‘Queimados’ no Oriente Médio, EUA são incapazes de mediar conflitos na região, dizem especialistas


Arábia Saudita e Irã, rivais históricos no Oriente Médio, reaproximaram-se nos últimos meses em movimento visto como vitória para a China. A aproximação foi costurada pelo país asiático, com investimento maciço de aproximadamente US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5 trilhões) nos dois países.
Vale ressaltar que ambos, além da Argentina, do Egito, da Etiópia e dos Emirados Árabes Unidos, foram anunciados como novos integrantes do bloco a partir de 2024.
A reaproximação do Irã e da Arábia Saudita mostra a crescente influência chinesa na região — além de uma unidade do BRICS — e só reforça o quão incapazes são os Estados Unidos de mediar conflitos em tais locais, conforme especialistas consultados pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente chinês, Xi Jinping, na cerimônia de reunião dos chefes das delegações participantes do 3º Fórum do Cinturão e Rota, em Pequim, em 17 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 19.10.2023

Em entrevista ao podcast Mundioka, o professor de história contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Marcelo Carreiro da Silva, avalia que a China tem protagonismo nas relações internacionais já comprovado na reaproximação da Arábia Saudita e do Irã.
Para ele, os Estados Unidos, sem capacidade de intermediar relações diplomáticas nos dois países, influenciam negativamente questões geopolíticas da região. “Especialmente por conta do Irã — há a participação dos EUA na deposição de [Mohammed] Mossadegh, que nacionalizou o petróleo do Irã.”

“[Isso] acabou com qualquer tentativa do governo iraniano de passar o lucro do seu petróleo para a população. Então, reforçou o governo monarquista do xá Reza Pahlavi, que só vai cair em 1979, e o Irã nunca se esqueceu disso.”

Ele observa que a revolução iraniana carrega consigo um “sentimento antiamericano” devido a tais questões.
“Se um dos partícipes não tem proximidade, é impossível […] mediar qualquer coisa. Nesse sentido, os EUA não têm moral alguma para mediar essa relação. Coisa que exatamente a China tem.”

Guerra de Israel contra o Hamas

Tanto a Arábia Saudita quanto o Irã condenaram os ataques de Israel contra a Faixa de Gaza, que mataram milhares de civis palestinos.
Esse é só mais um dos fatores que limitariam a ação estadunidense em território oriental, segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Brancoli.
“Tanto Riad quanto Teerã têm feito declarações bastante fortes, condenando Israel, aumentando a responsabilidade de Tel Aviv a respeito desse tipo de ação e condenando o ataque civil.”
Nesta foto divulgada pelo site oficial do gabinete do líder supremo iraniano, o líder supremo aiatolá Ali Khamenei, à esquerda, participa da cerimônia de formatura de um grupo de cadetes das Forças Armadas em Teerã. Irã, 10 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 18.10.2023

Brancoli afirma que os iranianos têm certa ligação com o Hamas, o que influenciaria diretamente o conflito. “Gosto de lembrar que o Irã também não é um ator monolítico. A gente não pode afirmar que uma liderança ou um aiatolá, de alguma maneira, assinou um documento para enviar armamentos nesse contexto.”

“Tanto o Hamas quanto o Hezbollah são considerados grupos terroristas por parte dos EUA, mas eu gosto de lembrar que, para o Conselho de Segurança [das Nações Unidas], não são. Inclusive, do ponto de vista prático, o Hezbollah é um grupo político na medida em que coordena ministérios no Líbano.”

Além disso, a Arábia Saudita poderia estabelecer relações diplomáticas com Israel — o que beneficiaria os israelenses —, mas tal movimento foi impedido devido ao escalonamento do conflito, diz o professor e pesquisador.
Um homem sob as bandeiras dos EUA e da Arábia Saudita antes da visita do presidente dos EUA, Joe Biden, em uma praça em Jeddah, Arábia Saudita, 14 de julho de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 17.10.2023

