(FOLHAPRESS) – A “nacionalidade brasileira” foi o principal motivo citado em queixas de discriminação relatadas em Portugal em 2021, respondendo por 26,7% do total de 408 denúncias recebidas pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR).
Enquanto, no geral, as queixas por discriminação caíram no país –um decréscimo de 37,7% em relação a 2020 (655) e de 6,4% comparado com 2019 (436)–, os relatos especificamente contra brasileiros aumentaram. Em 2021, foram 109 queixas por esse motivo, enquanto em 2020 haviam sido reportadas 96; uma alta de 13,5%.
O salto é particularmente expressivo se comparado a 2017, quando houve apenas 17 registros. Naquele ano, porém o número geral de queixas de discriminação também foi bem menor, com 179 denúncias. Os dados fazem parte do último “Relatório Anual sobre a Situação da Igualdade e Não Discriminação Racial e Étnica” do país, publicado sem alarde pela Comissão contra a Discriminação nesta terça-feira (9).
De acordo com o documento, “com valores substancialmente mais baixos”, surgem a seguir as expressões “etnia cigana”, com 67 queixas (16,4%) e “cor da pele negra/preto(a)/negro(a)/raça negra”, com 65 queixas (15,9%).
A expressão mais genérica “estrangeiros/estrangeiras/imigrantes em geral” aparece na quarta posição, com 18 queixas (4,4% do total), “correspondendo a casos em que os ofendidos se consideraram discriminados por serem estrangeiros, imigrantes ou não portugueses, não estando em causa a ofensa a uma nacionalidade específica”.
Segundo dados do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), em 2021 os brasileiros legalmente residentes respondiam por cerca de 30% dos quase 700 mil estrangeiros vivendo no país –nesta terça, dados parciais divulgados pelo órgão indicaram que a comunidade do país continuou a crescer.
Em Portugal, dependendo das características do caso, os episódios de discriminação étnica e racial podem ser tipificados como crime ou a chamada contraordenação, um delito mais brando. É desta maneira que a maioria reportada acaba classificada –tendo, portanto, punições mais leves. Esses episódios são analisados pela CICDR, que tem autonomia e poderes para tomar decisões.
“A CICDR tem a competência de decidir e aplicar coimas [multas] e sanções acessórias no âmbito dos processos contraordenacionais. Mas tais decisões podem ser sempre objeto de recurso para os tribunais. Numas vezes são, noutras não”, explica Pedro Barosa, sócio da Abreu Advogados. Em 2021, a Comissão proferiu apenas duas condenações, sendo uma multa e uma admoestação (espécie de advertência pública).
Um levantamento do projeto Combat, do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, analisou dados de discriminação entre 2006 e 2016 e indicou que cerca de 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial acabam arquivados. Houve condenação em 7,5% dos casos. No entanto, quando são considerados também os recursos que anularam ou impugnaram essas decisões, as condenações caem para 5,8%.
Na avaliação de José Falcão, dirigente da ONG SOS Racismo, as poucas condenações em Portugal fazem com que, na prática, haja impunidade para o crime de racismo no país. “A lei não ajuda absolutamente em nada a combater a discriminação racial. Essa lei, do jeito que está, não serve para nada”, afirma, citando como exemplo o caso do deputado André Ventura, líder do partido de ultradireita Chega.
O parlamentar foi multado EUR 3.770 pela CICDR devido a comentários considerados discriminatórios à etnia cigana feitos em uma página no Facebook, mas a condenação foi posteriormente anulada na Justiça.
Para Falcão, as dificuldades para denunciar os episódios de discriminação muitas vezes começam nas delegacias, quando ainda é comum que a polícia desencoraje os queixosos.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em julho, a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, afirmou que o governo português acompanha as denúncias que já indicavam um aumento nos casos de discriminação, mas destacou que o crescimento também está relacionado à maior sensibilização dos migrantes para o tema, o que acaba se refletindo em mais denúncias.
Presidente da Casa do Brasil em Lisboa, ONG que presta assistência à comunidade brasileira, a psicóloga Cyntia de Paula também tem a percepção de que os imigrantes estão cada vez mais atentos. “Temos recebido mais relatos [de discriminação], mas acho que também se criou um movimento maior de denúncia”, afirmou.
Nesse sentido, além do crescimento da discussão racial em diversas partes, as próprias características da nova onda de migração brasileira para Portugal podem estar contribuindo para a maior disposição de discutir abertamente as queixas de discriminação. Esse grupo, de caráter mais engajado e que inclui muitos estudantes, profissionais liberais e empresários, formou grupos e associações e têm usado as redes sociais para chamar a atenção para o tema.