A Anfavea, que é a associação dos fabricantes de automóveis no Brasil, defendeu o fim da isenção de imposto de importação para carros elétricos, sugerindo que os veículos movidos a bateria passem a recolher a alíquota máxima, de 35%.
No começo de setembro, o presidente da entidade, Marcio de Lima Leite, propôs que o imposto seja reinstaurado de forma gradual, em até três anos, para que a indústria possa se “organizar”.
Segundo a proposta, apenas os veículos contemplados pelas cotas de importações poderiam entrar em solo brasileiro sem impostos. Dentro do modelo atual, companhias que têm fábricas instaladas no Brasil podem importar, sem impostos, volume equivalente a 2% da produção local.
Se efetivado, esse aumento poderá incidir INCLUSIVE nos produtos eventualmente trazidos para cá pelas próprias associadas, além de atingir empresas importadoras que não têm fábricas em solo brasileiro.
No entanto, dado o ritmo atual das marcas tradicionais, bem como sua agenda de eletrificação, elas dificilmente sentiriam os efeitos dessa oneração no médio prazo.
Para a Anfavea, a indústria instalada no Brasil perde mercado “no próprio quintal” ao citar especificamente a participação das empresas chinesas no market share da América Latina, que saltou de 4% para 21% em uma década.
Esse avanço em grande parte é fruto de um esforço nacional chinês para transformar suas empresas locais em potências mundiais, ampliando sua participação em nível global, sobretudo na América do Sul, Índia, alguns da Ásia e Europa.
Para Leite, as empresas asiáticas representam uma ameaça para o mercado interno. “Precisamos de uma regra de transição e previsibilidade”, disse o presidente da Anfavea em evento sobre os números do setor em agosto.
Contudo, o executivo não detalha qual foi o empenho dos fabricantes “nacionais” nos últimos cinco anos em aderir à eletrificação ou na modernização dos produtos atualmente vendidos por aqui.
Os fabricantes, por meio de sua associação, agem com uma medida retrógrada. Exigem a implementação de um imposto que as protejam em uma seara que pouco atuam. Não vendem carros eletrificados por aqui em volume substancial por mera opção de negócios.
Sempre, claro, sob o argumento de que “não há demanda suficiente”, o que se contrapõe justamente a “ameaça chinesa”, que está oferecendo por aqui um produto que nitidamente encontra um nicho latente.
Em 2022, foram vendidos 49,2 mil unidades de veículos desta categoria (híbridos e elétricos), segundo a Anfavea. Esse mesmo volume foi atingido nos primeiros oito meses de 2023. Para o ano que vem, a expectativa é que as vendas cresçam em pelo menos 30%.
Obviamente a migração para o carro elétrico ou sua convivência combinada com tecnologia híbrida encontra desafios, como a rede, pós-venda, manufatura e, principalmente, infraestrutura.
Porém, marcas de veículos premium, como Audi, Porsche, BMW e Volvo, estão se preparando para essa migração com algum empenho, já que suas matrizes anunciaram o descontinuação de carros ICE (movidos a exclusivamente combustão), até porque várias cidades (e países) europeus estabeleceram restrições à venda deste tipo de carro a partir de 2030.
As proteções que a Anfavea busca, assim como órgãos reguladores da União Europeia, têm um alvo muito claro, que são as empresas chinesas. O que pouco se fala é que a China, por meio de incentivos fiscais, promoveu o desenvolvimento de um mercado interno consumidor de carros eletrificados, bem como a implementação de um parque industrial capaz de atender a essa tendência.
Os planos daquele país começaram em 2009, o que colocou o país asiático pelo menos uma década na dianteira desse movimento inescapável – e que a Anfavea irá atrasar (ainda mais) ao requerer que o consumidor brasileiro pague mais caro pelo que há de mais moderno no ramo automotivo.
INVASÃO? QUE INVASÃO?
Durante a apresentação para a imprensa, Marcio de Lima Leite citou uma “invasão de produtos asiáticos, principalmente da China”, na América Latina.
Na prática, o mercado de eletrificação no Brasil representam apenas 2% de todas as vendas – o que é um percentual incrivelmente baixo. Na China, a venda de veículos eletrificados está perto dos 60% do total. E isso em um país cujo mercado é de 18 milhões de veículos (ante os 2 milhões daqui).
O termo invasão também é impróprio, pois sugere que o mercado nacional “tem dono”, o que não é aceitável para os consumidores em uma economia livre de mercado. A concorrência é o motor mais saudável que existe para o cliente e não se pode esquecer que uma das empresas chinesas negocia com o governo baiano a compra de uma fábrica que pertencia a Ford, ainda associada da Anfavea.
A GWM, chinesa, adquiriu e se prepara para iniciar a produção local numa fábrica comprada da Mercedes-Benz, em Iracemápolis (SP). No caso, ambas as associadas deixaram de produzir no Brasil – por decisão estratégica.
Outra alegação data pelo representante dos fabricantes: o Brasil deixou de arrecadar R$ 2 bilhões de impostos; R$ 1,1 bi referentes a produtos chineses. Porém, o grupo que preparou esse argumento não menciona que apenas uma empresa, a BYD, apresentou um plano de investimento de R$ 3 bilhões para os próximos cinco anos, incluindo uma fábrica em Camaçari (BA) e um centro de desenvolvimento. A GWM afirma que pretende alocar por aqui outros R$ 6 bilhões em suas operações.
Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), diz não ser contra a reaplicação de impostos de importação. Mas alega que essa mera faixa de 2% do mercado ainda não justifica um retorno à totalidade de 35%, já que o objetivo das isenções era justamente o desenvolvimento do setor. E isso, naturalmente, ainda não aconteceu. Hoje, os veículos híbridos (que têm rodam com uma combinação de motor a combustão e elétrico) pagam 4% de impostos de importação.
A isenção de impostos para carros elétricos está vigorando no Brasil há pelo menos cinco anos. Nesse período, foram poucos os lançamentos de carros desta categoria por marcas já instaladas. Com o início das operações de BYD e GWM, o ranking das vendas passou a mostrar uma nova foto, com players até então inexistentes.
O COMPRADOR DE CARRO NO BRASIL PRECISA DE BARREIRA?
Os veículos a combustão importados para cá sofrem com 35% de imposto. Ou seja, os carros nacionais que consomem gasolina (ou etanol) já contam com uma barreira. Em 2023, a chegada de concorrentes asiáticos – mesmo que elétricos ou híbridos – causou um fenômeno interessante para o comprador: uma queda expressiva nos preços de carros de diversas categorias.
Na semana em que foi lançado, o BYD Dolphin provocou o anúncio de várias reduções nos valores de tabela. O JAC E-JS1 caiu de R$ 139.900 para R$ 135.900. O Caoa Chery iCar também teve descontos, partindo de R$ 119.990. Já o Peugeot e-2008 ficou R$ 50 mil mais barato. Mesmo carros a combustão, como Jeep Renegade e Compass, passaram a custar menos.
OS FABRICANTES VÃO PRODUZIR ELÉTRICOS POR AQUI?
Quando pediu o retorno de imposto de 35% para carros elétricos, a Anfavea alegou uma proteção para a indústria instalada e, por extensão, a um negócio inexistente. Nenhum fabricante tradicional apresentou planos de começar a produção local de veículos elétricos.
Outra proposta apresentada ao governo foi, além de uma oneração extra em uma ponta, a redução de impostos em outra. A Anfavea entende que seria viável uma isenção de IPI de 1% a 2% para montadoras que produzem no Brasil e que atinjam níveis de eficiência no consumo e emissões de seus carros considerando o ciclo no consumo de combustível.
De fato, praticamente todos os países têm barreiras protecionistas que valorizem sua indústria local, bem como a proteção de postos de trabalho. É uma medida legítima e adotada internacionalmente – inclusive na China.
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CONCORRÊNCIA É BOA PARA O CONSUMIDOR
Ainda que sejam, no papel, importantes mecanismos que garantam o investimento local, também atrasam processos. O Renault Zoe, carro elétrico até então comercializado por aqui, não passa por modernização significativa desde 2010. E saiu de linha nesta semana, sem substituto no mercado brasileiro. O Nissan Leaf, também elétrico, não passa por modernizações importantes desde 2017.
A Volkswagen acaba de lançar a “nova” Saveiro, com novos para-choques, capô mais alto, faróis e lanternas inéditas, rodas inéditas e alguns adesivos diferentes. Porém, utiliza a mesma plataforma há 14 anos, sem mudanças de geração, e, até hoje, sem portas traseiras. A empresa anunciou que voltará a trazer o Tiguan ao Brasil, mas uma configuração defasada em relação ao modelo vendido na Europa.
O Toyota Corolla Cross é comercializado com distinções mecânicas em relação ao seu equivalente americano. Em outras palavras, menos sofisticado. Lá, tem suspensão traseira do tipo independente. Aqui, é um eixo de torção. Temos freio de estacionamento por pedal, acionado pelo pé esquerdo do motorista (como nas antigas picapes). Nos EUA, o equipamento tem acionador elétrico. Já o compato Yaris é o mesmo, sem mudanças tecnológicas, desde 2018.
Renault Duster e Oroch são praticamente os mesmos desde 2010 – a picape é igual há oito anos. A marca incorporou a motorização 1.3 turbo e uma nova central multimídia, além de algumas atualizações cosméticas.
Já a Citroen vende aqui um C3 que não tem nenhuma relação com seu equivalente vendido na França, fora o nome e o Chevron na grade do radiador. O “nosso” é compartilhado com o modelo vendido na Índia, voltado para mercados em desenvolvimento.
Na Chevrolet, o Cruze Sport6 já tem 12 anos e sucedeu por aqui o Vectra GT – uma versão hatch do que deveria ser o Vectra, mas que, na verdade, era o Astra europeu.
Na mesma tocada, a minivan Spin chegou em 2012 substituindo Meriva e Zafira. À época, a imprensa brasileira destacou que o carro era tecnologicamente inferior aos modelos oriundos da Opel. E a familiar, que inclusive ganhou um apelido inoportuno no Brasil, está à venda desde então, apenas com uma atualização visual leve na dianteira e traseira.
Nem marcas mais novas por aqui, como a Hyundai Caoa, escapam. O Ioniq veio para cá depois que sua produção já estava encerrada no país de origem. Cena parecida com o Kona, que foi importado em geração anterior ao que já existe na Coreia. O SUV Tucson é vendido com a mesma “cara” de 2020.
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Fonte: direitonews