Via @consultor_juridico | Percebendo a reação ao redor do mundo em relação à regulamentação das redes sociais, as big techs assumiram uma postura de “tudo ou nada” ao recusar a jurisdição dos países onde operam e são responsabilizadas. E isso cria uma situação de risco à soberania nacional brasileira.
O diagnóstico é do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e foi feito na aula inaugural do curso de MBA em Defesa da Democracia e Comunicação Digital da FGV, em Brasília, em parceria com a Advocacia-Geral da União.
O assunto é mais do que conhecido pelo ministro, não apenas por sua atuação atual no STF e, recentemente, no Tribunal Superior Eleitoral, mas por ser o tema de sua tese apresentada para aprovação em concurso para professor titular da USP.
Em sua análise, as grandes empresas de tecnologia perceberam que a União Europeia e outros países, de uma forma ou de outra, passaram a agir para a regulamentação de seus serviços, então adotaram uma postura de all-in (tudo ou nada).
Ela consiste em não se sujeitar à legislação de países onde atuam, mas não têm sede. Isso evita a responsabilização e a submissão a decisões judiciais. Foi um passo à frente dado pelas big techs.
“Isso é um perigo que venho alertando: por enquanto, nós conseguimos manter a nossa soberania. Isso é questão de soberania nacional. É a nossa jurisdição. Porque as big techs necessitam das nossas antenas, do nosso sistema de telecomunicações. Por enquanto.”
Na sequência, citou o caso de Elon Musk, dono da rede social X e também da Starlink, empresa que oferece acesso à internet por meio de satélites de baixa órbita, o que permite alcançar pontos remotos em estrutura de solo.
Hoje, segundo Alexandre, o Brasil tem 200 mil pontos de conexão da Starlink, mas o plano é chegar a 30 milhões em até dez anos. “Aí não adianta cortar acesso à antena”, alertou.
“É um jogo de conquista de poder. Que foi sendo feito ano após ano, década após década. E se a reação não for forte agora, vai ser muito difícil conter depois.”
Nem precisaríamos de lei
Enquanto o Supremo ainda julga a regulação das redes sociais por meio da interpretação da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, Alexandre diz que nem seria necessária nova legislação sobre o tema.
Ele parte da premissa de que o que a lei proíbe na vida real é também ilegal no mundo virtual. E afirma que, se essas empresas monetizam discurso de ódio, antidemocrático, nazista, racista, homofóbico ou misógino, e ganham dinheiro por isso com publicidade, devem responder pelos danos.
“Nem precisaríamos de lei. É só aplicar o que já temos. Obvio que uma lei mais específica, com detalhes (seria útil), mas, enquanto não houver, é só aplicar o que existe. Não podemos acreditar que as big techs são neutras. Elas não são neutras.”
O ministro abriu a palestra comparando as empresas de tecnologia à Companhia das Índias Orientais, uma empresa criada por financiadores britânicos e holandeses que agiu para conquistar e subjugar territórios estrangeiros em busca de lucro a partir do século 17.
“Lá em 1600, a Companhia das Índias Orientais ditava as normas. Ela estabelecia o que queria cumprir ou não. Ela estabelecia os monopólios. E se negava a cumprir jurisdição de outros países. Estamos falando de mais de 400 anos atrás. Mas a mentalidade das big techs retornou ao mercantilismo, ao colonialismo. Abandonou qualquer pudor capitalista.”
O evento na FGV Brasília contou com a participação do advogado-geral da União, Jorge Messias; da ministra do TSE Edilene Lôbo; do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues; e do diretor da Escola de Comunicação da FGV, Marco Ruediger.
Danilo Vital
Fonte: @consultor_juridico