o agronegócio”, observa.
No entanto, para as indústrias, qualquer subsídio e incentivo fiscal são bem-vindos, diz a professora. Cárnio, ainda assim, destaca a falta de clareza em relação às contrapartidas que serão exigidas das empresas beneficiadas.
“Seria uma boa oportunidade para demandar maior compromisso socioambiental das empresas ou outras demandas que são relevantes na atual conjuntura, de forma equilibrada e viável”, sugere.
Quanto à avaliação do novo plano, a economista ressalta a importância de um equilíbrio na concessão de subsídios e incentivos fiscais. “Tanto o subsídio como o incentivo fiscal são uma faca de dois gumes: não podem ser insuficientes para incremento de negócios, e nem abundantes demais para gerar acomodação”, alerta Cárnio.
Sobre possíveis interesses em conter o fomento ao setor industrial brasileiro, a economista entende que a ninguém interessa impedir o desenvolvimento industrial, mas que é preciso fazê-lo de forma responsável. “A proposta em si não é negativa ou necessariamente positiva. Deve ser aplicada de forma fiscalmente responsável pelo Estado, bem estruturada, transparente e ter prazo para existir, evitando a acomodação do setor.”
“Não vejo uma conspiração internacional [contra o desenvolvimento industrial]. O que percebo é a pressão de outros países, especialmente os europeus, para que sejamos ambientalmente comprometidos com metas bem difíceis de serem alcançadas a curto prazo”, finaliza.

Fonte: sputniknewsbrasil

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