Ele ressalta que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, teve de se aliar a grupos ultraortodoxos e conservadores para se manter no poder, além de ter posições contrárias aos palestinos, o que acirra ainda mais as disputas.
Para Brancoli, o líder israelense tem muita responsabilidade pelos conflitos, que mataram mais de 1,4 mil pessoas em Israel, e boa parte da população é contrária a tais disputas. “As chances de Netanyahu responder juridicamente por isso não são pequenas. [Mas] enquanto ele estiver no cargo, […] não vai ser julgado.”
O professor Marcelo Carreiro da Silva aponta que, nas últimas décadas, a Palestina tentou diversas abordagens, incluindo negociações políticas com Israel através da Fatah, mas todas sem sucesso.
© AP Photo / Bilal HusseinProtesto em apoio ao povo palestino no Líbano próximo à Embaixada dos Estados Unidos. Beirute, 18 de outubro de 2023

Protesto em apoio ao povo palestino no Líbano próximo à embaixada dos Estados Unidos. Beirute, 18 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 19.10.2023

Protesto em apoio ao povo palestino no Líbano próximo à Embaixada dos Estados Unidos. Beirute, 18 de outubro de 2023
Carreiro da Silva também destaca a polarização em relação ao conflito. No Brasil, há uma tendência a seguir um modelo americano que une questões religiosas e políticas, já que muitos brasileiros veem o Estado de Israel como um local sagrado.
Ele adverte, no entanto, que a política internacional não deve ser tratada como um jogo de torcida ou uma questão religiosa.
O território israelense seria uma “potência imperialista colonizadora” que continua a expandir seus assentamentos na Cisjordânia, diz Carreiro da Silva.
Além disso, as condições adversas enfrentadas por Gaza se configurariam como um “campo de concentração” devido aos bloqueios terrestre, aéreo e marítimo.
Por fim, o especialista comentou sobre a percepção do Irã na imprensa ocidental, destacando a diferença de abordagem em mídias do Oriente Médio e da China.
Ele enfatizou a posição do Brasil como mediador estratégico entre as partes envolvidas e a importância de manter uma política externa equilibrada, sem inimigos declarados.
A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, vota resolução sobre a situação em Israel e Gaza em reunião do Conselho de Segurança sobre a situação no Oriente Médio, em 18 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 19.10.2023

Irã e Arábia Saudita: parceiros, não amigos

O professor Fernando Brancoli explica que o Irã e a Arábia Saudita tinham conflitos econômicos e políticos numa espécie de “guerra fria” no Oriente Médio, sobretudo por conta do petróleo, mas os dois assinaram um acordo de cooperação econômica em Pequim, em setembro de 2023.
O acordo prevê investimentos chineses em infraestrutura, energia e outros setores na Arábia Saudita e no Irã.
Ministro de Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian - Sputnik Brasil, 1920, 19.10.2023

A China é o maior importador de petróleo do mundo, e a reaproximação entre os dois países também foi costurada para que houvesse escoamento do petróleo iraniano para o mercado chinês.
O dinheiro asiático é aplicado em infraestrutura, energia e outros setores. Na Arábia Saudita, investimentos são para estradas, ferrovias e portos. No Irã, o financiamento desenvolve o setor de petróleo e gás.
O presidente russo, Vladimir Putin, ouve o presidente chinês, Xi Jinping, durante uma cerimônia de boas-vindas aos chefes de delegações participantes do 3º Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional, no Grande Salão do Povo em Pequim, China, 17 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 19.10.2023

“A reaproximação entre a Arábia Saudita e o Irã vem em boa hora, agora que ambos são colegas de BRICS. A inclusão da Arábia Saudita e do Irã no BRICS foi um pedido da China, que buscava aumentar sua influência na região.”
Carreiro da Silva acredita que o Irã, que possui divergências em relação a vários países, agora encontra novos parceiros.
“Não amigos, mas parceiros; é evidente que [a reaproximação] está se criando”, completa, dizendo que a combinação de interesses pode estabilizar a região.
© Marcelo Camargo/Agência BrasilBanco do BRICS tem como principais membros Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

Banco do BRICS tem como principais membros Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - Sputnik Brasil, 1920, 19.10.2023

Banco do BRICS tem como principais membros Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
Ele compara com a China e a Índia, que têm suas disputas, mas que dentro do BRICS conseguem “sentar e discutir projetos em comum e propostas que ambos possam investir”.
O analista opina que, para a própria configuração do bloco, é interessante que haja países com potencial de produção de petróleo e gás, já que os países seriam os “tijolos” para construir uma nova economia do século XXI, em alusão direta à palavra inglesa “bricks”.

Fonte: sputniknewsbrasil

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