Promessa anticorrupção do novo presidente da Guatemala pode ser autoarmadilha, alerta especialista


Desde sua eleição em agosto, Arevalo enfrentou obstáculos significativos, incluindo desafios à formação de seu partido político, CEMIA, e manobras da elite judiciária para minar sua candidatura.
Para entender as nuances, os jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho entrevistaram Felipe Ramos, especialista em relações internacionais e também pesquisador da Nova Escola de Pesquisa Social, de Nova York.
Soldados patrulham uma área residencial no sul de Quito. Equador, 12 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 12.01.2024

Ao Mundioka, da Sputnik Brasil, o analista pontuou o processo de retomada de assinaturas para o partido foi constantemente questionado, lançando dúvidas sobre sua legitimidade. O lawfare, isto é, a guerra jurídica com fins políticos, desempenhou um papel crucial, com a elite política guatemalteca tentando impedir não apenas a candidatura de Arevalo, mas também a existência do partido de centro-esquerda que ele tentava estabelecer.

“Quando ele passa a ser, então, já de forma surpreendente, vitorioso na eleição […] isso significou que as elites políticas, o atual presidente que estava no poder, o atual congresso que estava ainda no poder, e a corte e a procuradora-geral não conseguiram impedir a vitória dele, de forma até surpreendente […] surpreendeu a comunidade internacional, que a eleição na Guatemala, desse modo, foi até livre e justa, nesse sentido, passou-se para uma segunda fase desse movimento de tentar impedir a posse“, detalhou o especialista.

O analista recorda que, a “surpreendente vitória nas eleições” foi seguida por uma fase tumultuada de tentativas de impedir a posse. A Suprema Corte suspendeu o partido político, mas os deputados eleitos tomaram posse como independentes, levando a uma confusão no Congresso Nacional que durou nove horas, com pressão internacional, incluindo dos Estados Unidos, para garantir a posse democrática.

Guatemala: novo presidente e bandeira anticorrupção

Ramos detalha que a história de Arevalo destaca-se por sua complexidade, marcada pela luta contra as elites políticas e judiciárias, uma novela política que desafiou as expectativas.
Segundo ele, a demora para assumir o cargo, embora incomum, reflete as peculiaridades do sistema político guatemalteco, onde a flexibilidade nas datas de posse contribuiu para uma incerteza prolongada.
Bernardo Arévalo - Sputnik Brasil, 1920, 15.01.2024

“A grande questão que tornou o então candidato Bernardo Arévalo pelas elites locais foi a sua principal bandeira contra a corrupção […] a Guatemala é um país de corrupção extremamente predominante no sistema político e no sistema econômico. […] Essa relação de patrimonialismo entre as elites econômicas e as elites políticas fazem o país ser extremamente corrupto”, explicou.

O analista explica que o combate à corrupção em outros lugares foi associado a uma pauta de direita, mas na Guatemala os adeptos foram justamente os partidos de centro-esquerda.

“[…] No Brasil, por exemplo, o combate à corrupção ficou associado a uma pauta de direita contra o Lula, contra o PT […] já na Guatemala, o combate à corrupção virou uma pauta da esquerda e progressistas contra a elite de direita que estava no poder na Guatemala há um bom tempo”, sublinhou.

O episódio, único na região, destaca a evolução dos métodos políticos na América Latina, agora menos centrados em golpes militares rápidos, mas sim em disputas institucionais prolongadas.

Desafios para defender ‘bandeira do combate à corrupção’ na Guatemala

Segundo o especialista, a proposta de Arevalo, de combater a corrupção, é, dada a composição dos poderes e os históricos de corrupção deles, uma promessa populista de difícil execução.

“O que ele pode fazer é criar iniciativas de transparência, criar editais, licitações para contratos com o poder executivo federal que ele vai controlar […] Essa promessa é uma autoarmadilha, vamos dizer assim, no médio prazo e ao mesmo tempo, em segundo lugar, isso gera um conflito constante, porque você vai estar com um presidente que está sempre criticando os outros como corruptos“, cravou à Sputnik.

Conferência Parlamentar Internacional Rússia-América Latina - Sputnik Brasil, 1920, 02.01.2024

“Se você foca muito no tema de corrupção, você está sempre focado em questionar o outro, em investigar o outro, e isso pode trazer também riscos para a governabilidade“, alertou.
O foco de Arevalo, segundo o especialista, deve ser o mesmo que outros presidentes precisam ter: macroeconomia, o crescimento econômico, a geração de empregos, a questão de segurança, educação, saúde.
“O presidente tem que estar preocupado com todos esses grandes temas que afetam a população […] ainda que a sua campanha tenha sido muito focada no tema de corrupção, ele deve ter uma agenda presidencial no poder […]”, arrematou.

Novo presidente da Guatemala tem perfil apaziguador

Acerca do perfil político do Arevalo, o internacionalista afirma que ele não aparenta ser extremista.

“É uma figura considerada por muitos como moderada. Ele assumiu um tom muito forte na campanha contra as elites, porque é uma estratégia de campanha, de assumir a bandeira do combate à corrupção, então isso faz sentido do ponto de vista eleitoral, mas é uma figura muito educada”, assegurou.

Ele continua: “uma figura que tem um nível cultural e educacional muito alto, uma figura que conversa com muita gente, então em si é uma personalidade que teria a capacidade de entender que o foco muito estreito no combate à corrupção, ainda mais tendo assumido já, tendo tomado posse de uma maneira tão conturbada, a primeira missão dele é justamente permanecer no poder, se insistir demais em puxar a corda, os extremos das cordas no cabo de guerra, isso vai dificultar“.
Submarino Humaitá (S-41), da Marinha brasileira, durante cerimônia de lançamento realizada em Itaguaí (RJ), em 12 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 12.01.2024

Peru como exemplo para a Guatemala

Ao falar sobre a forma de lidar com os outros poderes, Felipe Ramos explica que o novo presidente precisa ter cautela com as manobras para não ocorrer o que ocorreu no Peru.

“Se um presidente chega com uma pauta muito radical e diz, eu não vou conversar com esse Congresso, vou para um enfrentamento, isso pode levar a esticando demais as cordas a uma ruptura […] O Peru é um bom exemplo para o Bernardo Arevalo: se você não tem uma hegemonia política na sociedade, apesar de uma maioria eleitoral circunstancial, foi suficiente para te eleger, mas é suficiente para governar, para liderar um país, para dialogar com essas elites, ou para enfrentá-las”, conclui.

Fonte: sputniknewsbrasil

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